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A Constituição das Fronteiras Marítimas Brasileiras: do “Mar Territorial” à “Amazônia Azul”
Andrea Ribeiro Mendes
2006
Andrea Ribeiro Mendes
A CONSTITUIÇÃO DAS FRONTEIRAS MARÍTIMAS BRASILEIRAS: DO
“MAR TERRITORIAL” À “AMAZÔNIA AZUL”
Dissertação de Mestrado apresentada à
Escola Nacional de Ciências Estatísticas,
para obtenção do Título de Mestre em
Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais.
Área de Concentração: População,
Sociedade e Território. Teoria e Pesquisa
Interdisciplinar.
Orientador: Prof. Dr. Eli Alves Penha
Rio de Janeiro (RJ)
2006
i
AGRADECIMENTOS
A Deus e à Deusa sobre todas as coisas
Essa pesquisa foi iniciada no curso de Graduação da UERJ e se
desenvolve através desta dissertação de Mestrado, sem dúvida nenhuma, graças
ao apoio do Professor Doutor Eli Alves Penha, mais do que orientador, um grande
amigo capaz de conciliar as críticas necessárias com as palavras de incentivo,
sem as quais teria sido muito difícil prosseguir.
Ao Almirante Armando Amorim Ferreira Vidigal, pela colaboração
inestimável através de sua entrevista extremamente esclarecedora e pela cessão
do livro “Amazônia Azul”, antes mesmo de sua impressão oficial. Ao Comandante
Alexandre Tagore Medeiros de Albuquerque, pelo esclarecimento de diversas
dúvidas e pela doação do livro contendo a Convenção das Nações Unidas sobre o
Direito do Mar, em sua versão para a língua portuguesa. Ao senhor Jairo
Marcondes de Souza, da PETROBRÁS, pelas prestimosas informações.
Aos conhecimentos provenientes das aulas e orientações de todos os
professores do Mestrado da ENCE, em especial, Nelson Senra, Maria Salet
Novellino, Neide Patarra e Lavínia Pessanha, verdadeiros “facilitadores” do
conhecimento.
Aos inesquecíveis professores da graduação, da UERJ, que
acompanharam a evolução da pesquisa, em especial o Professor Alexandre Mello,
João Baptista, Miguel Ângelo Ribeiro, Susana Pacheco, Hindenburgo Francisco
Pires e Aureanice de Mello Correa.
Ao Sr. Cleiton, bibliotecário da Bibliex, por sua paciência e competência.
Agradeço ao apoio das amigas do magistério, Maria de Lourdes Tertuleano
e Vera Alvarenga e à equipe de trabalho do CEDERJ, Edmée Nunes Salgado e
Stella Alves Rocha, todas igualmente compreensivas quanto aos distanciamentos.
Às funcionárias da ENCE, Sueli, Fernanda e Marilene, cuja desenvoltura
nas questões burocráticas foram essenciais ao longo e no final do curso. À amiga
de todas as horas Marina Rocha.
iv
DEDICATÓRIA
Dedico esse trabalho a Maurício, Arthur, Fernanda e Guilherme.
À perseverança dos apaixonados pelo Brasil e pelo mar.
A meu pai, meu tio e ao meu sogro (in memorian).
vi
Resumo
A Convenção das Nações Unidas Sobre o Direito do Mar, reunida na
Jamaica em 1982, determinou aos países com interesses em suas áreas
costeiras e marinhas o reconhecimento e a apresentação dos recursos nelas
contidos. Além disso, estipulou um ordenamento jurídico à questão dos limites
marítimos, contados a partir da costa. No caso brasileiro, o Mar Territorial
passou a ter 12 milhas, representando área de soberania absoluta do Estado; a
Zona Contígua, soberania parcial, e a Zona Econômica Exclusiva -ZEE- (188
milhas, incluindo a zona contígua). A Convenção também admitiu que a
Plataforma Continental jurídica possa estender-se além das 200 milhas da
ZEE, aumentando a propriedade econômica brasileira em até 350 milhas
marítimas e proporcionando ao país uma área equivalente a cerca de 50% de
seu valor territorial. A essas áreas somadas, incluindo a ZEE e a Plataforma
Continental, a Marinha do Brasil denomina de “Amazônia Azul”.
O enfoque desta pesquisa está exatamente sobre os aspectos
relacionados ao aproveitamento social, econômico e político dos limites
marítimos brasileiros, no período atual, enfatizando a sua relevância para a
consolidação da soberania nacional, assim como para a geopolítica brasileira
do Atlântico Sul.
A análise considerará o levantamento sobre os recursos bióticos e
abióticos disponíveis, apresentado pelos órgãos coordenadores de projetos
investigativos do Brasil, como o LEPLAC (Plano de Levantamento da
Plataforma Continental Brasileira) e o REVIZEE (Programa de Avaliação do
Potencial Sustentável dos Recursos Vivos na Zona Econômica Exclusiva).
Assim, objetiva-se compreender como a sociedade e Governo beneficiam-se
de seus consolidados espaços geográficos, assim como poderão efetivar as
suas reivindicações, relacionadas à ampliação das águas territoriais
Palavras-chaves: geopolítica, mar territorial, limites marítimos, soberania.
x
SUMÁRIO
Lista de Tabelas viii
Lista de Figuras viii
Resumo x
Abstract xi
Índice xii
Introdução 01
I – Geografia Marinha e Direito do Mar 10
III – O “Domínio do Mar”: Conflitos e Distensões no Estabelecimento dos 39
Limites Marítimos
IV – A Geografia Costeira Brasileira e a Constituição do Mar Territorial no 76
Brasil
V – Levantamento dos Recursos do Espaço Marítimo Brasileiro 112
Considerações Finais 144
Bibliografia Citada 152
Anexos
vii
CAPÍTULO 1- GEOGRAFIA MARINHA E DIREITO DO MAR
Neste capítulo pretendemos descrever a porção da superfície terrestre
coberta pelos oceanos e mares, incluindo o relevo submarino, a fim de
caracterizar o espaço oceânico e seus limites fisiográficos. Tal descrição se faz
necessária, uma vez que, sob o ponto de vista científico, as propriedades dos
oceanos e da água do mar determinam o uso e a apropriação desses espaços
pelo homem. À Geografia, então, interessa o estudo dos oceanos, seja nos seus
aspectos físicos, através da Biologia, Climatologia, Química, Geologia, além da
Oceanografia, seja nos seus aspectos sociais, na qual o espaço oceânico é
estudado sob o prisma de sua inter-relação com os processos econômicos e
políticos mundiais.
Sob esse ponto de vista, podemos considerar que o elemento marinho pode
ter uma função negativa – como obstáculo ao mesmo tempo político e militar, o
que implicou na separação dos povos desde os tempos primitivos – e positiva,
como fonte de riquezas e como meio de circulação, permitindo uma maior
integração entre as sociedades.
Quanto a essa temática, o uso político do meio marinho, será feita uma
discussão mais precisa na segunda parte desse capítulo, onde pretendemos
apresentar a evolução das questões inerentes ao Direito Marítimo, em uma
análise que abrange desde as primeiras reivindicações até as conferências
internacionais realizadas sobre o tema. A apreensão dos espaços marinhos como
estratégicos, visando objetivos econômicos e de controle por parte da sociedade,
sob a perspectiva de sua potencialidade, é pauta de análise da Geopolítica - “(...)
a política aplicada aos espaços geográficos” (MEIRA MATTOS, 1977: 84),
ferramenta imprescindível para essa pesquisa. Por Geopolítica podemos ainda
entender “(...) o reconhecimento (...) da potencialidade política e social do espaço,
ou seja, a do saber sobre as relações entre espaço e poder.” (BECKER, 1988:
100); a concepção dos aspectos sociais ocorridos no espaço, considerando, sem
10
CAPÍTULO 2 – O “DOMÍNIO DO MAR”: CONFLITOS E DISTENSÕES NO
ESTABELECIMENTO DOS LIMITES MARÍTIMOS
Em função das características do elemento marinho pode-se deduzir a sua
fluidez, ou seja, a facilidade com que os limites nele estabelecidos são
modificados, com capacidade de se “dilatar” e “encolher”, acarretando várias
conseqüências de natureza política. Utilizando a perspectiva histórica, “o mar não
pertencia a ninguém”, ou res nullius, tal como ficou consagrada essa expressão
pelo direito marítimo internacional e que, entretanto, cairia em desuso quando as
civilizações da Antiguidade passaram a proclamar soberania sobre o espaço
marítimo tal como o faziam em terra.
Mais recentemente, essas formas de apropriação foram denominadas por
Mitchell (2000), como “territorialização do espaço oceânico”, conceito subentendido
na “Proclamação de Truman” de 28 de setembro de 1945, provocando profundas
mudanças na maneira como o Direito do Mar vinha se constituindo desde então,
apoiado no princípio da liberdade de navegação. O motivo alegado pelos Estados
Unidos – a descoberta de depósitos de petróleo e gás natural na plataforma
continental norte-americana, traduziu um novo entendimento do espaço oceânico,
por exibi-lo como palco de atividades exploratórias, potencializadas pela tecnologia
em desenvolvimento e, cenário de conflitos relativos às premissas de “domínio”
marítimo, por parte dos teóricos geopolíticos anglo-saxões. Essa realidade garante
a percepção do mar como um prolongamento do continente, posto que as ações lá
ocorridas são reflexos das surgidas em terra.
Considerando estas temáticas, pretendemos neste capítulo discutir alguns
dos fatores determinantes ao estabelecimento das jurisdições marítimas face ao
processo histórico de expansão das fronteiras no mar, consubstanciado no
conceito de “Mar Territorial”. Em seguida, apresentar as Convenções realizadas
acerca da delimitação das zonas marítimas, enfatizando as diferenças entre o Mar
Territorial e a ZEE (Zona Econômica Exclusiva), fundamentadas pela III
39
CAPÍTULO 3 – A GEOGRAFIA COSTEIRA BRASILEIRA E A CONSTITUIÇÃO
DO MAR TERRITORIAL NO BRASIL
Este capítulo descreve o litoral brasileiro, interrelacionando os fatores
fundamentais determinantes da morfologia litorânea às reivindicações de expansão
jurídica dos limites marítimos, além de considerar suas características sob o ponto
de vista geopolítico. Segue-se a apresentação de um histórico sobre a formação
dos limites marítimos nacionais, em especial do Mar Territorial, apreciando o que
anteriormente foi abordado sobre a constituição do Direito Marítimo.
3.1 – Características Fisiográficas do Litoral Brasileiro
Com uma superfície de 8 547 403,5 km2, o Brasil ocupa quase a metade da
superfície da América do Sul, limitando-se ao Norte com a Venezuela, Guiana,
Suriname, Guiana Francesa e Caribe; a Leste com o Atlântico Sul; a Oeste, com a
Argentina, Paraguai, Bolívia e Peru e Oceano Atlântico; ao Sul, com o Uruguai; a
Oeste, com a Argentina, Paraguai, Bolívia e Peru e, a Noroeste, com a Colômbia,
sendo seu litoral leste. A costa brasileira se estende pelo Oceano Atlântico,
cobrindo 7.367 Km2, banhado pelo Atlântico. Possui várias ilhas oceânicas,
destacando-se as de Fernando de Noronha, Abrolhos e Trindade. O País tem
fronteiras comuns com todas as nações da América do Sul, à exceção do Chile e
do Equador e desenha-se como um losango achatado ao norte, nas latitudes
equatoriais, que se projeta para o estreito do Atlântico - pelo saliente do Nordeste -
e para os maciços andinos - pela floresta Amazônica. Pelo fato de seus pontos
extremos (N - S e L - O) serem eqüidistantes entre si, o território brasileiro possui
formato compacto. É cortado por duas grandes bacias hidrográficas, a do
Amazonas e a do Rio da Prata, e por uma de médio porte, a bacia do São
Francisco, além de outras; o país detém o privilégio de escoar – no momento em
que o recurso se torna mais escasso - 12% da água doce do planeta, dos quais
80% são da bacia Amazônica (CNIO, 1999).
76
Capítulo 4 – Levantamento dos Recursos do Espaço Marítimo Brasileiro
A promulgação da Lei 8617/93 no Brasil, como vimos no capítulo anterior,
foi uma das conseqüências da III Convenção das Nações Unidas Sobre o Direito
do Mar (CNUDM) e através dela foram estabelecidos os limites marítimos
descritos anteriormente. Além da instituição de um Mar Territorial abrangendo uma
faixa de doze milhas marítimas e a inovação representada pela ZEE, a III
Convenção trouxe outras implicações para o Brasil. A criação do Projeto LEPLAC
- Plano de Levantamento da Plataforma Continental Brasileira - responsável pela
concepção do conceito “Amazônia Azul”, divulgado por setores da Marinha
brasileira e cuja conseqüência direta para o Brasil é a incorporação, a sua
jurisdição, de extensas áreas oceânicas alem dos limites das duzentas milhas
(VIDIGAL, 2005), através do levantamento de informações acerca do limite
externo da plataforma; a instituição da Política Marítima Nacional (PMN),
objetivando o desenvolvimento das atividades marítimas brasileiras; o IV Plano
Setorial para os Recursos do Mar (PSRM), tratando das atividades de pesquisa e
prospecção dos recursos marítimos no país, complementando planos anteriores, e
o Programa REVIZEE (Avaliação do Potencial Sustentável de Recursos Vivos na
Zona Econômica Exclusiva), conseqüência do IV PSRM são as principais delas. A
Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM), criada em 1974 e
regulamentada em 2001, tem por finalidade coordenar os assuntos relacionados à
consecução da Política Nacional para os Recursos do Mar (PNRM), que, por sua
vez, objetiva o desenvolvimento de atividades voltadas à utilização, exploração e
aproveitamento dos recursos vivos, minerais e energéticos do Mar Territorial, da
Zona Econômica Exclusiva e da Plataforma Continental. Este capítulo irá
descrever sucintamente o Projeto LEPLAC e o REVIZEE, além de apresentar em
sua última parte do capítulo, as riquezas contidas no mar brasileiro, incluindo o
transporte nele desenvolvido.
112
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise da constituição dos limites marítimos esteve presente em vários
estudos embasados por diferentes abordagens teóricas. As sucessivas
modificações ocorridas acerca das leis que regulamentam o estabelecimento dos
limites marítimos e os diretos dos Estados sobre cada um desses direitos,
estiveram na pauta do Direito Privado e posteriormente do Direito Público,
comandando as relações econômicas e também políticas entre as nações. A
Geografia encarregou-se de analisar a localização e a posição dos Estados e
esteve a serviço da elaboração de estratégias que corroboraram o seu poderio
naval. A História encarregou-se de mostrar a evolução dos limites marinhos
traçados ao longo dos tempos.
A idéia de liberdade no mar esteve antagônica à idéia de soberania das
nações, sobretudo sob o ponto de vista daquelas que sentiam sua influência
ameaçada pela hegemonia dos Estados Marítimos, prenhes de poderio naval, e
aptos a explorar os litorais alheios. Inicialmente apoiados pelo não
reconhecimento de uma ordem jurídica nos oceanos, os países do mundo viram-
se cooptados por uma nova ordem, ditada não só pelas relações comerciais mas
também pela demanda gerada pelos Estados que moldavam-se à necessidade de
incorporar parte do mar ao seu território. Assim, à medida que novas
reivindicações por parte das nações surgiram, novas abordagens foram integradas
à visão anterior do mar como um espaço sem-lei. Em face da imperiosa
necessidade de suprir a demanda de matérias-primas, encontradas em graus
variáveis de esgotamento nos continentes, criaram-se leis a fim de racionalizar os
diferentes usos dos mares. A recente realidade resulta perfeitamente da crescente
dependência sobre os recursos do mar e a urgência de incorporar espaços
estratégicos. Tal atitude careceu e ainda carece bastante de apoio técnico-
científico e o resultado das novas incorporações servem de estudo à Geopolítica.
Ao analisar a evolução desse quadro, como o procuramos fazer no capítulo
“Geografia Marinha e Direito do Mar”, observamos a realização de acordos que
institucionalizam os limites e que concerniram, temporariamente, um caráter
144
BIBLIOGRAFIA CITADA
ALBUQUERQUE, Alexandre T. M. de. O Brasil e os Novos Espaços Marítimos. In:
Revista da Marinha Brasileira. v. 114, n. 4/6. Rio de Janeiro, 1994.
AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS - MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. A
Navegação Interior e sua Interface com o Setor de Recursos Hídricos. Brasília, 2005.
BECKER, Bertha K. O Uso Político do Território: questões a partir de uma visão do
terceiro mundo. In: Abordagens Políticas da Espacialidade. Rio de Janeiro, UFRJ, 1983.
_______. A Geografia e o Resgate da Geopolítica. In: Revista Brasileira de Geografia.
ano 50. IBGE, 1988.
BACKHEUSER, Everardo. Curso de Geopolítica Geral e do Brasil. Rio de Janeiro,
Bibliex,1952
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. Ed. Forense. Rio de Janeiro, 1978
BUSTANI, José M.. A Pesquisa Científica Marinha de Genebra a Caracas: Uma
Ciência sob Suspeita – IV Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco do Ministério
das Relações Exteriores. Brasília, 1981.
CABRAL, Milton. As Novas Fronteiras do Mar. Senado Federal, Brasília, 1981.
CAIXETA-FILHO, J. V. & GARMEIRO, A. H. (organizadores). Transporte e Logística
em Sistemas Agroindustriais. Atlas, São Paulo, 2001.
CÂMARA, João Batista D. & SANTOS, Thereza C. C. (organizadores). GEO Brasil:
Perspectivas do Meio Ambiente no Brasil. Edições IBAMA, Brasília, 2002.
152
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise da constituição dos limites marítimos esteve presente em vários
estudos embasados por diferentes abordagens teóricas. As sucessivas
modificações ocorridas acerca das leis que regulamentam o estabelecimento dos
limites marítimos e os diretos dos Estados sobre cada um desses direitos,
estiveram na pauta do Direito Privado e posteriormente do Direito Público,
comandando as relações econômicas e também políticas entre as nações. A
Geografia encarregou-se de analisar a localização e a posição dos Estados e
esteve a serviço da elaboração de estratégias que corroboraram o seu poderio
naval. A História encarregou-se de mostrar a evolução dos limites marinhos
traçados ao longo dos tempos.
A idéia de liberdade no mar esteve antagônica à idéia de soberania das
nações, sobretudo sob o ponto de vista daquelas que sentiam sua influência
ameaçada pela hegemonia dos Estados Marítimos, prenhes de poderio naval, e
aptos a explorar os litorais alheios. Inicialmente apoiados pelo não
reconhecimento de uma ordem jurídica nos oceanos, os países do mundo viram-
se cooptados por uma nova ordem, ditada não só pelas relações comerciais mas
também pela demanda gerada pelos Estados que moldavam-se à necessidade de
incorporar parte do mar ao seu território. Assim, à medida que novas
reivindicações por parte das nações surgiram, novas abordagens foram integradas
à visão anterior do mar como um espaço sem-lei. Em face da imperiosa
necessidade de suprir a demanda de matérias-primas, encontradas em graus
variáveis de esgotamento nos continentes, criaram-se leis a fim de racionalizar os
diferentes usos dos mares. A recente realidade resulta perfeitamente da crescente
dependência sobre os recursos do mar e a urgência de incorporar espaços
estratégicos. Tal atitude careceu e ainda carece bastante de apoio técnico-
científico e o resultado das novas incorporações servem de estudo à Geopolítica.
Ao analisar a evolução desse quadro, como o procuramos fazer no capítulo
“Geografia Marinha e Direito do Mar”, observamos a realização de acordos que
institucionalizam os limites e que concerniram, temporariamente, um caráter
144
ANEXO I
Presidência da República
Subchefia para Assuntos Jurídicos
LEI Nº 8.617, DE 4 DE JANEIRO DE 1993.
Dispõe sobre o mar territorial, a zona contígua, a zona econômica exclusiva
e a plataforma continental brasileiros, e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a
seguinte lei:
CAPÍTULO I
Do Mar Territorial
Art. 1º O mar territorial brasileiro compreende uma faixa de doze
milhas marítima de largura, medidas a partir da linha de baixa-mar
do litoral continental e insular, tal como indicada nas cartas náuticas
de grande escala, reconhecidas oficialmente no Brasil.
Parágrafo único. Nos locais em que a costa apresente recortes
profundos e reentrâncias ou em que exista uma franja de ilhas ao
longo da costa na sua proximidade imediata, será adotado o método
das linhas de base retas, ligando pontos apropriados, para o traçado
da linha de base, a partir da qual será medida a extensão do mar
territorial.
Art. 2º A soberania do Brasil estende-se ao mar territorial, ao espaço
aéreo sobrejacente, bem como ao seu leito e subsolo.
Art. 3º É reconhecido aos navios de todas as nacionalidades o direito
de passagem inocente no mar territorial brasileiro.
§ 1º A passagem será considerada inocente desde que não seja
prejudicial à paz, à boa ordem ou à segurança do Brasil, devendo ser
contínua e rápida.
§ 2º A passagem inocente poderá compreender o parar e o fundear,
mas apenas na medida em que tais procedimentos constituam
ANEXO III
DECLARAÇÃO FEITA PELO GOVERNO BRASILEIRO AO ASSINAR A
CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O DIREITO DO MAR EM
MONTEGO-BAY, JAMAICA, EM 10 DE DEZEMBRO DE 1982
i. A assinatura em nome do Brasil é ad referundum da ratificação da
Convenção de conformidade com os procedimentos constitucionais
brasileiros, que incluem a aprovação pelo Congresso Nacional.
ii. O Governo brasileiro entende que o regime aplicado na prática nas
áreas marítimas adjacentes às costas do Brasil é compatível com as
disposições da Convenção.
iii. O Governo brasileiro entende que as disposições do artigo 301, que
proíbe “qualquer ameaça ou uso da força contra a integridade territorial
ou a independência política de qualquer Estado, ou de qualquer outro
modo incompatível com os princípios de direito internacional contidos na
Carta das Nações Unidas” se aplicam, em particular as áreas marítimas
sob a soberania ou a jurisdição do Estado costeiro.
iv. O Governo brasileiro entende que as disposições da Convenção não
autorizam outros Estados a realizar na zona econômica exclusiva
exercícios ou manobras militares, em particular as que impliquem o uso
de armas ou explosivos, sem consentimento do Estado costeiro.
v. O Governo brasileiro entende que, de acordo com as disposições da
Convenção, o Estado costeiro tem, na zona econômica exclusiva e na
plataforma continental, o direito exclusivo de construir e de autorizar e
regulamentar a construção, operação e uso de todos os tipos de
instalações e estruturas, sem exceção, qualquer que seja sua natureza
ou finalidade.
vi. O Brasil exerce direitos de soberania sobre a plataforma continental,
alem da distância de duzentas milhas marítimas das linhas de base, até
o limite exterior da sua margem continental, tal como definido no artigo
76.
Reproduzido de “O Brasil e o Novo Direito do Mar” (Ver referência).
ANEXO I
Presidência da República
Subchefia para Assuntos Jurídicos
LEI Nº 8.617, DE 4 DE JANEIRO DE 1993.
Dispõe sobre o mar territorial, a zona contígua, a zona econômica exclusiva
e a plataforma continental brasileiros, e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a
seguinte lei:
CAPÍTULO I
Do Mar Territorial
Art. 1º O mar territorial brasileiro compreende uma faixa de doze
milhas marítima de largura, medidas a partir da linha de baixa-mar
do litoral continental e insular, tal como indicada nas cartas náuticas
de grande escala, reconhecidas oficialmente no Brasil.
Parágrafo único. Nos locais em que a costa apresente recortes
profundos e reentrâncias ou em que exista uma franja de ilhas ao
longo da costa na sua proximidade imediata, será adotado o método
das linhas de base retas, ligando pontos apropriados, para o traçado
da linha de base, a partir da qual será medida a extensão do mar
territorial.
Art. 2º A soberania do Brasil estende-se ao mar territorial, ao espaço
aéreo sobrejacente, bem como ao seu leito e subsolo.
Art. 3º É reconhecido aos navios de todas as nacionalidades o direito
de passagem inocente no mar territorial brasileiro.
§ 1º A passagem será considerada inocente desde que não seja
prejudicial à paz, à boa ordem ou à segurança do Brasil, devendo ser
contínua e rápida.
§ 2º A passagem inocente poderá compreender o parar e o fundear,
mas apenas na medida em que tais procedimentos constituam
incidentes comuns de navegação ou sejam impostos por motivos de
força ou por dificuldade grave, ou tenham por fim prestar auxílio a
pessoas a navios ou aeronaves em perigo ou em dificuldade grave.
§ 3º Os navios estrangeiros no mar territorial brasileiro estarão
sujeitos aos regulamentos estabelecidos pelo Governo brasileiro.
CAPÍTULO II
Da Zona Contígua
Art. 4º A zona contígua brasileira compreende uma faixa que se
estende das doze às vinte e quatro milhas marítimas, contadas a
partir das linhas de base que servem para medir a largura do mar
territorial.
Art. 5º Na zona contígua, o Brasil poderá tomar as medidas de
fiscalização necessárias para:
I - evitar as infrações às leis e aos regulamentos aduaneiros, fiscais,
de imigração ou sanitários, no seu território, ou no seu mar territorial;
II - reprimir as infrações às leis e aos regulamentos, no seu território
ou no seu mar territorial.
CAPÍTULO III
Da Zona Econômica Exclusiva
Art. 6º A zona econômica exclusiva brasileira compreende uma faixa
que se estende das doze às duzentas milhas marítimas, contadas a
partir das linhas de base que servem para medir a largura do mar
territorial.
Art. 7º Na zona econômica exclusiva, o Brasil tem direitos de
soberania para fins de exploração e aproveitamento, conservação e
gestão dos recursos naturais, vivos ou não-vivos, das águas
sobrejacentes ao leito do mar, do leito do mar e seu subsolo, e no
que se refere a outras atividades com vistas à exploração e ao
aproveitamento da zona para fins econômicos.
Art. 8º Na zona econômica exclusiva, o Brasil, no exercício de sua
jurisdição, tem o direito exclusivo de regulamentar a investigação
científica marinha, a proteção e preservação do meio marítimo, bem
como a construção, operação e uso de todos os tipos de ilhas
artificiais, instalações e estruturas.
Parágrafo único. A investigação científica marinha na zona
econômica exclusiva só poderá ser conduzida por outros Estados
com o consentimento prévio do Governo brasileiro, nos termos da
legislação em vigor que regula a matéria.
Art. 9º A realização por outros Estados, na zona econômica
exclusiva, de exercícios ou manobras militares, em particular as que
impliquem o uso de armas ou explosivas, somente poderá ocorrer
com o consentimento do Governo brasileiro.
Art. 10. É reconhecido a todos os Estados o gozo, na zona
econômica exclusiva, das liberdades de navegação e sobrevôo, bem
como de outros usos do mar internacionalmente lícitos, relacionados
com as referidas liberdades, tais como os ligados à operação de
navios e aeronaves.
CAPÍTULO IV
Da Plataforma Continental
Art. 11. A plataforma continental do Brasil compreende o leito e o
subsolo das áreas submarinas que se estendem além do seu mar
territorial, em toda a extensão do prolongamento natural de seu
território terrestre, até o bordo exterior da margem continental, ou até
uma distância de duzentas milhas marítimas das linhas de base, a
partir das quais se mede a largura do mar territorial, nos casos em
que o bordo exterior da margem continental não atinja essa
distância.
Parágrafo único. O limite exterior da plataforma continental será
fixado de conformidade com os critérios estabelecidos no art. 76 da
Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, celebrada em
Montego Bay, em 10 de dezembro de 1982.
Art. 12. O Brasil exerce direitos de soberania sobre a plataforma
continental, para efeitos de exploração dos recursos naturais.
Parágrafo único. Os recursos naturais a que se refere o caput são os
recursos minerais e outros não-vivos do leito do mar e subsolo, bem
como os organismos vivos pertencentes a espécies sedentárias, isto
é, àquelas que no período de captura estão imóveis no leito do mar
ou no seu subsolo, ou que só podem mover-se em constante contato
físico com esse leito ou subsolo.
Art. 13. Na plataforma continental, o Brasil, no exercício de sua
jurisdição, tem o direito exclusivo de regulamentar a investigação
científica marinha, a proteção e preservação do meio marinho, bem
como a construção, operação e o uso de todos os tipos de ilhas
artificiais, instalações e estruturas.
§ 1º A investigação científica marinha, na plataforma continental, só
poderá ser conduzida por outros Estados com o consentimento
prévio do Governo brasileiro, nos termos da legislação em vigor que
regula a matéria.
§ 2º O Governo brasileiro tem o direito exclusivo de autorizar e
regulamentar as perfurações na plataforma continental, quaisquer
que sejam os seus fins.
Art. 14. É reconhecido a todos os Estados o direito de colocar cabos
e dutos na plataforma continental.
§ 1º O traçado da linha para a colocação de tais cabos e dutos na
plataforma continental dependerá do consentimento do Governo
brasileiro.
§ 2º O Governo brasileiro poderá estabelecer condições para a
colocação dos cabos e dutos que penetrem seu território ou seu mar
territorial.
Art. 15. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 16. Revogam-se o Decreto-Lei nº 1.098, de 25 de março de
1970, e as demais disposições em contrário.
Brasília, 4 de janeiro de 1993.
incidentes comuns de navegação ou sejam impostos por motivos de
força ou por dificuldade grave, ou tenham por fim prestar auxílio a
pessoas a navios ou aeronaves em perigo ou em dificuldade grave.
§ 3º Os navios estrangeiros no mar territorial brasileiro estarão
sujeitos aos regulamentos estabelecidos pelo Governo brasileiro.
CAPÍTULO II
Da Zona Contígua
Art. 4º A zona contígua brasileira compreende uma faixa que se
estende das doze às vinte e quatro milhas marítimas, contadas a
partir das linhas de base que servem para medir a largura do mar
territorial.
Art. 5º Na zona contígua, o Brasil poderá tomar as medidas de
fiscalização necessárias para:
I - evitar as infrações às leis e aos regulamentos aduaneiros, fiscais,
de imigração ou sanitários, no seu território, ou no seu mar territorial;
II - reprimir as infrações às leis e aos regulamentos, no seu território
ou no seu mar territorial.
CAPÍTULO III
Da Zona Econômica Exclusiva
Art. 6º A zona econômica exclusiva brasileira compreende uma faixa
que se estende das doze às duzentas milhas marítimas, contadas a
partir das linhas de base que servem para medir a largura do mar
territorial.
Art. 7º Na zona econômica exclusiva, o Brasil tem direitos de
soberania para fins de exploração e aproveitamento, conservação e
gestão dos recursos naturais, vivos ou não-vivos, das águas
sobrejacentes ao leito do mar, do leito do mar e seu subsolo, e no
que se refere a outras atividades com vistas à exploração e ao
aproveitamento da zona para fins econômicos.
Art. 8º Na zona econômica exclusiva, o Brasil, no exercício de sua
jurisdição, tem o direito exclusivo de regulamentar a investigação
científica marinha, a proteção e preservação do meio marítimo, bem
como a construção, operação e uso de todos os tipos de ilhas
artificiais, instalações e estruturas.
Parágrafo único. A investigação científica marinha na zona
econômica exclusiva só poderá ser conduzida por outros Estados
com o consentimento prévio do Governo brasileiro, nos termos da
legislação em vigor que regula a matéria.
Art. 9º A realização por outros Estados, na zona econômica
exclusiva, de exercícios ou manobras militares, em particular as que
impliquem o uso de armas ou explosivas, somente poderá ocorrer
com o consentimento do Governo brasileiro.
Art. 10. É reconhecido a todos os Estados o gozo, na zona
econômica exclusiva, das liberdades de navegação e sobrevôo, bem
como de outros usos do mar internacionalmente lícitos, relacionados
com as referidas liberdades, tais como os ligados à operação de
navios e aeronaves.
CAPÍTULO IV
Da Plataforma Continental
Art. 11. A plataforma continental do Brasil compreende o leito e o
subsolo das áreas submarinas que se estendem além do seu mar
territorial, em toda a extensão do prolongamento natural de seu
território terrestre, até o bordo exterior da margem continental, ou até
uma distância de duzentas milhas marítimas das linhas de base, a
partir das quais se mede a largura do mar territorial, nos casos em
que o bordo exterior da margem continental não atinja essa
distância.
Parágrafo único. O limite exterior da plataforma continental será
fixado de conformidade com os critérios estabelecidos no art. 76 da
Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, celebrada em
Montego Bay, em 10 de dezembro de 1982.
Art. 12. O Brasil exerce direitos de soberania sobre a plataforma
continental, para efeitos de exploração dos recursos naturais.
Parágrafo único. Os recursos naturais a que se refere o caput são os
recursos minerais e outros não-vivos do leito do mar e subsolo, bem
como os organismos vivos pertencentes a espécies sedentárias, isto
é, àquelas que no período de captura estão imóveis no leito do mar
ou no seu subsolo, ou que só podem mover-se em constante contato
físico com esse leito ou subsolo.
Art. 13. Na plataforma continental, o Brasil, no exercício de sua
jurisdição, tem o direito exclusivo de regulamentar a investigação
científica marinha, a proteção e preservação do meio marinho, bem
como a construção, operação e o uso de todos os tipos de ilhas
artificiais, instalações e estruturas.
§ 1º A investigação científica marinha, na plataforma continental, só
poderá ser conduzida por outros Estados com o consentimento
prévio do Governo brasileiro, nos termos da legislação em vigor que
regula a matéria.
§ 2º O Governo brasileiro tem o direito exclusivo de autorizar e
regulamentar as perfurações na plataforma continental, quaisquer
que sejam os seus fins.
Art. 14. É reconhecido a todos os Estados o direito de colocar cabos
e dutos na plataforma continental.
§ 1º O traçado da linha para a colocação de tais cabos e dutos na
plataforma continental dependerá do consentimento do Governo
brasileiro.
§ 2º O Governo brasileiro poderá estabelecer condições para a
colocação dos cabos e dutos que penetrem seu território ou seu mar
territorial.
Art. 15. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 16. Revogam-se o Decreto-Lei nº 1.098, de 25 de março de
1970, e as demais disposições em contrário.
Brasília, 4 de janeiro de 1993.
consensual ao feito. No entanto, como procuramos esclarecer, as diferenças entre
as nações, ao contrário do ambicionado pelas Convenções, não parecem diminuir
e sim adquirir novas faces, sobretudo no contexto da projeção de novos limites, tal
como agora, quando ocorre a possibilidade de expansão do limite relacionado à
plataforma econômica em todas as nações e à criação, no Brasil, da Amazônia
Azul.
Para entender as atribulações geradas em torno da instituição e do
exercício das delimitações jurídicas foi preciso considerar a especificidade do meio
marinho, a cujas características intrínsecas estão diretamente relacionadas. Tal
fator, mais concreto por ser físico, está associado ao fato do mar ser um sistema
único, subdividido em vários subsistemas, e, como assinalamos, ter suas linhas e
marcos físicos sem visibilidade aparente. Isso tornou difícil a tarefa de encontrar
uma legislação aplicada à utilização dos recursos que respeite estes subsistemas,
ou seja, que fique restrita a um espaço marinho local ou regional e que, ao mesmo
tempo atenda às necessidades do Estados costeiros envolvidos. Justifica-se,
assim, o tempo de elaboração da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito
do Mar (CNUDM), vigente atualmente: em torno de dez anos – período entre 1973
a 1982. Dessa maneira, itens tão diversos, cuja pretensão de abarcar temas
controversos, como por exemplo - a gestão integrada dos ambientes costeiro e
oceânico, o fomento de projetos e atividades capazes de assegurar a
disponibilidade dos recursos, ou ainda, a atualização da legislação dos Estados -
inevitavelmente produziram polêmica e provocaram a impressão, nem sempre
falsa, de exercício inconciliável.
Tornou-se evidente que ao país cuja tecnologia dedicada às ciências
marinhas é desenvolvida interessa não apenas a defesa e a exploração dos seus
próprios recursos, mas também a possibilidade de explorar os recursos contidos
em mares pertencentes a outras nações. Ao contrário, aos países cuja tecnologia
é incipiente, a simples possibilidade de explorar seus recursos já representa um
grande desafio e, no caso brasileiro, soma-se a essa preocupação, outra
relacionada ao policiamento e defesa da sua extensa costa, dependentes de
efetivos que a guarneçam, além de outras soluções apontadas como a
145
monitoração por satélites ou o efetivo aéreo. Esse abismo é que definiu a
diferença entre o Estado capaz de explorar os recursos marítimos além de sua
fronteira e aquele que tenciona somente promover o inventário sobre os mares
adjacentes a sua costa, capaz de garantir seus direitos frente à Convenção. O
Brasil tem auxiliado, munido do conhecimento posto em prática com o seu próprio
LEPLAC (Levantamento da Plataforma Continental), o arrolamento de países
como a Namíbia, Angola e Moçambique, países notadamente defasados em seu
desenvolvimento científico e tecnológico.
Assim, as leis são universais, comuns a todos, mas o domínio tecnológico,
não. Os recursos destinados pelos governos ao ensino e pesquisa não são os
mesmos nos diversos países do mundo. E este parece ser na atualidade o
primeiro obstáculo à constituição de uma ordem oceânica mundial, ou que
contemple todos os países. O mar terá nos dias de hoje seu valor estratégico
regulado pelo ritmo desigual de exploração e pelas diferenças entre as nações,
apesar dos esforços das Convenções de que tal fato não se concretize. Por outro
lado, os países periféricos têm no Direito Marítimo Internacional, meios de garantir
o controle efetivo de seus espaços marinhos, considerando-se a legislação strictu
sensu. Na intodução dessa pesquisa, vimos a intenção exposta na CNUDM
(Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar), de que os países
periféricos tivessem mais representatividade, através da solicitação de controle
desses espaços para fins políticos, econômicos e de navegação, atrelando essas
reivindicações ao estatuto jurídico definido na Convenção.
No entanto, foi possível comprovar o problema, igualmente exposto na
introdução desse trabalho, representado pelos vários dispositivos criados a fim de
manobrar algumas situações através da análise da negociação das questões
propostas na Convenção. Exemplificamos artifícios como a negociação das
soluções em “blocos”, ou seja, o agrupamento na apresentação de temas ao invés
de itens isolados, o que obrigou a resolução de situações polêmicas, em que os
interesses dos países subdesenvolvidos conflitavam com os dos países centrais.
Outra manobra, porém desvantajosa para os países periféricos, diz respeito à
adoção do consenso em detrimento do voto democrático nas resoluções. Tornou-
146
se perceptível, pela leitura do capítulo “O “Domínio do Mar”: Conflitos e Distensões
no Estabelecimento dos Limites Marítimos”, a condução dos então denominados
países do Terceiro Mundo, que se utilizaram da estratégia de prolongar ao
máximo o tempo da resolução dos temas, a fim de atrair os países ainda indecisos
para a causa referente ao prolongamento do Mar Territorial. Outra evidência de
artifícios é a utilização - e supressão – de termos jurídicos na elaboração dos
artigos, fato que permite o surgimento de dúbias interpretações: a lei nº 8.617/93,
que dispõe sobre a ZEE (Zona Econômica Exclusiva), cita a expressão
“consentimento prévio” à investigação científica marinha por outros Estados,
quando deveria citar “consentimento prévio e por escrito” do governo brasileiro.
Em relação à realização de manobras e exercícios militares por outros Estados, a
mesma lei define que poderá ocorrer com o consentimento do governo brasileiro,
eliminando os termos “prévio” e “expresso”. Por fim, porém não menos importante,
a própria criação da Zona Econômica Exclusiva é apontada por vários autores
como uma solução engenhosa para a diminuição do Mar Territorial, ou seja, uma
espécie de compensação à decisão de revogar o limite das duzentas milhas onde
a soberania era total. Esses exemplos corroboram a nossa conjetura de utilização
de meandros para a consecução dos pontos mais polêmicos abordados pelas
Convenções sobre o Direito Marítimo e nos alertam para a provável repetição do
fato nas próximas negociações.
Mas também foi possível perceber o quão difícil é a imposição das
soberanias dos “mais fracos”, quando incapazes de cumprir as exigências
impostas nos acordos internacionais. Ao mesmo tempo em que pudemos entender
como ponto positivo da Convenção a possibilidade dos países periféricos
desenvolverem estudos sobre os recursos minerais contidos em seu sub-solo
marinho, os vemos de “mãos atadas”, desprovidos de conhecimento tecnológico
para a execução adequada desta tarefa. Neste exato momento, em que o Brasil
termina de apresentar a proposta de ampliação de sua plataforma continental,
após uma longa trajetória de investigação científica, caracterizada pela criação de
instituições e do envolvimento de diversos setores da sociedade, já sofre oposição
dos Estados Unidos da América, que questionam a precisão de seus dados sobre
147
a espessura de sedimentos em um ponto específico de nossa margem continental.
Apoiados em modernos e sensíveis aparelhos tornam-se capazes de pôr em
dúvida a caracterização feita por outros Estados e, conseqüentemente, por em
xeque as suas soberanias.
A explotação das riquezas contidas nas águas adjacentes à costa de um
Estado é indispensável à manutenção da sua hegemonia. Como vimos no capítulo
“O Domínio do Mar: Conflitos e Distensões no Estabelecimento dos Limites
Marítimos”, a própria CNDUM (Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do
Mar) estabelece que, em alguns casos como na plataforma econômica, por
exemplo, o aproveitamento dos recursos estará associado ao inventário de toda
área envolvida. No caso brasileiro, surgiram protestos sobre a incapacidade da
Marinha e de outros órgãos envolvidos no patrulhamento e na segurança da área
sob sua jurisdição, permitindo que outros Estados explorem inadvertidamente
nossas riquezas. Isso se deveu, mais uma vez, ao caráter da Convenção de
Montego Bay: se por um lado, apresenta o que muitos estudiosos consideram
“pontos positivos”, existem aqueles “dúbios” ou mesmo negativos. Vejamos:
dentre os positivos, podemos citar não só o mérito da complexa delimitação
marítima - o Mar Territorial em doze milhas marítimas, a zona contígua em vinte e
quatro milhas marítimas (na realidade, doze milhas), a ZEE com duzentas milhas
(na realidade, 188 milhas) e uma plataforma continental de duzentas milhas (que
pode se estender até as trezentas e cinqüenta milhas marítimas). Não poderíamos
esquecer das situações dos Estados Arquipelágicos, estreitos ou sem costa,
também contemplados. Dentre os pontos “dúbios”, a Convenção criou espaço
para questões polêmicas, como a que estabeleceu a cooperação internacional
entre os países, no tocante à transferência de tecnologia marinha e a
determinação da Área (fundo do mar internacional) como res communnis
(patrimônio comum da Humanidade). Nesse caso, foi possível classificá-lo como
“dúbio”, pois parece certa a polêmica em torno de um espaço que não pertence a
ninguém, mas é passível de ser explorado por “todos”. Teríamos espaço aberto às
potências marítimas à exploração de nódulos polimetálicos existentes nessa
porção do oceano: uma “nova” riqueza, para “velhos” exploradores.
148
A CNUDM permitiu que as tomadas de decisão pelo método “de consenso”,
ao invés do voto democrático, trouxessem à tona a hegemonia dos países
centrais, fragilizando a defesa dos interesses dos países periféricos, como vimos
anteriormente. Ao permitir, na ZEE, a cessão, pelo Estado costeiro de suas quotas
de exploração e explotação de riquezas, invadiu a sua soberania, sob o ponto de
vista econômico. Da mesma forma, ao permitir a ICM (investigação científica
marinha) por outros Estados na ZEE e na plataforma continental dos Estados
Costeiros, ainda que mediante o consentimento dos mesmos, tornou possível a
criação de um desequilíbrio. Pela simples análise do exposto concluímos que a
solução dos problemas relacionados ao Direito Marítimo ainda não ficou
assegurada pela Convenção vigente. E a situação tende a se agravar com o
estabelecimento dos novos limites.
Para o nosso país, algumas diretrizes puderam ser apontadas: além da
urgência óbvia em pesquisa, a criação de uma consciência marítima nacional, ou
seja, a divulgação de uma política social e econômica baseada na conscientização
nacional sobre a utilização dos recursos naturais. A exemplo do que aconteceu na
década de setenta no Brasil, quando se inicia uma mobilização em diferentes
setores da sociedade, através de uma “onda ufanista”, o governo tende a
reproduzir alguns aspectos. Os projetos mais atuais neste sentido agem em
parceria com Instituições de pesquisa e ensino, universidades, comunidades
locais de pescadores, dentre outros, a fim de atender as necessidades locais. O
surgimento de novos atores sociais à medida que novas áreas ricas em recursos
vão sendo reconhecidas, mostram uma realidade que será impossível de ignorar.
A questão econômica pressiona mais sensivelmente, embora Meira Mattos (1977)
tenha alertado para o engano da valorização econômica dos mares como maior
trunfo estratégico. Fundamentados nesse autor pudemos deduzir a importância de
entender nossos “estímulos marítimos” e conectá-los aos estímulos continentais.
A multidisciplinaridade do tema envolvendo a definição dos limites do mar,
componente valorizado por essa pesquisa, implicou em um número maior de
contribuições a fim de auxiliar a compreensão dos oceanos como fonte de
recursos vitais, deixando de ser somente área de jurisdição nacional. De fato,
149
decorre daí o cerne da conscientização da população brasileira, a fim de
humanizar esse espaço, ao qual se atribui a geração de empregos e de renda
nacional. Surgiu a necessidade de desenvolver pesquisas de caráter local e
regional, que já aparecem nas universidades, para a compreensão desse novo
quadro. Pareceu apropriada a associação do exercício e da garantia da soberania
nacional com a criação de políticas de aproveitamento de recursos, tendo como
produto final o benefício da sociedade brasileira. A questão que tem como
essência a consciência estratégica dos oceanos, como deflagradora de vocações
marítimas, é essencial para a efetivação de uma política nacional no mar e para a
consecução de uma visão de aproximação entre o valor contido nos oceanos e as
decisões tomadas pelo Estado. Os resultados dos projetos que foram
apresentados nessa pesquisa, assim como as análises sob a perspectiva do
Direito, da Economia, dos estrategistas ligados à Defesa nacional, do
Ambientalismo, da Biologia, da Geofísica, da Oceanografia e da Geografia fizeram
parte de um todo, constituído para dar molde às decisões relacionadas à política
marítima nacional.
Assim, na prática, os estudos investigativos produzidos no Brasil, estão
voltados, hoje, para o embasamento da proposta de solicitação de distensão da
Plataforma Econômica. A criação e divulgação da expressão “Amazônia Azul”,
pela Marinha do Brasil, traduz a grandeza do projeto, e alude a riqueza e a
imensidão da região. A incorporação de uma área somada de aproximadamente
quatro milhões e meio de quilômetros quadrados1 (a Zona Econômica Exclusiva e
a Plataforma) representa ônus e bônus, sem dúvida, pois a despeito da retomada
de valorização estratégica, como já citado, é necessária a criação de efetivos que
assegurem a defesa do patrimônio adquirido e forte investimento no setor
tecnológico de pesquisa marinha. A criação de sistemas operacionais de
monitoramento oceânico, in situ ou apoiados em tecnologia de sensoriamento
remoto é uma realidade em andamento no Brasil. São alguns deles: Programa
Global Ocean Observing; System - GOOS-Brasil, o Programa Nacional de Bóias
1
A área tem exatos 4 451 766 km2.
150
(PNBóia), além da participação de cientistas brasileiros no Programa Global Sea-
Level Observing System (GLOSS) e o Projeto PIRATA (Pilot Research Array over
the Tropical Atlantic) (MINISTÈRIO DA CIÊNCIA E DA TECNOLOGIA). A
execução desses projetos demanda evidentemente recursos financeiros elevados
e, dada a sua relevância, como assegurou o Ministro chefe do Gabinete de
Segurança Institucional, Jorge Armando Felix, em palestra proferida no “Encontro
de Estudos”, realizado em 2005 pelo Gabinete de Segurança Institucional, e que
consta nas referências desta pesquisa, faz-se urgente a existência de
patrulhamento, através de navios. Gera-se, assim a necessidade de estruturação
da Marinha brasileira. A criação do Poder Naval nacional está associada a uma
Esquadra “(...) com capacidade de mobilidade, flexibilidade, versatilidade e
permanência”. Tais ações contrastam com eventuais reduções no orçamento
nacional dedicado ao Ministério da Defesa (REVISTA ISTO É, 15/01/2005).
Além disso, para assegurar a eficiência das atividades já desenvolvidas,
como o transporte de cargas e a pesca, é mister a reformulação de algumas
políticas econômicas e da legislação interna que as regula. Assim como outros
caminhos envolvidos diretamente com o aproveitamento dos recursos, como a
integração dos ambientes costeiro e oceânico, e o pensamento, de fato, do
Oceano Atlântico como a principal via de comunicação exterior, essencial ao
desenvolvimento brasileiro. Nesse sentido a realização de manobras militares
controlada pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) no
Arquipélago de Cabo Verde, em junho de 2006, põe sob ameaça a posição
estratégica brasileira, uma vez que para Pesce (2006: 33), “(...) qualquer ameaça
militar clássica que possa surgir teria origem extracontinental”, e tendo em vista a
projeção do litoral do Brasil em direção à África, cuja instabilidade política a
submete aos interesses das grandes potências e ameaça a defesa das rotas do
Atlântico Sul, assim como o próprio território brasileiro, acarretando conseqüências
evidentes sobre a constituição da “Amazônia Azul”.
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162
consensual ao feito. No entanto, como procuramos esclarecer, as diferenças entre
as nações, ao contrário do ambicionado pelas Convenções, não parecem diminuir
e sim adquirir novas faces, sobretudo no contexto da projeção de novos limites, tal
como agora, quando ocorre a possibilidade de expansão do limite relacionado à
plataforma econômica em todas as nações e à criação, no Brasil, da Amazônia
Azul.
Para entender as atribulações geradas em torno da instituição e do
exercício das delimitações jurídicas foi preciso considerar a especificidade do meio
marinho, a cujas características intrínsecas estão diretamente relacionadas. Tal
fator, mais concreto por ser físico, está associado ao fato do mar ser um sistema
único, subdividido em vários subsistemas, e, como assinalamos, ter suas linhas e
marcos físicos sem visibilidade aparente. Isso tornou difícil a tarefa de encontrar
uma legislação aplicada à utilização dos recursos que respeite estes subsistemas,
ou seja, que fique restrita a um espaço marinho local ou regional e que, ao mesmo
tempo atenda às necessidades do Estados costeiros envolvidos. Justifica-se,
assim, o tempo de elaboração da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito
do Mar (CNUDM), vigente atualmente: em torno de dez anos – período entre 1973
a 1982. Dessa maneira, itens tão diversos, cuja pretensão de abarcar temas
controversos, como por exemplo - a gestão integrada dos ambientes costeiro e
oceânico, o fomento de projetos e atividades capazes de assegurar a
disponibilidade dos recursos, ou ainda, a atualização da legislação dos Estados -
inevitavelmente produziram polêmica e provocaram a impressão, nem sempre
falsa, de exercício inconciliável.
Tornou-se evidente que ao país cuja tecnologia dedicada às ciências
marinhas é desenvolvida interessa não apenas a defesa e a exploração dos seus
próprios recursos, mas também a possibilidade de explorar os recursos contidos
em mares pertencentes a outras nações. Ao contrário, aos países cuja tecnologia
é incipiente, a simples possibilidade de explorar seus recursos já representa um
grande desafio e, no caso brasileiro, soma-se a essa preocupação, outra
relacionada ao policiamento e defesa da sua extensa costa, dependentes de
efetivos que a guarneçam, além de outras soluções apontadas como a
145
monitoração por satélites ou o efetivo aéreo. Esse abismo é que definiu a
diferença entre o Estado capaz de explorar os recursos marítimos além de sua
fronteira e aquele que tenciona somente promover o inventário sobre os mares
adjacentes a sua costa, capaz de garantir seus direitos frente à Convenção. O
Brasil tem auxiliado, munido do conhecimento posto em prática com o seu próprio
LEPLAC (Levantamento da Plataforma Continental), o arrolamento de países
como a Namíbia, Angola e Moçambique, países notadamente defasados em seu
desenvolvimento científico e tecnológico.
Assim, as leis são universais, comuns a todos, mas o domínio tecnológico,
não. Os recursos destinados pelos governos ao ensino e pesquisa não são os
mesmos nos diversos países do mundo. E este parece ser na atualidade o
primeiro obstáculo à constituição de uma ordem oceânica mundial, ou que
contemple todos os países. O mar terá nos dias de hoje seu valor estratégico
regulado pelo ritmo desigual de exploração e pelas diferenças entre as nações,
apesar dos esforços das Convenções de que tal fato não se concretize. Por outro
lado, os países periféricos têm no Direito Marítimo Internacional, meios de garantir
o controle efetivo de seus espaços marinhos, considerando-se a legislação strictu
sensu. Na intodução dessa pesquisa, vimos a intenção exposta na CNUDM
(Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar), de que os países
periféricos tivessem mais representatividade, através da solicitação de controle
desses espaços para fins políticos, econômicos e de navegação, atrelando essas
reivindicações ao estatuto jurídico definido na Convenção.
No entanto, foi possível comprovar o problema, igualmente exposto na
introdução desse trabalho, representado pelos vários dispositivos criados a fim de
manobrar algumas situações através da análise da negociação das questões
propostas na Convenção. Exemplificamos artifícios como a negociação das
soluções em “blocos”, ou seja, o agrupamento na apresentação de temas ao invés
de itens isolados, o que obrigou a resolução de situações polêmicas, em que os
interesses dos países subdesenvolvidos conflitavam com os dos países centrais.
Outra manobra, porém desvantajosa para os países periféricos, diz respeito à
adoção do consenso em detrimento do voto democrático nas resoluções. Tornou-
146
se perceptível, pela leitura do capítulo “O “Domínio do Mar”: Conflitos e Distensões
no Estabelecimento dos Limites Marítimos”, a condução dos então denominados
países do Terceiro Mundo, que se utilizaram da estratégia de prolongar ao
máximo o tempo da resolução dos temas, a fim de atrair os países ainda indecisos
para a causa referente ao prolongamento do Mar Territorial. Outra evidência de
artifícios é a utilização - e supressão – de termos jurídicos na elaboração dos
artigos, fato que permite o surgimento de dúbias interpretações: a lei nº 8.617/93,
que dispõe sobre a ZEE (Zona Econômica Exclusiva), cita a expressão
“consentimento prévio” à investigação científica marinha por outros Estados,
quando deveria citar “consentimento prévio e por escrito” do governo brasileiro.
Em relação à realização de manobras e exercícios militares por outros Estados, a
mesma lei define que poderá ocorrer com o consentimento do governo brasileiro,
eliminando os termos “prévio” e “expresso”. Por fim, porém não menos importante,
a própria criação da Zona Econômica Exclusiva é apontada por vários autores
como uma solução engenhosa para a diminuição do Mar Territorial, ou seja, uma
espécie de compensação à decisão de revogar o limite das duzentas milhas onde
a soberania era total. Esses exemplos corroboram a nossa conjetura de utilização
de meandros para a consecução dos pontos mais polêmicos abordados pelas
Convenções sobre o Direito Marítimo e nos alertam para a provável repetição do
fato nas próximas negociações.
Mas também foi possível perceber o quão difícil é a imposição das
soberanias dos “mais fracos”, quando incapazes de cumprir as exigências
impostas nos acordos internacionais. Ao mesmo tempo em que pudemos entender
como ponto positivo da Convenção a possibilidade dos países periféricos
desenvolverem estudos sobre os recursos minerais contidos em seu sub-solo
marinho, os vemos de “mãos atadas”, desprovidos de conhecimento tecnológico
para a execução adequada desta tarefa. Neste exato momento, em que o Brasil
termina de apresentar a proposta de ampliação de sua plataforma continental,
após uma longa trajetória de investigação científica, caracterizada pela criação de
instituições e do envolvimento de diversos setores da sociedade, já sofre oposição
dos Estados Unidos da América, que questionam a precisão de seus dados sobre
147
a espessura de sedimentos em um ponto específico de nossa margem continental.
Apoiados em modernos e sensíveis aparelhos tornam-se capazes de pôr em
dúvida a caracterização feita por outros Estados e, conseqüentemente, por em
xeque as suas soberanias.
A explotação das riquezas contidas nas águas adjacentes à costa de um
Estado é indispensável à manutenção da sua hegemonia. Como vimos no capítulo
“O Domínio do Mar: Conflitos e Distensões no Estabelecimento dos Limites
Marítimos”, a própria CNDUM (Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do
Mar) estabelece que, em alguns casos como na plataforma econômica, por
exemplo, o aproveitamento dos recursos estará associado ao inventário de toda
área envolvida. No caso brasileiro, surgiram protestos sobre a incapacidade da
Marinha e de outros órgãos envolvidos no patrulhamento e na segurança da área
sob sua jurisdição, permitindo que outros Estados explorem inadvertidamente
nossas riquezas. Isso se deveu, mais uma vez, ao caráter da Convenção de
Montego Bay: se por um lado, apresenta o que muitos estudiosos consideram
“pontos positivos”, existem aqueles “dúbios” ou mesmo negativos. Vejamos:
dentre os positivos, podemos citar não só o mérito da complexa delimitação
marítima - o Mar Territorial em doze milhas marítimas, a zona contígua em vinte e
quatro milhas marítimas (na realidade, doze milhas), a ZEE com duzentas milhas
(na realidade, 188 milhas) e uma plataforma continental de duzentas milhas (que
pode se estender até as trezentas e cinqüenta milhas marítimas). Não poderíamos
esquecer das situações dos Estados Arquipelágicos, estreitos ou sem costa,
também contemplados. Dentre os pontos “dúbios”, a Convenção criou espaço
para questões polêmicas, como a que estabeleceu a cooperação internacional
entre os países, no tocante à transferência de tecnologia marinha e a
determinação da Área (fundo do mar internacional) como res communnis
(patrimônio comum da Humanidade). Nesse caso, foi possível classificá-lo como
“dúbio”, pois parece certa a polêmica em torno de um espaço que não pertence a
ninguém, mas é passível de ser explorado por “todos”. Teríamos espaço aberto às
potências marítimas à exploração de nódulos polimetálicos existentes nessa
porção do oceano: uma “nova” riqueza, para “velhos” exploradores.
148
A CNUDM permitiu que as tomadas de decisão pelo método “de consenso”,
ao invés do voto democrático, trouxessem à tona a hegemonia dos países
centrais, fragilizando a defesa dos interesses dos países periféricos, como vimos
anteriormente. Ao permitir, na ZEE, a cessão, pelo Estado costeiro de suas quotas
de exploração e explotação de riquezas, invadiu a sua soberania, sob o ponto de
vista econômico. Da mesma forma, ao permitir a ICM (investigação científica
marinha) por outros Estados na ZEE e na plataforma continental dos Estados
Costeiros, ainda que mediante o consentimento dos mesmos, tornou possível a
criação de um desequilíbrio. Pela simples análise do exposto concluímos que a
solução dos problemas relacionados ao Direito Marítimo ainda não ficou
assegurada pela Convenção vigente. E a situação tende a se agravar com o
estabelecimento dos novos limites.
Para o nosso país, algumas diretrizes puderam ser apontadas: além da
urgência óbvia em pesquisa, a criação de uma consciência marítima nacional, ou
seja, a divulgação de uma política social e econômica baseada na conscientização
nacional sobre a utilização dos recursos naturais. A exemplo do que aconteceu na
década de setenta no Brasil, quando se inicia uma mobilização em diferentes
setores da sociedade, através de uma “onda ufanista”, o governo tende a
reproduzir alguns aspectos. Os projetos mais atuais neste sentido agem em
parceria com Instituições de pesquisa e ensino, universidades, comunidades
locais de pescadores, dentre outros, a fim de atender as necessidades locais. O
surgimento de novos atores sociais à medida que novas áreas ricas em recursos
vão sendo reconhecidas, mostram uma realidade que será impossível de ignorar.
A questão econômica pressiona mais sensivelmente, embora Meira Mattos (1977)
tenha alertado para o engano da valorização econômica dos mares como maior
trunfo estratégico. Fundamentados nesse autor pudemos deduzir a importância de
entender nossos “estímulos marítimos” e conectá-los aos estímulos continentais.
A multidisciplinaridade do tema envolvendo a definição dos limites do mar,
componente valorizado por essa pesquisa, implicou em um número maior de
contribuições a fim de auxiliar a compreensão dos oceanos como fonte de
recursos vitais, deixando de ser somente área de jurisdição nacional. De fato,
149
decorre daí o cerne da conscientização da população brasileira, a fim de
humanizar esse espaço, ao qual se atribui a geração de empregos e de renda
nacional. Surgiu a necessidade de desenvolver pesquisas de caráter local e
regional, que já aparecem nas universidades, para a compreensão desse novo
quadro. Pareceu apropriada a associação do exercício e da garantia da soberania
nacional com a criação de políticas de aproveitamento de recursos, tendo como
produto final o benefício da sociedade brasileira. A questão que tem como
essência a consciência estratégica dos oceanos, como deflagradora de vocações
marítimas, é essencial para a efetivação de uma política nacional no mar e para a
consecução de uma visão de aproximação entre o valor contido nos oceanos e as
decisões tomadas pelo Estado. Os resultados dos projetos que foram
apresentados nessa pesquisa, assim como as análises sob a perspectiva do
Direito, da Economia, dos estrategistas ligados à Defesa nacional, do
Ambientalismo, da Biologia, da Geofísica, da Oceanografia e da Geografia fizeram
parte de um todo, constituído para dar molde às decisões relacionadas à política
marítima nacional.
Assim, na prática, os estudos investigativos produzidos no Brasil, estão
voltados, hoje, para o embasamento da proposta de solicitação de distensão da
Plataforma Econômica. A criação e divulgação da expressão “Amazônia Azul”,
pela Marinha do Brasil, traduz a grandeza do projeto, e alude a riqueza e a
imensidão da região. A incorporação de uma área somada de aproximadamente
quatro milhões e meio de quilômetros quadrados1 (a Zona Econômica Exclusiva e
a Plataforma) representa ônus e bônus, sem dúvida, pois a despeito da retomada
de valorização estratégica, como já citado, é necessária a criação de efetivos que
assegurem a defesa do patrimônio adquirido e forte investimento no setor
tecnológico de pesquisa marinha. A criação de sistemas operacionais de
monitoramento oceânico, in situ ou apoiados em tecnologia de sensoriamento
remoto é uma realidade em andamento no Brasil. São alguns deles: Programa
Global Ocean Observing; System - GOOS-Brasil, o Programa Nacional de Bóias
1
A área tem exatos 4 451 766 km2.
150
(PNBóia), além da participação de cientistas brasileiros no Programa Global Sea-
Level Observing System (GLOSS) e o Projeto PIRATA (Pilot Research Array over
the Tropical Atlantic) (MINISTÈRIO DA CIÊNCIA E DA TECNOLOGIA). A
execução desses projetos demanda evidentemente recursos financeiros elevados
e, dada a sua relevância, como assegurou o Ministro chefe do Gabinete de
Segurança Institucional, Jorge Armando Felix, em palestra proferida no “Encontro
de Estudos”, realizado em 2005 pelo Gabinete de Segurança Institucional, e que
consta nas referências desta pesquisa, faz-se urgente a existência de
patrulhamento, através de navios. Gera-se, assim a necessidade de estruturação
da Marinha brasileira. A criação do Poder Naval nacional está associada a uma
Esquadra “(...) com capacidade de mobilidade, flexibilidade, versatilidade e
permanência”. Tais ações contrastam com eventuais reduções no orçamento
nacional dedicado ao Ministério da Defesa (REVISTA ISTO É, 15/01/2005).
Além disso, para assegurar a eficiência das atividades já desenvolvidas,
como o transporte de cargas e a pesca, é mister a reformulação de algumas
políticas econômicas e da legislação interna que as regula. Assim como outros
caminhos envolvidos diretamente com o aproveitamento dos recursos, como a
integração dos ambientes costeiro e oceânico, e o pensamento, de fato, do
Oceano Atlântico como a principal via de comunicação exterior, essencial ao
desenvolvimento brasileiro. Nesse sentido a realização de manobras militares
controlada pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) no
Arquipélago de Cabo Verde, em junho de 2006, põe sob ameaça a posição
estratégica brasileira, uma vez que para Pesce (2006: 33), “(...) qualquer ameaça
militar clássica que possa surgir teria origem extracontinental”, e tendo em vista a
projeção do litoral do Brasil em direção à África, cuja instabilidade política a
submete aos interesses das grandes potências e ameaça a defesa das rotas do
Atlântico Sul, assim como o próprio território brasileiro, acarretando conseqüências
evidentes sobre a constituição da “Amazônia Azul”.
151
4.1- Os Programas Investigativos
A Declaração Brasileira no Ato de Assinatura da Convenção, subscrita pelo
Governo brasileiro em 1982, contém os compromissos assumidos pelo Brasil, tais
como a elaboração de cartas marítimas e listas de coordenadas geográficas com
a indicação das linhas de base do Mar Territorial e demarcação dos espaços
marítimos brasileiros; a adoção de medidas necessárias à melhor gestão dos
recursos vivos (REVIZEE) e de recursos minerais (o programa REMPLAC) e a
conclusão de trabalhos de levantamento, com vistas ao estabelecimento efetivo do
limite exterior da plataforma continental (programa LEPLAC). Para cumprir tais
tarefas, o Brasil tem a necessidade de promover investigação cientifica marinha
(ICM) nos espaços. Sobre esse fato, todos os Estados independentemente da sua
situação geográfica, e as organizações internacionais competentes têm o direito
de realizar ICM que, segundo a CNUDM (artigo 240), deve ter exclusivamente fins
pacíficos. O estímulo à pesquisa com fins de conhecer, inventariar, avaliar o
potencial, o aproveitamento sustentável, a gestão e ordenamento do uso dos
recursos vivos e não-vivos existentes nas áreas marítimas sob jurisdição e de
interesse nacional, no Brasil, é uma estratégia implementada pela Política
Nacional para os Recursos do Mar (PNRM), em decreto aprovado em fevereiro de
20051 (em anexo). De maneira geral, os Estados costeiros têm no seu Mar
Territorial o direito exclusivo de regulamentar, autorizar e realizar ICM, que, por
sua vez, depende de autorização expressa desse mesmo Estado e nas condições
por ele estabelecidas. No entanto, o direito de regulamentação na ZEE e na
plataforma continental2 estará de conformidade com as disposições pertinentes da
1
As diretrizes gerais para a Política Nacional para os Recursos do Mar (PNRM) foram baixadas
pelo Presidente da República em 1980. Desde então, com a entrada em vigor da Convenção das
Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), em novembro de 1994, uma atualização das
suas diretrizes foi realizada
2
Para Mattos (1996: 137), um dos aspectos negativos da Convenção de Montego Bay diz respeito
a esse item, em particular. A admissão da investigação marinha por outros Estados e
Organizações na ZEE e na plataforma continental dos Estados Costeiros, pode, na prática, gerar
“desequilíbrio político estratégico”. Sobre esse tópico voltaremos a tratar nas “considerações finais”
dessa pesquisa.
113
CNDUM, contando também, a exemplo do Mar Territorial, com o consentimento do
Estado costeiro. Nessas condições, ao Estado solicitante caberá fornecer ao
Estado costeiro uma descrição completa da natureza e dos objetivos da pesquisa
a ser iniciada, e esse, por sua vez, deverá fornecer uma resposta num prazo
máximo de seis meses. É possível, em contrapartida, que as pesquisas
autorizadas sejam suspensas a pedido do Estado costeiro na ZEE ou na
plataforma continental, caso as condições iniciais não estejam vigorando e, como
já citado, nesse sentido, as embarcações estrangeiras de pesquisa costumam
contar com especialistas do próprio Estado costeiro, objetivando a fiscalização das
normas estabelecidas (VIDIGAL, 2005: 27).
Sobre a questão da transferência de tecnologia, os Estados, devem
cooperar na promoção do desenvolvimento e a transferência da ciência e da
tecnologia marinhas3. Segundo Goffredo, (2005: 41), a questão da transferência
de tecnologia foi exigência do Brasil na III Conferência da ONU e, por esse motivo,
essa parte seria denominada de Cláusula Brasil, sendo bastante contestada pelos
países desenvolvidos, relutantes em transferir sua tecnologia.
Os Estados, directamente ou por intermédio das organizações
internacionais componentes, devem cooperar, na medida das suas
capacidades, para promover activamente o desenvolvimento e a
transferência da ciência e da tecnologia marinhas segundo
modalidades e condições eqüitativas e razoáveis.
Os Estados devem promover o desenvolvimento da capacidade
científica e tecnológica marinha dos Estados que necessitem e
solicitem assistência técnica neste domínio, particularmente os
Estados em desenvolvimento, incluindo os Estados sem litoral e
aqueles em situação geográfica desfavorecida, no que se refere à
exploração, aproveitamento, conservação e gestão dos recursos
marinhos, à protecção e preservação do meio marinho, à
investigação científica marinha e outras actividades no meio
marinho compatíveis com a presente Convenção, tendo em vista
acelerar o desenvolvimento econômico e social dos Estados em
desenvolvimento. (CNDUM, Parte XIV, secção 1, artigo 266).
3
Um exemplo de cooperação regional pode ser dado pela Cooperação Atlântico Sul Ocidental
Superior (Asos), responsável pela coordenação das atividades de pesquisas oceanográficas
brasileiras, uruguaias e argentinas, em todos os ramos da pesquisa oceânica. Além disso, o Brasil
mantém acordos bilaterais que visam ao intercâmbio de cientistas para desenvolvimento de
projetos conjuntos, com países como a Alemanha, a Argentina, a Índia e a França.
114
O histórico da pesquisa oceanográfica no Brasil demonstra que a criação da
CIRM4, fato comentado no capítulo anterior, foi fundamental na evolução das
pesquisas na área de ICM. Da mesma maneira, o foi também para a elaboração
das pesquisas sobre os recursos da Zona Econômica Exclusiva, com a execução
e sistematização de levantamentos sobre recursos vivos (REVIZEE).
Posteriormente, a partir de 1990, as atribuições de pesquisa passaram à CNPq e
a implementação do REVIZEE passou para o Ministério do Meio Ambiente (CNIO,
1998). A CIRM passou também a gerenciar o Programa Antártico Brasileiro
(PROANTAR), cujas diretrizes são fornecidas pela Política Nacional para Assuntos
Antárticos (POLANTAR), e que objetiva a realização de pesquisas científicas no
continente antártico5 (VIDIGAL, 2005). Além disso, há o PROMAR – Programa de
Mentalidade Marítima, cuja realização tem como objetivo a criação de ações
planejadas ações planejadas, como por exemplo, o acesso às instituições de
ensino, palestras em universidades, instituições de pesquisa, dentre outros, a fim
de estimular a consciência sobre os valores marítimos na população brasileira.
Podemos citar a recente divulgação do livro “Amazônia Azul”, sobre o tema, nas
escolas de ensino fundamental, como uma das atividades relacionadas ao
programa.
4
A CIRM, coordenada pelo Ministério da Marinha, inclui representantes de doze ministérios:
Defesa, Meio Ambiente, Educação, Transportes, Relações Exteriores, Ciência e Tecnologia,
Indústria e Comércio, Interior, Minas e Energia, Planejamento, Orçamento e Gestão, Turismo, e
Agricultura, Pecuária e Turismo, e também, a Casa Civil da Presidência da República e a
Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca. No âmbito da CIRM, foram editadas as normas do
PNGC, estabelecido o Grupo de Integração do Gerenciamento Costeiro – GI-GERCO, e planejada
uma revisão periódica do PNGC por um grupo legalmente estabelecido, denominado COGERCO.
A CIRM é, de fato, o facilitador do processo de gerenciamento da zona costeira no Brasil, tendo
proporcionado, desenvolvido e patrocinado inúmeros programas, normas e políticas costeiras e
oceânicas. A coordenação das ações federais é conduzida pelo GI-GERCO, com o apoio legal da
Câmara Técnica Permanente para o Gerenciamento Costeiro (no CONAMA), tendo a CIRM como
facilitador.
5
As operações antárticas realizadas pelo Brasil, ocorreram a partir de uma estratégia de
desenvolvimento científico. Exceto pelas dificuldades iniciais criadas pela Argentina, a presença
brasileira na Antártida fez valer uma tendência pró-internacionalização do continente, sem
manifestar pelo menos explicitamente, interesses de soberania. No entanto, o Brasil demonstrou a
possibilidade de mudar suas posições diplomáticas caso seja necessário, em função da posição
estratégica da Antártida na costa do Atlântico. (PENHA, 1998).
115
A PNRM engloba hoje o Plano Setorial para os Recursos do Mar (PSRM) e
o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (PNGC). O PNRM se desdobra em
outros programas, além do REVIZEE, como o Programa Train-Sea-Coast,
destinado a capacitar recursos humanos que atuam nas áreas costeiras e
oceânicas; o Programa Mentalidade Marítima, cujo principal objetivo é estimular o
desenvolvimento de uma mentalidade marítima na população brasileira; o
Programa Arquipélago6, coordenando pesquisas científicas na região do
arquipélago de São Pedro e São Paulo e o Programa GOOS, desenvolvendo um
sistema global de observação dos oceanos. No que diz respeito ao Programa
Arquipélago, a existência de sulfetos polimetálicos na área próxima à Cordilheira
Meso-Oceânica, onde ocorrem atividades termais, justifica o interesse de
detenção do direito de exploração do fundo marino dessa área, inserida na Zona
Econômica Exclusiva.
Em relação ao Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, a finalidade é
estabelecer normas gerais visando à gestão ambiental da zona costeira.
Finalmente, em decorrência da PNRM, a CIRM também coordena o Plano de
Levantamento da Plataforma Continental Brasileira (LEPLAC).
4.1.1 - O Programa REVIZEE (Avaliação do Potencial dos Recursos Vivos na
ZEE)
Este programa tem como proposta o levantamento dos potenciais
sustentáveis de captura dos recursos vivos na ZEE (Zona Econômica Exclusiva),
visando assegurar medidas apropriadas de conservação e gerenciamento para
evitar ameaças de extinção das espécies com possíveis capturas em excesso. Ou
seja, inventaria os recursos e as características ambientais de suas ocorrências,
determinando suas biomassas e estabelecendo potenciais de captura. Uma vez
6
Programa da CIRM cujo objetivo estratégico é criar condições para que o Arquipélago (Penedos)
de São Pedro e São Paulo gere uma ZEE de 200 milhas de largura, de acordo com a Convenção
das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (Glossário de termos técnicos e siglas de programas,
projetos e instituições - nacionais e internacionais - referentes ao programa REVIZEE).
116
que o Programa se destina a determinar a capacidade de pesca nacional, sua
existência é de suma importância para que se possa dimensionar a frota
pesqueira, de forma a não ceder a outras nações o direito de pesca na ZEE
(CNIO, 1998). O REVIZEE é uma conseqüência do IV Plano Setorial para os
Recursos do Mar7, da CIRM, com base na ratificação, pelo Brasil, da Convenção
da ONU/82 e da Lei nº 8617/93, como visto anteriormente (Mattos, 1996). Nos
estudos estão incluídas as variações das condições ambientais que provocam
oscilações espaciais e sazonais na distribuição das espécies e, por isso, o
programa anuncia, como estratégia básica, o envolvimento da comunidade
científica, especializada em pesquisa oceanográfica e pesqueira, e o
aproveitamento da capacidade das Universidades e Instituições de pesquisa
voltada para o mar. Esse fato confere um caráter amplo e complexo ao Programa,
a ponto de subdividi-lo em quatro grandes regiões, conforme as características
oceanográficas e biológicas: I - Costa Norte – onde há pesca de camarão
abrangendo da foz do rio Oiapoque à foz do rio Parnaíba; II - Costa Nordeste – da
foz do rio Parnaíba a Salvador (BA), incluindo Fernando de Noronha, Atol das
Rocas e o arquipélago de São Pedro e São Paulo; nessa área, há recursos
pesqueiros não volumosos, embora de qualidade, por causa da pouca largura da
plataforma continental; III - Costa Central – de Salvador ao Cabo de São Tomé,
incluindo as ilhas de Trindade e Martins Vaz. Nessa porção são pescados lagostas
e camarões; IV - Costa Sul – do Cabo de São Tomé ao Chuí; nesta região há
extrema abundância de peixes (atuns, sardinhas, camarões, anchova, etc).
O setor pesqueiro conta com os parques industriais instalados no Rio de
Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Em cada uma dessas
regiões, a responsabilidade de coordenação e execução é das Universidades e
Instituições de pesquisas marinhas locais, além da participação do Setor
7
O IV Plano (1994 - 98) trata das atividades de pesquisa e prospecção dos recursos marítimos do
país, complementando Planos anteriores (I, II, III), com base na ratificação, pelo Brasil, da
Convenção da ONU/82. O Ministério da Ciência e da Tecnologia, divulgou em 15/09/2005, a
resolução CIRM nº 5, onde considera as ações a serem empreendidas, previstas no VI Plano
Setorial Para Os Recursos Do Mar (VI PSRM). Nela, aprova a criação do Comitê Executivo para o
Levantamento e Avaliação do Potencial Biotecnológico da Biodiversidade Marinha (BIOMAR).
117
pesqueiro regional. Este setor deverá beneficiar-se com um aproveitamento
industrial, além da formação de uma frota pesqueira oceânica, destinada ao
aproveitamento dos recursos da ZEE, como parte de um dos objetivos do
Programa.
4.1.2 O Projeto LEPLAC
Este projeto, instituído no Brasil também como conseqüência da III
Conferência, é um auxílio à tarefa assumida pelo Brasil de delimitar os limites
exteriores da sua plataforma continental (jurídica) externa. A Comissão de Limites
da Plataforma Continental, da ONU, concedeu um prazo de até dez anos,
contados a partir da data de entrada em vigor, para delimitar a plataforma. O
objetivo é fixar os limites exteriores da plataforma para além das trezentas e
cinqüenta milhas marítimas, além portanto, das 200 milhas da ZEE,
proporcionando à tarefa uma grande importância político-estratégica para o Brasil
(MATTOS, 1996).
Uma série de levantamentos, sob coordenação da CIRM foi iniciada a partir
de 1987. Os dados coletados (cerca de 230 000km de perfis geofísicos) ao longo
da toda a extensão da margem continental brasileira são os que poderão levar a
jurisdição além das duzentas milhas, o que significa, como já visto, a expansão do
direito exclusivo de exploração por parte do Brasil. A PETROBRÁS participa do
projeto visto que esses levantamentos podem indicar as áreas potencialmente
produtoras de petróleo. Com a conclusão do LEPLAC, a Proposta Brasileira de
Limites da Plataforma Continental foi protocolada, no dia 17 de maio de 2004, na
Comissão de Limites da Plataforma Continental (CLPC) na sede das Nações
Unidas, em Nova Iorque, de acordo com o artigo 76 e com o Anexo II, artigo 4, da
CNDUM. Nesta Proposta, o Brasil incorpora 911 847 km2 ao seu território,
totalizando 4 451 766 km2 de Plataforma Continental Jurídica Brasileira, uma área
equivalente a 52% de sua extensão terrestre, considerada a “Amazônia Azul”,
como já referido. Segundo Vidigal (2005), em setembro desse mesmo ano, uma
118
comissão formada por sete peritos de nacionalidades diferentes (argentino,
australiano, chinês, croata, nigeriano, coreano e mexicano) passou a analisar a
proposta. Uma nova fase iniciou-se em abril de 2005 e espera-se um resultado em
breve, com as recomendações da CLPC, que, por sua vez, caso seja aceitas pelo
Governo, permitirão o estabelecimento oficial dos limites exteriores da plataforma
continental. Esse autor ainda afirma, ser possível que o pleito abrangente,
realizado pelo Brasil, não seja aceito plenamente, mas tomando por base a
proposta consistente encaminhada à Comissão, assegura como certo o país
incorporar a sua jurisdição uma extensa área oceânica além das duzentas milhas,
a qual, somada à área de zona econômica exclusiva, lhe permitirá exercer
jurisdição em relação aos recursos naturais de imensa área marítima. (Ver figura
4.1)
119
Figura 4.1- Novos Limites Marítimos para o
Brasil
Fonte: www.mar.mil.br
A realização do LEPLAC e a apresentação da proposta à Comissão, são
apontadas como acontecimentos que repercutiram no sentido de despertar a
consciência de outros Estados costeiros, para o estabelecimento dos limites
exteriores de suas respectivas plataformas continentais. Vidigal (2005: 30) atenta
120
para a necessidade de se considerar, no entanto, que nem todos os Estados
costeiros possuem plenas condições técnicas de realizar um levantamento, cuja
execução exige conhecimentos específicos, sobretudo na área das geociências.
Menciona que alguns deles solicitaram a ajuda do Brasil e que, nesse contexto, o
LEPLAC da Namíbia já vem sendo executado e que estão sendo feitos
entendimentos no sentido de “(...) cooperar com Moçambique e com Angola, no
estabelecimento dos limites exteriores de suas respectivas plataformas
continentais”.
Como vimos, além do LEPLAC, outro trabalho de suma importância
desenvolvido pela Marinha foi o Programa Arquipélago São Pedro e São Paulo
que estabeleceu uma estação científica permanente no Arquipélago8, onde são
realizados diversos trabalhos e pesquisas. O objetivo desse projeto é ratificar a
posse do território, em torno do qual foram delimitadas as linhas de doze milhas
de mar territorial, além das 188 milhas de ZEE, totalizado duzentas milhas, e que
acrescentaram ao território marítimo do Brasil uma área equivalente ao Estado da
Bahia. Tendo em vista os números apresentados acima, a Marinha propôs
denominar esta imensa área marítima de Amazônia Azul, com o objetivo de
mostrar à sociedade e aos formuladores de políticas que o Brasil tem no mar uma
imensa área, tão ou mais rica e vulnerável que a Amazônia Verde, que necessita
de projetos e projeções que a legitime e proteja.
4.1.3 O PROJETO REMPLAC
Criado em 3 de dezembro de 1997, o REMPLAC (Programa de Avaliação
da Potencialidade Mineral da Plataforma Continental), esse programa tem como
objetivos efetuar o levantamento básico, sistemático, geológico-geofísico da
plataforma continental; detalhar, em escala apropriada, sítios de interesse
8
O Arquipélago é formado por um grupo de pequenas ilhas rochosas, localizadas a cerca de 1100
km do litoral do Rio Grande do Norte, abrangendo uma área em torno de 17 000m2. A sua
indiscutível importância estratégica pode ser justificada pelo fato de estar localizado na rota de
peixes de comportamento migratório, com alto valor econômico, como, por exemplo, o Albacora
lage, espécie de atum (Gonçalves, 2002)
121
geoeconômico; e efetuar a análise e a avaliação dos depósitos minerais. Segundo
Vidigal (2005), ganhou, a partir de meados de 2005, um grande impulso com a
elevada prioridade a ele atribuída pela Secretaria de Geologia, Mineração e
Transformação Mineral do Ministério de Minas e Energia (MME) e pela Diretoria
de Geologia e Recursos Minerais do Serviço Geológico do Brasil (CPRM). Para
este autor, o REMPLAC deverá dar continuidade aos esforços desenvolvidos pelo
Programa de Reconhecimento Global da Margem Continental Brasileira – Remac9
- encerrado em 1978, pelas operações Geofísica do Mar (Geomar) desenvolvidas
pela Diretoria de Hidrografia e Navegação e pelas diversas iniciativas do
Programa de Geologia e Geofísica Marinha.
4.2 Os Recursos Econômicos de Interesse estratégico (Navegação, Petróleo
e Pesca)
Merecem um estudo por parte dos órgãos do Governo, por representarem
uma significativa parcela da economia nacional, os seguintes recursos marítimos:
petróleo, recursos minerais, pesca, aqüicultura, marinha mercante, os portos,
construção naval, ecossistemas costeiros, turismo marítimo, poluição marinha em
águas nacionais e desenvolvimento sustentável sob o ponto de vista econômico.
Algumas considerações serão descritas e apresentadas abaixo em relação a
pontos considerados mais relevantes.
4.2.1 O Petróleo
O petróleo é uma mistura natural de hidrocarbonetos, originária da matéria
orgânica depositada com sedimentos que preenchem as bacias sedimentares. À
medida que novas camadas são depositadas, os sedimentos mais antigos vão
9
O Projeto REMAC promoveu o mapeamento geológico de toda a margem continental brasileira,
coletando informações sobre a estrutura geológica rasa e profunda; a distribuição de sedimentos e
rochas da superfície; a topografia submarina: e a localização de áreas com potencial para
exploração petrolífera. Concluído em 1978, esse projeto ainda é a mais extensiva e integrada
pesquisa geológica marinha já realizada no Brasil (por e-mail CPRM).
122
ficando em profundidade cada vez maiores, onde a atuação da pressão e da
temperatura são preponderantes para converter a matéria orgânica em
hidrocarbonetos. Quanto maior a espessura sedimentar, maior a probabilidade da
formação de acúmulo de petróleo, o que ocorre em vários pontos da margem
continental brasileira, fazendo com que a dimensão e o volume dos campos de
petróleo aí encontrados sejam muito maiores que os dos campos encontrados nas
áreas continentais. Como assinalado no capítulo I, as margens continentais
correspondem à transição entre a crosta continental e a oceânica. Nestas regiões
podem ser encontrados espessos pacotes sedimentares, e como o petróleo é
gerado e acumulado nestas rochas, seu potencial petrolífero é bem grande.
As áreas sedimentares emersas no continente brasileiro correspondem a
bacias paleozóicas (mais antigas que 250 milhões de anos), cujos sedimentos
foram depositados em ambientes marinhos rasos ou continentais, e as bacias
sedimentares muito antigas (proterozóicas) com idades superiores a 650 milhões
de anos e de grande extensão No entanto é importante esclarecer que a
existência de acumulações de petróleo depende das características e do arranjo
de certos tipos de rochas sedimentares no subsolo. Basicamente, é preciso que
existam rochas geradoras, que contenham a matéria-prima que se transforma em
petróleo, e rochas-reservatório, ou seja, aquelas que possuem espaços vazios,
chamados poros, capazes de armazenar o petróleo. A ausência de qualquer um
destes elementos impossibilita a existência de uma acumulação petrolífera. Logo,
a existência de uma bacia sedimentar não garante, por si só, a presença de
jazidas de petróleo (MOURA, 1994).
4.2.1.1 A Exploração de Petróleo na Margem Continental Brasileira
A partir do final dos anos 60, a PETROBRÁS estendeu a exploração à
margem continental brasileira, descobrindo petróleo na continuação marinha da
bacia de Sergipe ea exploração na plataforma continental tornou-se
economicamente viável depois dos choques do petróleo de 1973 e 1979. Logo
123
após a perfuração de alguns poços exploratórios na plataforma, jazidas
petrolíferas foram encontradas nas bacias submarinas em especial na bacia de
Campos, situada na margem sudeste brasileira e da qual trataremos um pouco
mais adiante.
Entre 1993 e 2003 o aumento de consumo de petróleo no Brasil foi de
34,19% e o aumento da produção tem tido uma taxa média anual de 9,5%. Tais
dados, a princípio, tranqüilizam. No entanto, sabemos que o recurso não é
inesgotável. Em 2005, no Brasil, o Ministério de Minas e Energia (MME) trabalhou
com reserva-produção de dezoito anos, como meta para uma taxa de crescimento
de 4,5%, com reservas provadas10 de petróleo de 10,5 bilhões de barris (dado do
MME). Caso a taxa de crescimento ultrapasse o valor estimado, cai a reserva-
produção. Nesse sentido enfatiza-se a importância das pesquisas e a prospecção,
no sentido de ampliar o conhecimento do potencial petrolífero do território
brasileiro. Encontrar mais petróleo e gás (este último tem a vantagem de ser mais
econômico e mais ecológico, embora também esgotável, além de pode ajudar a
reduzir a demanda pelo petróleo) tem sido a incumbência da Agência Nacional do
Petróleo11 e da Petrobrás. A ANP exerce um papel regulador em relação aos
investimentos nas áreas relacionadas à indústria petrolífera (exploração,
produção, refino, transporte e comercialização) e a ampliação da prospecção tem
acontecido através de leilões de blocos oferecidos pela Agência12.
A tecnologia de perfuração em profundidade é a grande preocupação, uma
vez que do total dos blocos oceânicos explorados, 63% encontram-se em
profundidades superiores a mil metros. A PETROBRÁS é detentora dos recordes
10
Reserva provadas são reservas de petróleo e gás natural que, com base na análise de dados
geológicos e de engenharia, se estima recuperara comercialmente de reservatórios descobertos e
avaliados, com elevado grau de certeza, e cuja estimativa considere as condições econômicas
vigentes, os métodos operacionais usualmente viáveis e os regulamentos instituídos pelas
legislações petrolíferas e tributária brasileira. (VIDIGAL, 2005: 79)
11
Uma nova mudança no cenário da indústria do petróleo ocorreu com a lei 9.478, promulgada em
1997, que decretou a quebra do monopólio da PETROBRÁS referente à exploração, produção,
transporte, refino e importação de petróleo e derivados e a criação da ANP e do Conselho Nacional
de Política Energética (CNPE). (CNIO, 1998) Desta forma, ANP substituiu a PETROBRÁS nas
responsabilidades de ser o órgão executor do gerenciamento do petróleo no país.
12
A partir de 1988 os blocos sob concessão (mar e terra) foram arrematados sendo que à
PETROBRÁS foram concedidas 115 áreas de exploração (op.cit).
124
mundiais de completação13 em poços de em lâmina d`água profundas, com poços
produtores situados em lâminas d`água pouco maiores que 1 700 metros e poços
exploratórios em profundidades maiores que dois mil metros. Daí, a produção
desses campos necessita de conhecimento das condições ambientais e de
estabilidade do subsolo marinho, em que se assentarão todos os equipamentos de
extração de petróleo. Condições de mar, força e direção das ondas e correntes
também devem ser precisamente conhecidas, bem como a circulação submarina,
envolvendo assim um complexo conjunto de pesquisas.
No Brasil as áreas em terra produtoras de petróleo localizam-se nos
estados do Amazonas, Ceará, Rio Grande do Norte, Alagoas, Sergipe, Bahia e
Espírito Santo e no mar, a produção é proveniente dos estados do Ceará, Rio
Grande do Norte, Alagoas, Sergipe, Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São
Paulo e Paraná14. As bacias exploratórias no mar15 são em número de onze: Foz
do Amazonas, Pará-Maranhão, Barreirinhas, Ceará e Potiguar, Sergipe-Alagoas,
Camamu e Almada, Jequitinhonha, Espírito Santo, Campos, Santos e Pelotas.
Juntas somam uma área de 169 283 28 km2 enquanto que os 126 blocos
exploratórios em terra somam uma área bem menor, de cerca de 21 543 40 km2.
(VIDIGAL, 2005). A Bacia de Campos, considerada a principal província petrolífera
do país (op.cit), ocupa uma área de 115 000 km 2 (estende-se do Espírito Santo -
próximo a Vitória - até Cabo Frio, no litoral norte do Estado do Rio de Janeiro) e
profundidades que atingem até 3400 metros, com produção de 1,3 milhão de
barris/dia de petróleo.
Dados da ANP mais recentes, elaborados em fins de 2003, revelam que por
ano no Brasil, o petróleo é responsável pelo recolhimento de cinqüenta e sete
bilhões de reais em impostos diretos. Tais dados nos permitem inferir o êxito da
exploração e da produção do petróleo e do gás no nosso país. Ao estado do Rio
13
Determinação do menor espaço métrico que contém um dado espaço (Dicionário Houaiss).
14
O Paraná também produz óleo de xisto, que é um óleo semelhante ao petróleo. Este óleo é
extraído de uma rocha denominada informalmente de “xisto pirobetuminoso”, mas que na realidade
é uma rocha sedimentar chamada folhelho betuminoso, ou seja, um folhelho com altíssimo teor de
matéria orgânica.
15
Segundo Vidigal (2005), 87% do petróleo brasileiro vem do mar.
125
de Janeiro, maior produtor nacional de petróleo e de gás, juntamente com os seus
municípios, no ano de 2002, coube 99,2% do total de royalties16 distribuído às
Unidades da Federação. Outra inferência dos dados é a diminuição da
dependência externa brasileira de petróleo e derivados – relação entre a
importação líquida e o consumo aparente de petróleo e derivados – que estava
perto de cinqüenta por cento em 1993 e que caiu para apenas 9,4% em 2002.
Destas observações, é possível deduzir a necessidade de conhecimento do
potencial petrolífero do território brasileiro e da necessidade de investimento na
área de tecnologia, na formação de mão-de-obra capacitada e dos investimentos
de alto risco em áreas pouco exploradas.
Conforme apresentado no decorrer desta pesquisa, a espessura sedimentar
existente na extremidade da Zona Econômica Exclusiva mais afastada do território
emerso, obtida através por meio de levantamentos sísmicos é o critério
estabelecido pela ONU para determinar a jurisdição dos direitos de soberania na
exploração e no aproveitamento dos recursos naturais do leito marinho e do
subsolo ao longo de seu extenso território submerso. O investimento contínuo se
faz necessário na obtenção do conhecimento que permitirá as decisões sobre a
utilização dos recursos existentes nas margens continentais. Com relação
especificamente à delimitação da plataforma continental brasileira, uma das
conseqüências imediatas no campo da indústria do petróleo será a licitação dos
blocos da Agência Nacional de Petróleo, que se encontram no momento restritos
às duzentas milhas, e que poderão estender-se até o limite exterior da plataforma
(MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA, 2001)
16
Royalties são compensações financeiras pagas pelos concessionários cujos contratos estão na
etapa da produção de petróleo ou gás natural, incluindo-se também os contratos que estão na fase
de exploração realizando testes de longa duração, distribuídas entre Estados, municípios,
Ministério da Ciência e Tecnologia e Comando da Marinha, nos termos da Lei nº 9.478/97 (Lei do
petróleo) e do decreto nº 2705/98.
126
4.2.2 A Pesca
Para melhor entendimento dos dados divulgados nesta pesquisa convém
atentar para a definição do termo: será considerado pesca todo ato com objetivo
de retirar, colher, apanhar, extrair ou capturar quaisquer recursos pesqueiros17 em
ambientes aquáticos, podendo ser exercida em caráter científico,
econômico/comercial, amadorístico ou de subsistência (CNIO, 1998). A pesca
marítima, desta forma, será definida como aquela realizada nas áreas descritas
acima, acrescidas das baías, enseadas, angras, braços de mar ou áreas de
manguezais, diferenciando tal classificação das chamadas águas doces (rios,
ribeirões, lagos, lagoas, açudes etc.), definidas como continentais.
Segundo palestra proferida pelo ministro da Secretaria Especial de
Aqüicultura e Pesca, José Fritch, por ocasião da XI Conferência das Nações
Unidas para o comércio e o desenvolvimento (UNCTAD)18, a pesca no mundo
gera riqueza em torno de cinqüenta bilhões de dólares ao ano, “enquanto o Brasil
produz apenas US$ 6,6 bilhões”. Desta forma, a posição do país no ranking
mundial de pescados, apresentada na conferência, de 27º lugar, é considerada
inferior em função da extensão de sua costa e do fato de possuir doze por cento
de toda a água doce do planeta, além de uma Zona Econômica Exclusiva de 4,5
milhões de quilômetros quadrados. Tal fato pode ser atribuído, segundo o
programa de Avaliação do Potencial Sustentável de Recursos Vivos da Zona
Econômica Exclusiva – REVIZEE, descrito anteriormente, e ainda sem
informações conclusivas, às características das águas, típicas das regiões
tropicais e subtropicais, dominadas por salinidade e temperaturas elevadas, com
baixa concentração de nutrientes. A potencialidade quantitativa e qualitativa dos
17
são todas as formas vivas que tenham na água o seu normal ou mais freqüente meio de vida.
Em sua maior parte não apresentam qualquer valor intrínseco mas ocupam posições importantes
na cadeia alimentar. Esse fato será reconsiderado no final da exposição sobre pesca.
18
A décima primeira sessão da Conferência das nações Unidas para o Comércio e
Desenvolvimento (UNCTAD), ocorrida no Brasil, em São Paulo, em 2004, tem como um dos
objetivos, “assegurar ganhos de desenvolvimento a partir do comércio internacional e das
negociações do comércio”.
127
recursos pesqueiros marítimos brasileiros é determinada pelas características
físicas, oceanográficas e climáticas, definidas nos capítulos II e III deste trabalho,
com destaque para a plataforma continental, na maior parte do litoral, bastante
estreita; as correntes marítimas de características físico-químicas distintas; e o
extenso litoral, constituído de condições ambientais diferenciadas, influenciadas
grandemente por essas correntes.
As regiões com melhor produtividade, localizadas ao sul de Cabo Frio,
sofrem a influência da ressurgência e da Corrente das Malvinas19. A partir dessa
explicação, pode-se concluir que a ZEE não possui estoques pesqueiros
significativos. Outra observação decorrida das características naturais das águas
brasileiras aponta para o desenvolvimento da pesca industrial nas regiões sudeste
e sul, em função da maior concentração dos recursos pesqueiros e a maior
produtividade aí encontrados20. No norte e nordeste do Brasil a pesca mais
representativa é a artesanal e o contingente de pescadores ainda exerce um
importante papel no ambiente da pesca nacional (VIDIGAL, 2005: 92).
Nesse ponto faz-se necessária uma breve elucidação sobre as diferentes
categorias da pesca extrativa marítima no Brasil, que podem ser divididas em
pesca de subsistência, exclusivamente para obtenção de alimento, sem finalidade
comercial; pesca artesanal, com objetivo comercial, mas sem vínculo empregatício
com a indústria de processamento ou comercialização do pescado, constituindo a
maior parte da frota pesqueira nacional e com a participação de até sessenta por
cento no total das capturas; pesca industrial costeira, feita por embarcações mais
autônomas, capazes de operar em áreas distantes; e a pesca industrial oceânica,
incipiente no Brasil, com embarcações aptas a operar em toda ZEE, até em outros
países, sendo quase todas arrendadas de países estrangeiros.
A captura dos principais recursos em volume ou valor da produção, com
destaque para lagosta, piramutaba, sardinha, atuns e afins, camarões e espécies
19
A corrente das Malvinas é originária de uma ramificação da corrente Circumpolar Antártica, que
flui em torno da Antártica e pode ser visualizada na “figura 1.4”, no capítulo 1 dessa pesquisa.
20
Além da questão física a concentração dos recursos pesqueiros dá-se também pela política de
incentivos desenvolvida na década de sessenta, pela SUDEPE – Superintendência do
Desenvolvimento da Pesca (SCHIAVONE, 1996).
128
demersais ou e fundo (corvina, pescadinha, pescada etc.) é em que se concentra
o segmento da pesca industrial costeira no país. Já na pesca extrativa marítima,
as principais espécies exploradas comercialmente são o camarão rosa e a
piramutaba, no litoral norte; a lagosta no Nordeste; a sardinha, os camarões e os
peixes demersais do Sudeste/Sul, os atuns e afins ao longo do litoral brasileiro
(CNIO, 1998). Os principais recursos pesqueiros explotados nas diferentes regiões
da costa são apontados e relacionados aos diferentes tipos de pesca
A pesca empresarial concentra suas capturas nas
piramutabas e camarões da Região Norte, nos pargos, lagostas e
camarões nordestinos, nos peixes de pedra dos parcéis de
Abrolhos e do Mar Novo, nas sardinhas, atuns, cações e peixes
demersais e camarões do Sudeste e Sul brasileiros.
Já a pesca artesanal explora uma grande quantidade de
espécies, das quais destacam-se as sardinhas, tainhas, bagres,
gurijubas, filhotes, pescadas, corvinas, cações, serras, camarões,
caranguejos e moluscos como mexilhões, sururus e lulas.
É no Sudeste e no Sul que estão concentradas as
empresas pesqueiras do país. Enquanto no Norte as capturas
industriais atingem 13,7% do total da produção e no Nordeste
atingem 10%, nas regiões Sul e Sudeste as empresas pesqueiras
são responsáveis por 71,8% e 87, 7% das capturas
respectivamente, o que aponta para uma concentração espacial
do capital no setor pesqueiro no sudeste e no Sul do país
(SCHIAVONE, 1996: 17).
Segundo a Comissão Nacional Independente sobre os Oceanos, é fato que
todos os recursos pesqueiros nacionais encontram-se muito próximos ou já em
seus limites de sustentabilidade. Daí, a necessidade da geração de
conhecimentos técnico-científicos a fim de propiciar técnicas e métodos
adequados ao desenvolvimento da pesca. No entanto, há um consenso entre os
autores pesquisados no que diz respeito ao levantamento de dados sobre a pesca
nacional: a fragilidade das estatísticas brasileiras, em função da falta de
abrangência e pela descontinuidade das pesquisas e dos programas voltados ao
setor, em função de seguidas e frágeis medidas de ordenamento referente às
129
ações de controle e fiscalização (CNIO, 1998; VIDIGAL, 2005)21. SCHIAVONE,
1996, refere-se também ao fato de que muitas das estatísticas não abrangem
todos os lugares de pesca; e também às distorções relacionadas a cada
classificação de pesca. Ainda assim, o quadro da produção marítima da pesca
marítima brasileira é considerado delicado, seja pela queda, seja pela estagnação
dos últimos anos.
4.2.3 Aqüicultura
Em relação à aqüicultura, produção de recursos hidrobiológicos pela
atividade humana também chamada de maricultura, esse setor tem crescido em
média, 27,5% ao ano, nos últimos cinco anos (tabela 4.1), enquanto a mundial
evoluiu sete por cento no mesmo período (VIDIGAL, 2005: 94). No entanto o
potencial representado por essa atividade no Brasil é pouco explorado e poderia
representar uma resposta aos problemas enfrentados pelo país, como a criação
de empregos e geração de renda, e utilização racional de seus recursos
ecológicos (CNIO, 1998). A aproximação do limite máximo de sustentabilidade por
parte de quase todos os recursos pesqueiros, em especial os costeiros, mais
vulneráveis a uma pesca mais intensiva sugere não só a maricultura como
também a pesca oceânica como atividades extremamente relevantes.
21
Atribui-se à fonte geradora de dados ou a um possível vício estatístico na sistemática de coleta
de dados, efetuada até 1989 pelo IBGE, na qual teria havido uma possível duplicação de dados de
produção de algumas espécies, como a sardinha.
130
TABELA 4.1: Produção Total e Participação Relativa da Pesca
Extrativa e da Aqüicultura em Águas Marinhas e Continentais (1997- 2003)
ANO PESCA EXTRATIVA Aqüicultura Total(t)
Marinha Continental Total(t) % Marinha Continental Total(t) %
1997 465714,0 178871,0 644585,0 88,0 10180,0 77493,5 87673,5 12,0 732258,5
1998 432599,0 174190,0 606789,0 85,4 15349,0 88565,5 103914,5 14,6 710703,5
1999 418470,0 185471,5 603941,5 81,1 26513,5 114142,5 140656,0 18,9 744597,5
2000 467687,0 199159,0 666846,0 79,1 38374,5 138156,0 176530,5 20,9 843376,5
2001 509946,0 220431,5 730377,5 77,7 52846,5 156532,0 209378,5 22,3 939756,0
2002 516166,5 239415,5 755582,0 75,0 71114,0 180173,0 251287,0 25,0 1006869,0
2003 484592,5 227551,0 712143,5 71,9 101003,0 177125,5 278128,5 28,1 990272,0
Fonte: IBAMA
4.2.4 Transporte Marítimo
Considerado o meio mais econômico de levar grandes cargas a longas
distâncias, perpassando por rotas variadas, esse transporte é responsável pela
condução de mais de noventa por cento da tonelagem das trocas com o exterior
ou ainda, responsável por 11,72% do movimento de carga registrado, refletindo a
demanda provocada pelo crescimento do comércio internacional no Brasil
(FADDA, 1999). Tal demanda, no entanto, não foi acompanhada pelo investimento
no setor, que seria traduzido pela criação de um “sistema de cadeia de
transporte”, ou transporte multimodal, onde, em síntese, um complexo formado
pelos modais ferroviário, rodoviário e aquaviário estariam integrados, escoando as
mercadorias. Com opinião mais reticente, Contel (2001: 358), julga que o
transporte aquaviário, apesar de econômico e da “(...) capacidade de carga,
necessita da pré-existência de “hidrovias”22 e não permite velocidade altas em
seus deslocamentos”.
22
Neste ponto cumpre assinalar que, a Agência Nacional de Águas, do Ministério do Meio
Ambiente, aponta as diferenças encontradas na terminologia que envolve “aquavia”, “hidrovia”, “via
navegável”, “caminho marítimo” ou “caminho fluvial”. Isto porque, apesar de serem considerados
sinônimos, há um destaque para o que se define como hidrovia. Essa última está associada às
vias navegáveis interiores que foram balizadas e sinalizadas para uma determinada embarcação,
isto é, aquelas que oferecem boas condições de segurança às embarcações, suas cargas e
passageiros ou tripulantes e que dispõem de cartas de navegação.
131
Segundo Vidigal (2005: 63), a falta de planejamento é algo antiga, pois “(...)
há mais de uma década alguns brasileiros já tinham diagnosticado tal crise.” Essa
afirmativa se confirma na obra de Travassos “Projeção Continental do Brasil”, de
1935.
Finalmente, e essa é a característica essencial, a quase
obrigatoriedade de lançar-se mão de todos os meio de transporte,
evitando-se justapô-los uns aos outros. Essa conclusão e impõe
em face da variedade morfológica do espaço geográfico, das
longas distâncias e da ínfima densidade de população
interior.(op.cit: 173)
Vidigal (2005: 63 - 4) cita a importância do transporte marítimo como fator
de segurança nacional, uma vez que “(...) nos momentos de crise e conflito, o mar
é o grande palco onde muitas das ações se desenvolvem.” E continua, justificando
que “(...) todos os setores nacionais, políticos, estratégicos ou econômicos são
atingidos”. Tal assertiva é perfeitamente justificável face os números supracitados
do volume de mercadorias e bens transportados pelo mar, representados pelo
mapa das principais rotas de comércio brasileiro, em 1992 (ver figura 4.2).
132
Figura 4.2 – Representação das Principais Rotas de Comércio Brasileiro com
Média Diária de Navios por Rota (1992)
Fonte: VIDIGAL, 1993
Segundo Penha (1998: 145-46), a demanda crescente representada pelo
comércio externo impeliu o governo brasileiro, na década de 1990, à
implementação de corredores de exportação, integrando portos e o sistema viário
geral ao fluxo de mercadorias, começando pelo “(...) produtor, passa pelos meios
de transporte terrestres, e atinge o binômio porto-navio, prosseguindo de forma
inversa, no destino, até o consumidor”.
O transporte interno de mercadorias no Brasil favorece o meio
rodoviário (55,91%), ferroviário (20,57%) e hidroviário (19,44%),
ficando o restante para outros sistemas como o dutoviário e o
aeroviário.
(...) As diferenças de custo entre os portos brasileiros e
estrangeiros se deve a uma série de razões como o excesso de
regulamentações, o corporativismo dos sindicatos e a indolência
do empresariado, todos acomodados à burocracia do Estado.
Estes problemas têm contribuído para dificultar o crescimento do
comércio marítimo, principalmente no que concerne à navegação
fluvial e à cabotagem onde, por força dos custos portuários, a
competição com o caminhão é totalmente desvantajosa para o
navio. (op. cit. : 145-47).
133
Assim, para a efetivação do transporte modal, uma das tarefas a ser
cumprida é a criação da viabilização das comunicações estabelecidas pelas vias
fluviais, com a rede de seus formadores (ver figuras 4.3 e 4.4).
Figura 4.3- Principais Bacias Hidrográficas
Fonte: Ministério dos Transportes
134
Figura 4.4 – Principais Hidrovias
Fonte: Ministério dos Transportes
As vias fluviais do interior ligam o Brasil com outros países da América do
Sul, e além disso, em muitas áreas da bacia do Amazonas, essas vias são o
principal meio de transporte.
135
23
O sistema de movimento aquaviário , fundamental na era pré-
técnica do território brasileiro (1500-1870), é composto
basicamente por três subsistemas: a navegação interior (ou
hidroviária), a navegação de cabotagem e a navegação de longo
curso (ou navegação marítima). (...) Com relação ao subsistema de
movimento de cabotagem, que até o período técnico do território
brasileiro (1870-1950) cumpria também a função essencial de
transporte “longitudinal” de passageiros (já que a urbanização era
essencialmente litorânea nessa época), a cabotagem vem
conhecendo, desde a década de 1950, outros tipos de atribuições
(...) Já com relação à navegação interior (que diz respeito à
movimentação de embarcações pelas diferentes bacias
hidrográficas do território brasileiro), (...) constitui parte essencial
da via regional nos estados do Rio Grande do Sul e na Bacia
Amazônica (Santos & Silveira, 2001: 359)
Mário Travassos, em 1931, em sua obra “Projeção Continental do Brasil”,
ao dissertar sobre o privilegiado papel geoestratégico da Argentina no continente e
no Atlântico Sul, em função da Bacia do Prata, e da necessidade do Brasil
responder à tal ameaça, atribui ao litoral atlântico, ao “Brasil Platino” e ao “Brasil
Amazônico”, a “(...) expressão mesma da influência continental do Brasil”.
Segundo esse autor, a hegemonia continental poderia ser obtida, ao se conjugar
os transportes marítimos, terrestres e aéreos, a fim de integrar o país, valorizando-
se, assim, o espaço geográfico.
Nossa influência se faz sentir em ambos os compartimentos das
bacias Amazônica e Platina: as abertas andinas como que ligam a
bacia amazônica ao litoral do Pacífico; a faixa litorânea de nosso
território e o nosso litoral rematam todas as nossas possibilidades
na vertente atlântica. Sobre essa base, levando em conta os
interesses internos como os continentais é que deveríamos traçar
nossa política de comunicações, que, para responder a todas as
necessidades, quaisquer que fossem as circunstâncias em jogo
(...), se deveria valer de todos os meios de transportes e
conjugadamente. (...) somente sob o domínio da pluralidade dos
transportes poderá o Brasil exprimir toda a força de sua imensa
projeção coordenadora no cenário da política e economia
continental, tal como incontestavelmente lhe compete. (Travassos,
1947: 152, 3).
Face ao que descrevemos, o sistema de movimento aquaviário
(navegação interior) foi fundamental nos primeiros séculos da formação territorial
23
(grifos dos autores)
136
brasileira (1500-1870). Hodiernamente, além da navegação interior é notória a
relevância do comércio internacional para o Brasil, e ambos estão relacionados ao
litoral de vasta extensão, e às grandes bacias hidrográficas descritas, com sua
rede, apontada como a mais extensa do Globo, com 55 457km2 .
Vidigal (2005), enfatiza a importância estratégica de uma “(...) significativa
frota mercante” necessária em momentos como a guerra entre argentinos e
britânicos pelo arquipélago das Malvinas, em 1982 e a Guerra do Golfo, em 1990-
91, onde os navios mercantes foram intensamente utilizados “(...) como frota de
apoio para os navios de guerra em operação bem como para a manutenção do
fluxo logístico necessário às operações”.
A partir do fim dos anos sessenta – 1967 - com a implantação de uma
política voltada para a Marinha Mercante, houve um aumento da frota e da
participação da bandeira brasileira nos fretes de longo curso e de cabotagem,
além do emprego direto e indireto de pessoas;
No seu auge, a indústria naval chegou a ter quase meio milhão de
pessoas, direta ou indiretamente empregadas (40000 postos
diretos de trabalho, gerando cada um mais 5 postos indiretos). Foi
gerada no país uma infra-estrutura industrial na cadeia produtiva
da indústria naval, contribuindo para a melhoria de sua
competitividade (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior, 2002: 2).
Tal situação se prolongou até 1990, quando um processo de
desregulamentação da marinha mercante foi intensificado, resultando na
decadência da indústria de construção naval e a redução da participação da
bandeira brasileira nos tráfegos internacionais. Desaparecido o modelo introduzido
na década de sessenta, repleto de medidas protecionistas, estaleiros e empresas
erguidos entraram em processo de liquidação e essa crise ainda repercute nos
dias atuais. No entanto, um possível renascimento é apontado, relacionado à
indústria naval, centro operativo do transporte marítimo, concentrada basicamente
no estado do Rio de Janeiro (sessenta e quatro por cento dos estaleiros
brasileiros):
137
Nos últimos anos, vive um processo gradual de renascimento. No
auge da operacionalidade da construção naval, a capacidade
produtiva nacional atingiu 1 400 000 toneladas de porte bruto, em
1979, recorde até hoje, o que resultou, na época, em cerca de
trinta e nove mil empregos diretos e 31 000 indiretos na indústria
naval propriamente dita, e mais de 140 000 diretos. (VIDIGAL,
2005: 66).
Tal visão é comprovada pelo relatório proveniente do Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (2002: 4)
Hoje, a indústria de construção naval, com o que resta da infra-
estrutura em sua cadeia produtiva, criada nos áureos tempos
desse segmento, vem tentando reerguer-se através de nichos de
mercado que começam a aparecer, e procurando recuperar a
competitividade para uma maior participação no mercado
internacional, levantando sempre a bandeira de ser um setor de
alto benefício socioeconômico, pela excelente relação
investimento / postos de trabalho.
4.2.5 Os Portos
Os portos e terminais são elementos de um complexo necessário ao
movimento de mercadorias e ao escoamento das mesmas, por meio das vias de
acesso aos vários modais de transporte, rodoviário, ferroviário ou hidroviário, fato
comentado no capítulo III dessa pesquisa.
Além da necessidade de integração, os portos devem estar adaptados ao
tipo de carga que irão receber, e, por esse motivo, os terminais são criados com
equipamentos e técnicas operacionais específicos, com a utilização de
contêineres, como por exemplo, a fim de facilitar o transporte da carga e
assegurar a sua integridade até a entrega ao distribuidor final. Outros dois pontos
são apontados pela CNIO (1998: 162) como frágeis no Brasil, além da
modernização dos portos: os elevados custos portuários, decorridos das altas
tarifas operacionais e “(...) a ineficiência de todos os órgãos envolvidos no
processo de movimentação de carga (Receita Federal, Vigilância Sanitária,
Estiva...)”. Esse último fato é responsável pela atracação de um navio por vários
138
dias, de maneira geral, nos portos brasileiros, aumentando em muito o valor do
transporte.
No entanto, o número de portos no Brasil é considerado expressivo por
Vidigal (2005: 69) que relaciona este fato “(...) à potencialidade da Amazônia
Azul”. Há quarenta e quatro portos em operação (ver figura 4.1) sendo que
dezesseis deles destacam-se por sua capacidade operacional, ainda que em
níveis baixos comparadamente aos grandes portos internacionais e os motivos
disto, apontados pelo autor, corroboram os que vimos: “(...) precário
aproveitamento das redes de vias aquaviárias, ferroviárias e rodoviárias que ligam
as regiões produtoras de mercadorias a esses portos até a sua não adequação às
modernas regras técnicas portuárias” (op. cit.).
Como já citamos, a inexistência de uma política de integração de
transportes é apontada como a principal causa da ineficiência do transporte
aquaviário no Brasil, embora esse modelo seja considerado o mais barato e cujos
reflexos tornam-se menos sentidos sobre o custo das mercadorias. Assim, é
preciso acelerar o processo de modernização dos portos, transformando-os em
consideráveis embarcadores e desembarcadores de carga, é também investir no
setor de infra-estrutura de apoio ao transporte marítimo, como as estradas de ferro
e de rodagem e as hidrovias.
139
Figura 4.5 Localização dos Portos Brasileiros
Fonte: Ministério dos Transportes
4.2.6 Recursos Minerais e Os Nódulos Polimetálicos
De maneira geral, o sal extraído das águas dos oceanos é um recurso
mineral e fonte sustentável de elementos economicamente importantes, como por
exemplo, Cloro (Cl), Sódio (Na), Magnésio (Mg), Potássio, Bromo (Br) e Estrôncio.
140
No entanto, até o presente, os únicos elementos comercialmente extraídos da
água do mar em grande escala são o sódio, cloro, magnésio e bromo. Segundo
artigo publicado em Revista Brasileira de Geofísica no ano 2000, embora a água
do mar seja rica em elementos de valor econômico, a maior parte dos recursos
minerais encontrados nos oceanos estão relacionados a ambientes geológicos
específicos, e, portanto, à interação entre a água do mar e outros agentes, tais
como aporte sedimentar de rios, atividade biológica e magmatismo24. Assim, um
conjunto de fatores leva à formação de jazidas minerais, o que permite que os
depósitos minerais marinhos sejam encontrados em diferentes ambientes
geológicos, desde as margens continentais até cordilheiras mesoceânicas
(Gabinete de Segurança Institucional, 2005).
Segundo Vidigal (2005), no que diz respeito aos recursos minerais, o Brasil
conta com a existência da maior parte deles no continente, à exceção de
hidrocarbonetos, alguns evaporitos e areias. Tal fato inibe, portanto as iniciativas
de exploração no meio marinho, da maneira como ocorreu inicialmente com a
exploração de petróleo.
De acordo com a CNIO (1998), dentre os sedimentos potencialmente
aproveitáveis existentes nos fundos dos oceanos, os nódulos de manganês ou
nódulos polimetálicos25 são os mais notáveis. Presentes na Área (solo e o subsolo
marinhos situados além da jurisdição nacional e que, pela Convenção, é
patrimônio comum da humanidade res communis – ver capítulo II), o interesse por
esse recurso cresce também à medida que cresce o aprimoramento tecnológico e
por esse motivo, estratégico, é necessário resguardar o direito de exploração,
ainda que essa não esteja sendo exercida no presente momento, assim como
enfatizar o estudo sobre as informações geológicas. A CPRM (Serviço Geológico
do Brasil, ou Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais) é o responsável pelo
Programa Geologia do Brasil, do Governo Federal, incubido de realizar
24
Conjunto de processos associados ao desenvolvimento e movimentação do magma no interior
da Terra (Suguio, 1998: 486).
25
Não são apenas ricos em manganês: contém também cobre, silício, cobalto e níquel. Acham-se
amplamente distribuídos em sedimentos marinhos, principalmente em grandes profundidades
(Suguio, 1998: 553).
141
mapeamentos geológicos e geoquímicos, bem como o conhecimento da geologia
marinha. O Programa REMPLAC, anteriormente citado está encarregado de
efetivar estudos sobre os recursos minerais da margem continental brasileira. As
pesquisas irão possibilitar a identificação de recursos minerais, onde a plataforma
marinha brasileira é propícia a ocorrências de vários tipos de minerais tais como
fosforita, granulados, crostas cobaltíferas, sulfato de polimetálicos (rochas que
podem conter vários metais como zinco, ouro, cobre etc).
Uma vez que citamos algumas das riquezas cabe relacionar a questão da
vigilância e defesa das águas jurisdicionais brasileiras. A Política de Defesa
Nacional (PDN), aprovada em Decreto, em 2005, é voltada para a defesa externa,
onde a Amazônia Brasileira e o Atlântico Sul são apontados como áreas
prioritárias, tendo em vista a sua importância estratégia e econômica. Vidigal
(2005) menciona que a PDN aponta para a necessidade do Brasil dispor de meios
para o exercício da vigilância, controle e defesa das águas, através do aumento da
presença militar no Atlântico Sul, em função da detenção, por parte do país, de
grande biodiversidade e de grandes reservas de recursos naturais.
Assim, o papel das Forças Armadas é essencial para a preservação da
soberania, apesar de sua vulnerabilidade proporcionada pelos seguintes fatores
apontados pelo autor:
(...) a nossa dependência ao tráfego marítimo no comércio
internacional; a extensão da nossa Zona Econômica Exclusiva e
de nossa Plataforma Continental; a importância para o país do
petróleo e gás extraídos da plataforma; e a concentração de nossa
população e das principais indústrias do país na faixa costeira, ao
alcance, portanto, de ataques provenientes do mar.(op.cit, 2005:
O Poder Naval, então, é apontado como necessário à capacidade de
barganha do Estado, para que seus interesses não sofram coerções. O tráfego
marítimo deve ser protegido, assim como as águas jurisdicionais e, para isso,
decorre a necessidade da presença de navios velozes e com alta capacidade e
permanência no mar, aliados a helicópteros e aviões, em associação com a Força
Aérea, além de um controle eficiente do tráfego marítimo, apoiado por moderna
142
tecnologia. No entanto, o investimento em pesquisas científicas, assim como nas
aquisições de equipamentos, capaz de dar respaldo a essa infra-estrutura não se
faz suficiente, provocando insatisfação inclusive da comunidade marítima
internacional quando, por exemplo, o Brasil não se faz capaz de reprimir
eficazmente o assalto a navios atracados ou fundeados nas águas próximas.
Algumas medidas devem ser imediatamente adotadas a fim de permitir que
todo o esforço associado às pesquisas de levantamento de riquezas, descritas ao
longo dessa pesquisa, não sejam inúteis.
143
Antes de prosseguirmos com a abordagem fisiográfica, torna-se necessário
abordar as acepções existentes sobre os termos utilizados nesta parte da
pesquisa, considerando-se as pequenas diferenças entre os mesmos. As
designações de “litoral, costa, faixa costeira, faixa litoral, orla costeira, zona
costeira, zona litoral, área / região costeira” são várias e utilizadas por especialistas
de diferentes áreas para referir porções do território de dimensões variáveis, na
interface entre a Terra e o Oceano. Há muitas definições associadas àqueles
termos, capazes de considerar a complexidade do tema, no entanto, o
estabelecimento dos limites físicos é uma questão bastante controversa. Para
Moraes (1999: 28):
A precisa delimitação do que seria a “zona costeira” de um país é
tema que suscita polêmicas internacionais. Quando a perspectiva
se afasta do formalismo das definições abstratas, do tipo “zona de
interação dos meios terrestres, marinhos e atmosféricos”, vê-se
que a questão não permite uma só resposta pois tal tema remete a
uma variedade de situações que deveriam ser contempladas
numa boa definição.
Como exemplo dessa controvérsia podemos comentar a proposta feita pelo
Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Desenvolvimento Regional
de Portugal, que se utiliza do “European Code of Conduct for Coastal Zones”1,
onde litoral pode ser definido como um termo geral que descreve porções do
território influenciadas direta e indiretamente pela proximidade do mar. A Zona
costeira, é apontada como a porção de território influenciada direta e
indiretamente em termos biofísicos pelo mar (ondas, marés, ventos, biota ou
salinidade), mas que já apresenta largura fixa, atingindo em direção ao oceano até
o limite da plataforma continental e, em direção oposta, para o lado do continente,
1
O “Código de Conduta Europeu para Zonas Litorais” é uma iniciativa do EUCC (União Européia
para Conservação do Litoral), que lançou a idéia em 1993. Foi apresentada em Conferência no
início do ano de 2006 sob o título “Bases para a Estratégia de Gestão Integrada da Zona Costeira
Nacional”.
77
podendo atingir quilômetros. E aí nesse ponto que difere com algumas definições
adotadas pelo Brasil, como veremos mais adiante, que consideram o limite em
direção ao oceano até a Zona Econômica Exclusiva (ZEE). Quanto à orla costeira,
o estudo do código europeu determina como a porção do território onde o mar
exerce diretamente a sua ação, auxiliado pela erosão eólica, e que tipicamente se
estende, em direção ao continente, por centenas de metros e, em direção ao mar,
até à batimétrica dos 30 metros. Por linha de costa, pode-se entender a fronteira
entre a terra e o mar; evidenciada através da intercessão do nível médio do mar
com a zona terrestre.
Há ainda outras definições sobre o litoral, como a utilizada pela Comissão
Nacional Independente dos Oceanos (CNIO, 1999: 192), no Brasil: “(...) zona que
une a terra e o mar, vivendo ativamente as regressões e as transgressões
marinhas ao longo da história da Terra.” Em relação ao litoral brasileiro, esse é
dotado de número razoável de áreas abrigadas e profundas, o que favorece a
existência de portos economicamente competitivos. E, assim como os sistemas
terrestres adjacentes são afetados pela ação do mar, o ambiente marinho recebe a
influência continental, fato que ocorre de maneira variável: proporcionalmente à
extensão das bacias hidrográficas (coletoras de sedimentos e de resíduos
poluentes das áreas interiores) e também em consonância com as condições
oceanográficas e climatológicas (que regulam a influência dos oceanos sobre a
massa continental). A partir dessa acepção, é possível, portanto, entender por
zona costeira, todas as áreas contidas nas bacias hidrográficas que a afetam e,
além disso, a extensão marinha até a quebra da plataforma continental ou até o
limite da ZEE (CNIO, 1999), diferencial quando outras definições são comparadas.
Quanto à largura e à profundidade média dessa primeira – a plataforma continental
- ou seja, o terreno da crosta continental que avança para o mar, possui média de
noventa quilômetros de extensão e duzentos metros, respectivamente (SOUSA,
2004).
A complexidade que assinalamos no início do capítulo referente à definição
da Zona Costeira pode ser determinada em função da diversidade das atividades
78
que nela são exercidas e pela suscetibilidade dos seus ecossistemas, constituindo-
se numa interface física e de transição funcional entre o ambiente terrestre e o
marinho. Por fim, o Glossário de Termos Técnicos e Siglas de Programas, Projetos
e Instituições (nacionais e internacionais) referente ao programa REVIZEE
(Avaliação do Potencial Sustentável dos Recursos na Zona Econômica Exclusiva)
propõe essa definição de zona costeira:
É o espaço de interação do ar, do mar e da terra, incluindo seus
recursos ambientais, que abrange uma faixa marítima e uma faixa
terrestre. A faixa marítima engloba as áreas compreendidas entre
o litoral e as linhas de base retas, a partir de onde se mede o mar
territorial (isto é, as águas das baías e enseadas, dos portos e dos
estuários), e todo o mar territorial, de 12 milhas de largura. A faixa
terrestre é a área do continente formada pelos municípios que
sofrem influência direta dos fenômenos costeiro-marinhos,
definidos de acordo com critérios estabelecidos no Plano Nacional
de Gerenciamento Costeiro – PNGC.
Moraes (1999: 28), atenta para o aspecto natural da Zona Costeira “(...) nem
sempre evidente como unidade natural, que circunscreva em todas as áreas
litorâneas um espaço padrão naturalmente singularizado”.
A Zona Costeira brasileira abriga um mosaico de ecossistemas. Ao longo do
litoral alternam-se mangues, restingas, campos de dunas e falésias, baías e
estuários, recifes e corais, praias e costões, planícies, intermarés e outros
ambientes. Um agrupado de formas decorrente da complexidade de processos
morfogenéticos, em que as interações de atividades destrutivas e construtivas das
águas oceânicas ao longo da faixa litorânea se confrontam com as influências das
águas continentais, também construtoras e destruidoras de formas e depósitos,
assim como também das atividades eólicas que igualmente exercem importante
papel de remobilização dos sedimentos marinhos. Em decorrência dessa dinâmica,
um conjunto de macrocompartimentos2 surge, resultando no processo de formação
da costa brasileira. A energia das ondas, a intensidade e a recorrência das
2
Dependendo da escala de mapeamento a dimensão dos compartimentos varia, podendo
abranger desde segmentos de uma praia a grandes células de circulação costeira (Muehe, 1998:
280).
79
tempestades comandam a dinâmica dos processos de erosão e acumulação na
interface continente, oceano e fundo marinho. A Plataforma Continental geográfica
é bastante extensa no Brasil, apresentando seu término localizado de sessenta e
cinco a setenta e cinco metros de profundidade (SOUZA, 2005). No que diz
respeito à geomorfologia e fisiografia dos oceanos, a América do Sul possui duas
margens oceânicas. De um lado, na chamada margem passiva, do lado do
Atlântico, devido à inexistência de terremotos, tem-se uma configuração em que os
sedimentos jogados pelos rios através de milhões de anos formaram significativa
acumulação de sedimentos3. Do outro lado, está localizada a margem continental
denominada margem pacífica, situada no oceano Pacífico, porém, é
paradoxalmente ativa por estar associada a terremotos intensos, caracterizando
assim, uma geomorfologia profunda, com 8.500 m de profundidade.
Segundo Muehe (1998: 280), “(...) a configuração de um litoral representa o
resultado de longa interação entre processos tectônicos, geomorfológicos,
climáticos e oceanográficos”. A identificação de compartimentos, com
características morfológicas e de processos atuantes, mais ou menos
homogêneos, é importante para o entendimento das informações obtidas e
processadas através dos estudos multidisciplinares, a fim de uma melhor
integração, necessária à análise do tema. Uma dessas descrições é encontrada no
“Macrodiagnóstico da Zona Costeira do Brasil na escala da União”, feita pelo
Ministério do Meio Ambiente. Nesse estudo, as características são arranjadas em
grupos divididos por: componentes dos ecossistemas (bióticos ou abióticos,
incluindo o solo, a água, as plantas e os animais); funções (expressando as
interações entre os componentes); e os atributos (como a diversidade das
espécies e a diversidade cultural).
Muehe (1998), denomina como uma das divisões mais aceitas do litoral
brasileiro, a baseada nos estudos de Silveira (1964), e que será utilizada nessa
3
A definição de margem passiva foi abordada no capítulo anterior.
80
pesquisa, tendo como base o aspecto das regiões geográficas4, identificando cinco
grandes compartimentos – Norte, Nordeste, Leste ou Oriental, Sudeste e Sul,
seguindo critérios de homogeneidade de ecossistemas, do substrato e das
condições oceanográficas (figura 3.1). Tal divisão é apresentada pela Comissão
Nacional Independente sobre os Oceanos (CNIO), no Relatório que consta nas
referências bibliográficas desta pesquisa. Os compartimentos ainda são
subdivididos em macrocompartimentos e já foram submetidos a atualizações
desde a publicação original. Eis a divisão:
4
Segundo esse autor, a divisão geográfica regional não coincide exatamente com a adotada
oficialmente (Muehe, 1998: 281).
81
Figura 3.1 Macrocompartimentos Costeiros
Fonte: Muehe, 1998
3.1.1 Região Norte (do extremo norte do Amapá até o Golfão Maranhense)
Caracterizada por uma Plataforma Continental larga, em grande parte
recoberta por sedimentos lamosos, influenciada pela descarga do rio Amazonas
(com significativo aporte de água doce) e de material em suspensão de origem
terrestre depositado sobre a plataforma, resultando na alta produtividade de
82
espécies de fundo nas costas do Amapá e do Pará. O litoral do Amapá é retilíneo,
enquanto a nordeste do Pará e a noroeste do Maranhão a costa apresenta-se
profundamente recortada (figura 3.3). Destacam-se, ainda, na área costeira, os
Golfões Marajoara e Maranhense, representando complexos estuarinos5 bastante
dinâmicos, sendo o caminho natural de uma descarga sólida.
Figura 3.2 Configuração do Litoral Norte
Fonte: Muehe, 1998
A largura da Plataforma Continental varia de oitenta metros, ao largo do
Amapá, a 160 milhas, na foz do Amazonas, reduzindo-se para apenas quarenta
milhas, a partir da baía do Tubarão. Neste ponto, cumpre ressaltar que a
Plataforma Continental Jurídica tem, no mínimo, duzentas milhas, podendo
estender-se dependendo de critérios constantes da CNDUM (Convenção das
Nações Unidas sobre o Direito do Mar), além desse limite6.
Na Plataforma Continental, entre o estuário do Rio Pará e a fronteira com a
Guiana Francesa, o material despejado – água, soluções – e a expansão de
5
Corpo aquoso litorâneo de circulação mais ou menos restrita, porém ainda ligada a um oceano
aberto (open ocean) (SUGUIO, 1998: 317).
6
Sobre esse item, voltaremos a tratar no capítulo II dessa pesquisa – “Critérios para a Definição da
Plataforma Continental”.
83
energia – marés, correntes, ondas, ventos – são enormes. Tal fato gera diversos
processos oceanográficos que influenciam na distribuição dos recursos vivos da
região. Nesse local, as características de fundo e a produtividade da Plataforma
Continental interna favorecem as operações de pesca com arrasto (SCHIAVONE,
2001). A região é, também, altamente influenciada pela Corrente Norte do Brasil ou
Corrente das Guianas (ver figura 1.4), que transporta as águas da plataforma
externa e do talude na direção noroeste. Muehe (1998: 284), menciona ondas
geradas pelos ventos que “(...) em vez de estimular a erosão, trazem sedimentos
finos da plataforma em direção à costa (...)”. Além disso, a influência de fluxo das
correntes de maré, “(...) dirigidas no sentido perpendicular à linha de costa, é
percebida nos baixos cursos fluviais (...), (...) onde a penetração gera o efeito da
pororoca, como ocorre nos estuários dos rios Araguari e Flechal (...)”, atuando
sobre a navegação costeira, cuja dependência em relação às fases da maré é bem
forte.
3.1.2 Litoral Nordeste (da Baía de São Marcos até a Baía de todos os Santos)
A Plataforma Continental deste trecho é caracterizada pelo reduzido aporte
de sedimentos terrígenos devido à incipiente drenagem hidrográfica que a
acomete. Possui uma largura média entre vinte e trinta milhas, sendo constituída
por fundos irregulares, com formações de algas calcárias. Uma característica
notável da costa, especialmente entre Natal e Aracaju, é a barreira de recifes. O
ambiente oceanográfico é dominado pela Corrente Sul-equatorial, que se bifurca
ao encontrar a massa continental, nas correntes Norte do Brasil, rumo às Guianas,
e do Brasil, na direção sul. Do ponto de vista biológico, a região é oligotrófica7,
apresentando baixas densidades de fito e zooplâncton.
7
Ambiente em que há pouca quantidade de compostos de elementos nutritivos de plantas e
animais. Especialmente usado para corpos d'água em que há pequeno suprimento de nutrientes e
daí uma pequena produção orgânica (ODUM, 1983).
84
Neste macrocompartimento é possível perceber a influência dos sedimentos
na expansão da plataforma de maneira mais intensa
A plataforma continental interna, como a própria plataforma
continental, é estreita e rasa. Sua largura até a isóbata de 50
metros é da ordem de 70 quilômetros, não muito distante da
quebra da plataforma, que ocorre a uma distância da ordem de 80
km, em profundidades de apenas 70 a 80 metros. O recobrimento
da plataforma continental interna é predominantemente de areias, e
a presença desse estoque, que transborda sobre o litoral, formando
os extensos campos de dunas denominados Lençóis Maranhenses
e de outros, de menor expressão, deve, apenas em parte, estar
associado ao aporte de sedimentos fluviais. A estes deve-se somar
o resultado do selecionamento dos sedimentos oriundos da
retrogradação dos depósitos sedimentares do Barreiras e
concomitante alargamento da plataforma continental (Muehe, 1998:
293, 4).
No litoral nordeste, Muehe (1998), faz referência ao macrocompartimento
Costa dos Tabuleiros Centro, que se estende do Porto de Pedras à foz do Rio São
Francisco e cuja plataforma interna tem largura que se confunde com a largura da
própria plataforma continental (figura 3.3). Outro dado diz respeito ao litoral de
Pernambuco, livre de deltas, em função do aporte pequeno de sedimentos fluviais,
traduzindo que a principal fonte de sedimentos, na formação das praias, cordões
litorâneos e pontais, é a própria plataforma continental interna.
85
Figura 3.3 Configuração do Litoral Nordeste
Fonte: Muehe, 1998
3.1.3 Costa Leste ou Oriental (de Salvador a Cabo Frio)
Nessa área (figura 3.4) o aporte fluvial é significativo, com presença de
planícies costeiras em forma de delta, tais como as planícies dos rios
86
Jequitinhonha e Caravelas, na Bahia, Doce, no Espírito Santo, e Paraíba do Sul,
no Rio de Janeiro.
A expansão da Plataforma Continental, na direção leste, formada pelos
bancos submarinos das cadeias Vitória-Trindade e de Abrolhos, provoca um
desvio da Corrente do Brasil e uma perturbação da estratificação vertical, trazendo
água de profundidade à superfície. O enriquecimento das águas devido ao aporte
de nutrientes vai permitir a existência de recursos pesqueiros relativamente
abundantes nessa região. A região de Cabo Frio representa um dos mais
significativos limites nos aspectos de: processos oceanográficos (clima de ventos,
ondas, correntes horizontais e verticais); geológicos (limite entre as bacias de
Campos e de Santos) e biológicos. Por esse motivo, a região é uma das mais
interessantes sob o ponto de vista de produtividade dos ecossistemas8.
8
Há uma anterior referência a essa região no capítulo “O Domínio do Mar: conflitos e Distensões...”
na abordagem sobre a plataforma continental e seus recursos.
87
Figura 3.4 Configuração do Litoral Oriental
Fonte: Muehe, 1998
3.1.4 Litoral do Sudeste (de Cabo Frio ao Cabo de Santa Marta)
A principal característica desta área é a proximidade da encosta da Serra do
Mar, que, em muitos pontos, chega diretamente ao mar. A partir de Cabo Frio,
observa-se a regularização do fluxo da Corrente do Brasil, descrita no Capítulo
“Geografia Marinha e Direito do Mar”, e a mudança de sua direção para sudoeste,
88
pela alteração da linha de costa e pelo alargamento da Plataforma Continental.
Neste ponto, o aporte de água doce, nutrientes e poluentes, devido às descargas
das baías de Guanabara e Sepetiba, representa um impacto significativo sobre a
Plataforma Continental, enquanto essas baías ou estuários desempenham uma
importante função no ciclo biológico de espécies marinhas. De São Vicente até a
Ponta do Vigia, em santa Catarina, a linha de costa se apresenta retilínea, com
longos arcos de praias à frente de planícies costeiras e estuários com grande
produtividade, como os de Santos, Cananéia, Paranaguá, Guaratuba e São
Francisco do Sul.
Figura 3.5 Configuração do Litoral Sudeste
Fonte: Muehe, 1998.
89
3.1.5 Litoral Sul (do Cabo de Santa Marta ao Chuí)
Caracterizado por uma linha de costa retilínea, monótona, à frente de
sucessões de cordões litorâneos, em muitos pontos recoberto por campos de
dunas e inúmeras lagunas, com destaque para a Lagoa dos Patos e Mirim. Ao sul,
um ramo costeiro da Corrente das Malvinas vai alcançar a zona eufótica sobre a
Plataforma Continental. A disponibilidade de nutrientes, derivada dessa água e do
aporte de águas de origem continental, contribui para o enriquecimento da região,
favorecendo a ocorrência de importantes recursos pesqueiros.
90
Figura 3.6 Configuração do Litoral Sul
Fonte: Muehe, 1998
Após a descrição do litoral brasileiro, observando suas características
específicas, passamos a relacioná-las a muitas das questões que permitem as
solicitações voltadas à ampliação jurídica de seus limites, relacionadas à
plataforma continental brasileira. Em função de outras peculiaridades físicas,
determinou-se a instalação de portos e a navegação de cabotagem (marítima de
porto a porto), cuja discussão será aprofundada no capítulo IV dessa pesquisa. Em
função desses fatos são delineadas as análises geopolíticas do Brasil, uma vez
entenderemos como são estabelecidas condicionantes capazes de determinar as
91
diretrizes estratégicas e a possibilidade da instalação de um Poder Marítimo
nacional no Atlântico Sul.
3.2 – Geopolítica Sul-Atlântica e a Constituição do Mar Territorial no Brasil
Alfred Thayer Mahan, em “O Poder Marítimo e a Sua Influência na História”,
considerou que a posição geográfica, a configuração física (incluindo produção
natural e clima), a extensão do território, a população, o caráter do povo, o caráter
do governo, transparecido pelas instituições nacionais, são as condições que
afetam o Poder marítimo das nações (CNIO, 1999). Flores (1972) e Oliveira
(1989), adaptam e aplicam tais condicionantes em função da realidade brasileira.
Assim, o fator “posição” é explicado pela face leste do país, representada por uma
faixa litorânea articulada através do mar às Américas, à Europa, à África, Ásia e à
Oceania, além dos países da costa ocidental da América do Sul. A “configuração
física”, anteriormente detalhada no início deste capítulo, reza a favor de um litoral e
de bacias hidrográficas privilegiadas sob o ponto de vista do potencial de
escoamento de produção, face à necessidade gerada pelo aumento da mesma no
Brasil. A observação desses fatores induz à conclusão de que o Brasil tem, em
relação às nações marítimas, um lugar privilegiado:
(...) posição geográfica e estratégica voltada para o Atlântico,
eqüidistante dos centros mundiais de decisão; projetado como
ponte para a África Austral, ligado ao resto do mundo por
transporte marítimo, dotado de portos de águas profundas; extenso
litoral povoado na costa sudeste e nas cidades mais importantes do
Sul e do Nordeste; inserção entre os grandes produtores mundiais,
evidenciando a necessidade de aumentar a capacidade de
comunicação pelo mar; clima favorável. Quanto à questão da
mentalidade marítima, pode-se afirmar que ela existe no Brasil,
ainda que de forma difusa e mal informada em certos aspectos.
(CNIO, 1999: 352)
A respeito do oceano Atlântico, como rota indispensável ao comércio
exterior, Meira Mattos, em sua obra “A Geopolítica e as Projeções do Poder” de
92
1977, ressalta o seu papel para o Brasil, denominando de “(...) a articulação do
território” (figura 3.X):
Considerando-se a projeção da nossa costa atlântica abrangendo,
ao sul, a Antártica, e ao norte o Caribe, a ilha da Madeira e
Gibraltar, defrontamos vis à vis com vinte novas repúblicas
instaladas na costa Atlântica da África, criadas a partir do final da
segunda Guerra Mundial, todas vindo de status coloniais. Além dos
países africanos, o Atlântico nos garante comunicação fácil, já
tradicional, com o Uruguai, Argentina e uma ponta do território
chileno, na entrada do Estreito de Magalhães. (...) o Atlântico nos
assegura uma articulação direta com cerca de 50 países, a terça
parte dos membros da ONU. E uma articulação indireta com o
resto do planeta. Esta é uma visão renovada do panorama
geopolítico que gravita em torno do Atlântico Sul (...). (op.cit.: 88).
Os aspectos geopolíticos9 relacionados à fronteira marítima brasileira
também são relacionados por Meira Mattos, em sua obra “Geopolítica e Teoria de
Fronteiras”, de 1990. Segundo esse autor, nossa fronteira apresenta, quando se
considera a posição, dois segmentos: o segmento Norte-Sudoeste – do cabo de
São Roque ao Arroio Chuí e o segmento Este Oeste – do cabo de São Roque ao
rio Oiapoque. O primeiro segmento, associado ao Atlântico Sul, estaria vinculado
“(...) à estratégia do Atlântico Meridional.” Assim, sob o ponto de vista estratégico,
ou seja, o fator geográfico de integração, o Atlântico Sul estaria limitado ao norte
pelo estreito do Atlântico, “(...) a linha imaginária Natal-Dakar”, denominada “ponte
estratégica do Atlântico Sul” pelo Presidente Roosevelt, durante a 2ª Guerra
Mundial (Meira Mattos, 1990: 69).
Diante do saliente nordestino, está o estreito do Atlântico, vis-à-vis
ao saliente senegalês, estendendo-se a rota Natal-Dacar em
apenas 3 500 km, menor do que a distância em linha reta do Rio a
Cruzeiro do Sul, no Acre, ou a Boa Vista, no Território de Roraima
(op.cit., 1977: 90)
9
Por aspectos geopolíticos, entendemos os estímulos oriundos da extensão geográfica, do
povoamento, da economia, da posição geodésica e da posição face à comunicação com o mundo
exterior” (op.cit.: 67).
93
Quanto ao segmento Norte-Sudoeste, neles estão localizados os principais
portos, tais como Santos, Rio de Janeiro, Paranaguá, concentrando os interesses
econômicos exteriores em direção à América do Norte, Europa Ocidental, Oriente
Médio e Extremo Oriente, além de permitir a ligação com os países vizinhos
Uruguai, Argentina e Paraguai, pelo rio da Prata. Em sentido oposto, esse mesmo
segmento está em frente à costa ocidental do continente africano (figura 3.7 e 3.8).
Nesse ponto, tendo em vista os dias atuais, Pesce (2006:33), membro do Centro
Brasileiro de Estudos Estratégicos (CEBRES) e do U.S. Naval Institute, esclarece a
importância da hegemonia no Atlântico Sul:
O litoral brasileiro também se projeta como uma cunha, de leste
para oeste, em direção à África, onde os problemas causados pela
instabilidade política e econômica e por violentas guerras étnicas e
tribais somam-se aos provocados por doenças como a Aids e pela
fome e miséria endêmicas, resultando em altíssimos níveis de
mortalidade e na redução da população. Tudo isso contribui para
tornar aquele continente extremamente vulnerável aos interesses
econômicos e militares das grandes potências. A possibilidade de
instalação, por alguma potência alienígena, de bases aéreas e
navais na áfrica Ocidental – de onde o litoral e o território
brasileiros, assim como as rotas marítimas do Atlântico, pudessem
ser ameaçados – constitui um risco para o Brasil.
Segundo Meira Mattos (1990: 69), o segmento Norte-Sudoeste é aquele que
permite a comunicação com todos os países do mundo, caracterizado pela
natureza física do seu litoral “(...) com suas baías, cabos e promontórios,
facilitando a articulação do mar com a terra”. As ligações com o Noroeste e Norte
da África, Europa Ocidental, canal do Panamá, Caribe e América do Norte tornam-
se mais próximas através dos portos localizados no segmento Este-Oeste, em
Fortaleza, Itaqui (junto a São Luiz) e Belém.
94
Figura 3.7 A Projeção Geo-Estratégica do Brasil
Fonte: Mattos, 1990
95
Figura 3.8 O Estreito do Atlântico e a Rota do Cabo
Fonte: Mattos, 1977
As questões relacionadas à maritimidade e à continentalidade são, segundo
Meira Mattos, as maiores influenciadoras sobre o meio geográfico e, por isso, em
sua opinião, os países deveriam aprender a valorizar suas principais
características a fim de valorizar seu território. O Brasil, em especial, combina
influências “(...) a maior costa atlântica entre todos os atlânticos e a maior fronteira
terrestre entre todos os países americanos (...)” (op.cit., 1977: 105), necessitando,
por isso, explorar ambas potencialidades que possui. No entanto, mais uma vez
pode-se considerar o fato de terem existido, ao longo da história, algumas
condições que afetaram as políticas direcionadas ao desenvolvimento da
maritimidade brasileira. Em contrapartida à relevância do papel das bacias
hidrográficas na interiorização - e expansão - do território, Meira Mattos (1977),
observa que, comparativamente, em relação às fronteiras marítimas, a
preocupação era de, sobretudo, protegê-las e não ampliá-las. Os movimentos de
defesa ocorreram em conseqüência das sucessivas tentativas de invasão, tais
como a invasão francesa do Rio de Janeiro, Villegaignon; a invasão francesa no
96
Maranhão, em 1612; as tentativas de ocupação da foz do rio Amazonas, pelos
ingleses, de 1613 a 1637; dentre outras. Ou seja, a disposição de proteção das
fronteiras marítimas preponderou sobre a disposição de alargamento. “Sobre a
fronteira marítima há uma velha tendência de prolongá-la sobre o mar para fins de
proteção do território.” (MEIRA MATOS, 1990 :70).
A colonização de um vasto espaço continental, possivelmente teria
encoberto o potencial marítimo, uma vez que a concentração nas buscas das
riquezas (vegetais e minerais) e a necessidade de fixação na terra a fim de
protegê-la dos invasores se constituíam em ameaças. Por esse motivo, o mar
esteve relegado, encoberto pelo continente que se vislumbrava.
Apesar de ocupar posição proeminente e ter seu núcleo geo-
histórico assentado em torno do Atlântico Sul, o Brasil não se
constituiu em um Estado marítimo, nem sequer desenvolveu uma
política sistemática para integrar o oceano na política nacional
brasileira, pelo menos até a década de 70. Uma das razões foi a
disposição de um imenso espaço continental aberto à colonização
de tal forma, que as políticas nacionais não incluíram o mar como
elemento primordial ao desenvolvimento da nação. Em
conseqüência disso, não se atribuiu uma importância relevante ao
desenvolvimento do poder naval, o que fez com que o Brasil se
subordinasse às políticas navais das grandes potências, sobretudo
a partir da Segunda Guerra Mundial, quando o país caiu sob forte
dependência e tutela estratégica da marinha norte-americana.
(PENHA, 1998)
Parte desse desapego ao desenvolvimento de uma política marítima pode
ser percebida através dos fundamentos da Geopolítica brasileira do início do
século XX, cujo conteúdo é voltado para uma valorização da nação em relação a
sua posição continental e não marítima, sobretudo nos trabalhos de Mário
Travassos, contidos na obra “Projeção Continental do Brasil”, citada
anteriormente. Nela, Travassos, descreve uma articulação dos transportes
marítimos, terrestres e aéreos, objetivando valorizar “(...) sua posição geopolítica
no contexto continental“. A questão da continentalidade em Travassos é apoiada
pela maritimidade e não ao contrário "(...) o conceito geopolítico predominante
97
será o de uma estratégia continentalista apoiada pela maritimidade que margina a
área" (Meira Mattos, 1977: 81).
O fato decisivo, quando se olha para o conjunto do território
brasileiro, engastado na massa continental sul-americana, reside
nas notáveis possibilidades viatórias, já em franca manifestação
prática, que se traduzem, quer na força de atração do Amazonas,
quer na capacidade coordenadora do litoral atlântico em relação a
ambas essas altas manifestações de potencial econômico e político
que o Brasil tem em suas mãos. (...) Nossa influência se faz sentir
em ambos os compartimentos das bacias amazônica e platina; as
abertas andinas como que ligam a bacia amazônica ao litoral do
Pacífico; a faixa litorânea de nosso território e o nosso litoral
rematam todas essas nossas possibilidades na vertente atlântica.
Sobre essa base, levando em conta os interesses internos como os
continentais, é que deveríamos traçar nossa política de
comunicações (...) (...) que se deveria valer de todos os meios de
transportes e conjugadamente. (Travassos, 1937: 144 – 152)
Este panorama, que expressa a pouca desenvoltura nas questões de
expansionismo das fronteiras marítimas, refletiu-se, como não poderia deixar de
ser, também no aspecto jurídico dos limites marítimos brasileiros, embora não
somente no Brasil. As bacias hidrográficas brasileiras têm expressivo papel nos
dias atuais, assim como, tiveram no período de colonização e expansão do
território, com conseqüências diretas sobre a constituição do Direito Marítimo
brasileiro. Sobre a influência das hidrovias, a despeito do seu imenso potencial, só
foram utilizados como componentes de uma política de transporte no período
colonial e durante o Império brasileiros, de maneira oposta ao que ocorre com
países como os E.U.A., por exemplo. Segundo dados fornecidos pela Agência
Nacional de Águas, a participação representa 13, 86% de carga transportada,
valores que incluem tanto a navegação de cabotagem, quanto a navegação
interior, realizada nas redes fluviais. O relatório aponta como causa da baixa
utilização, o baixo orçamento destinado às tentativas de expansão e criação de
transportes modais.
No tocante às bacias, estas serviram e ainda o fazem, como palco das
relações comerciais internas e com os países da América do Sul, comprovadas
pelo volume da navegação aí estabelecida, embora Caixeta Filho (2001),
98
considere que a principal razão contribuinte para que o Brasil não venha a ter um
desenvolvido complexo hidroviário reside no fato de que os rios brasileiros não
teriam estabelecido ligações com centros comerciais importantes, com a criação
de complexos modais de transporte, integrados. Tamanha relevância atribuída ao
comércio explica o fato de ter sido o “Código Comercial Marítimo10”, criado em
1850, o regulador das atividades marítimas até a revolução no ano de 1930,
quando o intervencionismo estatal atinge novas proporções, reformulando a
legislação, e, assim, também atingindo diversos setores da economia (SALGUES,
2003).
No caso brasileiro, o Código Comercial Marítimo foi
regulamentador, acrescido de jurisprudência, de toda navegação
marítima, fluvial e lacustre. Além da extensão territorial litorânea, o
Brasil possui três grandes bacias hidrográficas onde a navegação é
intensa principalmente nas relações com os países da América do
Sul. O Direito Marítimo brasileiro esteve, portanto vinculado ao
comércio internacional, tendo sido este sua principal influência.
(LIMA, 1997: 13)
Segundo Castro Jr. (2000), o fato de ter o Código Comercial como
intérprete, traduz uma visão meramente econômica, regida por leis do direito
privado, das relações estabelecidas, no mar. À medida que o fator político
alcança proporções, ou seja, cresce o interesse do Estado e sua intervenção,
exemplificada pelo desenvolvimento da Marinha Mercante, o Direito Marítimo vai
sendo ampliado, passando a sofrer influência do Direito Público, e assim,
alcançando um conteúdo mais abrangente daquele contido nos códigos de
comércio formulados nos primeiros momentos. No Brasil, passam a ser
observadas as leis do Direito do Mar, em consonância com as Convenções
internacionais. Ao proceder dessa maneira, o Estado universaliza nossa fronteira
10
o Código Comercial, promulgado pela Lei n. 556, de 25 de junho de 1850, passou a
regulamentar na sua Parte Segunda, o comércio marítimo, parte esta que foi mantida pelo Código
Civil de 2002, no seu art. 2.045, embora a maior parte da legislação marítima brasileira esteja
esparsa em diversas leis. O Código Comercial Brasileiro de 1850 (CCB) mantido pelo Código Civil
de 2002, regulamenta parte substancial do Direito Marítimo nos arts. 457 a 796, através de dez
títulos.
99
marítima, adequando-a as novas realidades, tornando-a aberta ao intercâmbio
com todas as partes do globo (Meira Mattos, 1977).
O que se vê é a potencialidade do movimento interno brasileiro
retratado pelo movimento intenso de mercadorias pelas vias marítimas e a
necessidade de criar um “corredor” interno, tendo em vista a utilização de suas
bacias. Assim, o Brasil, por suas dimensões continentais e fronteiras terrestres
consideráveis, possui fortes interesses marítimos, contando com rotas
estratégicas, com vasto mar patrimonial – duzentas milhas marítimas de largura –
e litoral igualmente significativo. Além disso, a complexa rede fluvial descrita,
contando com as bacias de importante movimento internacional – a Amazônica e a
do Prata – obrigam uma “dupla” performance por parte da sua Marinha, ou seja,
que essa seja capaz de atuar em “(...) águas profundas, assim como em águas
costeiras e fluviais”. (PESCE, 2006: 35). Essas características, intrínsecas ao
território brasileiro, serão fundamentais para a evolução histórica de seus limites
marítimos, como veremos a seguir.
Até 1970, apenas alguns países latino-americanos, afro-asiáticos e
somente um desenvolvido (Islândia), haviam estabelecido além das doze milhas o
seu direito de soberania. Os países latino-americanos que realizavam suas
reivindicações o faziam aludindo sempre ao pioneirismo dos E.U.A., baseando-se
na Doutrina Truman, ainda que de forma equivocada, uma vez que “(...) a Doutrina
Truman refere-se apenas à plataforma continental e tem por objetivo enfatizar a
preservação do caráter de alto-mar das águas sobrejacentes” (CASTRO, 1989:
11). Desta maneira, podemos constatar o caráter precursor da América Latina em
relação ao processo de ampliação das jurisdições marítimas nacionais, evocando
assim a noção de soberania.
Através da observação do quadro comparativo a seguir, é possível
compreender o “efeito dominó” característico do processo de ampliação das
jurisdições marítimas na América Latina:
100
Tabela 3.1: Ano de Implementação do Mar Territorial em
Países Latino-Americanos
País Ano
Argentina 1946
Chile 1947
Peru 1947
Costa Rica 1948
El Salvador 1950
Honduras 1951
Brasil 1960
Fonte: Castro, 1989. Organizado por: Mendes, 2002
Embora a Argentina tenha declarado formalmente a soberania nacional
sobre o mar que se estende sob a sua ampla plataforma continental em 1946,
Chile e Peru foram os primeiros a fixar em duzentas milhas a extensão das águas
adjacentes as suas costas (1947), seguidos por Costa Rica (1948) e Honduras
(1951), Chile e Peru, acompanhados pelo Equador, adotaram a Declaração de
Santiago sobre a zona marítima, pela qual os três proclamaram sua “(...) soberania
e jurisdição exclusiva sobre o mar até a distância mínima de 200 milhas” (op.
cit.:.12). A Nicarágua aderiu em 1965 e em 1966 a Argentina redefiniu em 200
milhas de largura a sua soberania. A esses oito países latino-americanos
somaram-se o Panamá, em 1967 e o Uruguai, em 1969. Em todos os demais
países, as faixas de mar reivindicadas a fim de compor o mar territorial, e de zona
contígua ou de pesca não passavam de doze milhas, até o início de 1970.
Com relação aos países em desenvolvimento, o limite estreito de suas
jurisdições marítimas, segundo alguns autores, pode estar relacionado as suas
heranças provenientes do período colonial, em sua maior parte, ou seja, ao
período de submissão imposto pelos países colonizadores. Os chamados países
101
jovens não tinham ainda tomado consciência plena nem da importância,
principalmente econômica, dos mares adjacentes a seus litorais, nem do fato de
que seus interesses próprios no assunto eram diversos dos países
industrializados, muito mais preocupados com a “(...) liberdade de ação das suas
esquadras militares, para seus navios mercantes, suas frotas pesqueiras e suas
expedições científicas” (CASTRO, 1989: 13). Analisando sob este ângulo,
procura-se entender porque os países latino-americanos, influenciados pelos
seus ideais de independência, foram aqueles que tomaram a iniciativa de
reivindicar unilateralmente seus direitos sobre faixas extensas das águas que
banham seus litorais. Além destes, o único país afro-asiático que adotou um Mar
Territorial de duzentas milhas antes de 1970 foi Guiné-Conacri, recém-
independente e tomada por decisivas opiniões anticolonialistas.
Desta maneira, até o início da década de 70 a grande maioria dos Estados
se recusava a reconhecer qualquer forma de soberania ou jurisdição do Estado
Costeiro nas águas situadas além de doze milhas de seu litoral. E para a maioria
desses Estados (principalmente para as tradicionais potências marítimas) não
existia nem mesmo a obrigação de reconhecer mares territoriais acima de três
milhas.
3.2.1 A Constituição do Mar Territorial no Brasil
Desde pelo menos metade do século XIX, o Governo havia fixado o limite
de três milhas para a largura do seu Mar Territorial.11 Em 19 de outubro de 1938,
pelo Decreto nº 794, o Brasil estabeleceu um regime de direitos exclusivos de
pesca até a distância de doze milhas. Em 8 de novembro de 1950, aludindo à
proclamação norte-americana de 1945, o Governo brasileiro integrou a
plataforma submarina ao território nacional. Apesar disto, até 1966 a distância de
três milhas marítimas atribuída ao limite do Mar Territorial foi mantida. Através de
11
Circular nº 92, de 31 de agosto de 1850, do Ministério da Guerra, Decreto nº 5793 de 11 de
junho de 1940.
102
um novo Decreto, em 18 de novembro de 1966, o Brasil acrescentou três milhas
estabelecendo assim uma faixa adicional, até a distância de doze milhas do
litoral, com as características de Zona Contígua e de Zona de direito de pesca
exclusivos (CASTRO, 1989).
A Constituição de 24 de janeiro de 1967, apesar de não definir a extensão,
incluiu o Mar Territorial e a Plataforma Continental entre os “Bens da União”12. O
Regime das “seis milhas mais seis milhas” foi finalmente substituído em 25 de abril
de 1969, por um decreto que transformou em Mar Territorial a totalidade da faixa
de doze milhas marítimas, legislação que não chegou a completar um ano de
vigência, como veremos a seguir. O ano de 1967 vai marcar o início do processo
de reformulação do Direito do Mar, na Assembléia Geral das Nações Unidas, como
visto no capítulo “O Domínio do Mar: Conflitos e Distensões...”, e no Brasil a
repercussão é a criação da Comissão Interministerial sobre a Exploração e
Utilização dos Fundos dos Mares e Oceanos (CIEFMAR). Posteriormente, em
1970, é instituída a Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM),
fruto da recomendação da formação de um Grupo de Trabalho para estabelecer as
bases de uma Política Nacional sobre os Recursos do Mar (PNRM), formulada
pela Assembléia Geral (CNIO, 1998: 28).
No dia 25 de março de 1970, ao estender unilateralmente de doze para
duzentas milhas marítimas a distância do Mar Territorial, o Governo optou pela
mais radical das medidas à sua disposição visando proteger os interesses do país
no mar adjacente às suas costas. (MATTOS, 1996). O Decreto-lei nº 1098 foi
adotado e constituía-se em uma decisão “(...) internacionalmente contestável,
ainda que justificável” (CASTRO, 1989: 17), uma vez que representava os
interesses nacionais legítimos. Agindo desta forma, o Governo brasileiro seguia o
que pode se chamar de uma tendência comum à América Latina de então, e
compreensível, porque não havia uma norma de direito internacional que fixasse
a largura máxima do Mar Territorial, impedindo assim tal ato. Até essa data -
12
A constituição de 1988 define como “Bens da União” o Mar Territorial e os recursos naturais de
Plataforma Continental e da Zona Econômica Exclusiva.
103
março de 1970 - o Brasil foi extremamente cauteloso no que se referia ao direito
do Mar (BUSTANI, 1971). Isto fica evidente na leitura da Exposição de motivos,
de 9 de março de 1970, onde os próprios ministros da Marinha e das Relações
Exteriores, ao submeterem ao Presidente da República o projeto de decreto-lei de
ampliação para duzentas milhas, ressaltaram sua “(...) clara convicção de que o
Brasil deve modificar de modo decisivo sua orientação (...) o conservadorismo e o
tradicionalismo histórico devem ceder lugar à dinâmica das necessidades sociais,
políticas e econômicas de seu povo.”13
3.2.1.1 O Decreto-Lei Nº 1 098 e suas Repercussões
Em 25 de março de 1970, o Governo determinou que “(...) o Mar Territorial
do Brasil abrange uma faixa de 200 milhas marítimas de largura, medidas a partir
da linha de baixa-mar do litoral continental e insular brasileiro” (Decreto-Lei nº
1.098 de 25 de março de 1970, artigo 1º, em anexo).
O Brasil, ao contrário de alguns outros países latino-americanos, que
evitaram usar o termo “Mar Territorial” em seus textos legais, demonstrou de
modo claro através de sua legislação, que sua reivindicação era referente a um
Mar Territorial propriamente dito em toda a extensão das duzentas milhas.
Segundo Castro (1989), a expressão é utilizada onze vezes ao longo do texto do
Decreto. Concretiza-se, assim, o direito de liberdade de navegação na faixa entre
doze e duzentas milhas marítimas de distância da costa e a “(...) soberania do
Brasil estendida no espaço aéreo acima do Mar Territorial, bem como ao leito e
subsolo deste mar”, expressos no artigo 2º. Ainda segundo este autor, a
assinatura do Decreto é o resultado de alguns fatores e não apenas de um único
fator político, diplomático, jurídico ou de segurança.
No início de 1970 é forte a consciência política de que o Estado deveria
assumir o mais rapidamente o controle da área marítima além das doze milhas a
fim de proteger os interesses brasileiros econômicos e de segurança. Como
13
Exposição de motivos DNU/56 50272, de 9 de março de 1970.
104
justificativa, são citados os seguintes pontos: em primeiro lugar, o problema de
ordem econômica, apresentado pela necessidade de defesa do potencial
biológico marinho brasileiro; em segundo, ênfase ao aspecto político da questão,
pela adoção de uma solução coincidente como a que tende a prevalecer em toda
a América Latina, o que permitiria a formação de uma frente única latino-
americana nos foros internacionais; e, finalmente, a questão de segurança que
seria beneficiada com o reconhecimento jurídico da soberania nacional
necessário como respaldo à nação em eventuais abordagens estrangeiras. Para
Meira Mattos (1977: 90), as razões que fizeram com que o governo brasileiro
ampliasse seus limites, têm motivação econômica:
Foram estas as razões que levaram o governo brasileiro, após um
longo período de aproximações com o problema, ter se decidido,
em 1970, adotar o mar territorial de 200 milhas, com o que
incorporou ao patrimônio de nossa soberania uma área do Atlântico
equivalente a 3 milhões de quilômetros quadrados.
Um exemplo relacionado à questão econômica decorre do episódio ocorrido
nas águas brasileiras, em fins do ano de 1962, conhecido como “a Guerra da
Lagosta”. A interpretação de uma norma jurídica (o artigo 2 da Plataforma
Continental de 1958) em vigor na época, que declarava que “(...) os Estados
costeiros exercem direitos soberanos sobre a plataforma continental para efeitos
de exploração e aproveitamento dos seus recursos naturais14”, provocou um grave
incidente diplomático entre o Brasil e a França. A lagosta, segundo os franceses,
não poderia ser considerada recurso natural da plataforma continental, uma vez
que, para movimentar-se, nadaria na massa líquida. Contrariamente, o Brasil
defendia a tese de que a lagosta, não usaria a massa líquida e, sim, o solo
marinho, onde o deslocamento ocorreria por saltos e, portanto, deveria ser
considerada como um recurso natural da plataforma continental. Após a retenção
14
Como vimos, a definição de recursos naturais compreende não só os minerais e outros não-
vivos do solo e do subsolo marinhos, mas também os organismos vivos pertencentes a espécies
sedentárias, isto é, aquelas que, no período da captura, estão imóveis nessa mesma região ou só
podem mover-se em constante contato físico com ela. Sobre esse item em particular, que define os
organismos vivos pela sua mobilidade, se baseou a argumentação da Guerra da Lagosta.
105
de barcos de pesca franceses por navios de guerra brasileiros, no Nordeste, a
França deslocou navios de guerra para a região. A guerra não ocorreu, mas, para
Vidigal (2005: 24) “(...) a discussão sobre o meio de locomoção da lagosta
contribuiu para o estabelecimento das disposições da futura Convenção, que viria
a entrar em vigor em 1994”.
Por fim, há um motivo bastante forte associado à política interna brasileira,
apontado por alguns autores como o principal, no que se refere à ampliação
prevista no decreto-lei. Ainda que a possibilidade de um ataque naval sobre o
litoral brasileiro soasse quase impossível nesta época, havia um interesse real em
impedir que atividades relacionadas à espionagem por parte de navios
estrangeiros pudessem ocorrer. Além disso, a ameaça de instalação de ogivas
militares nas áreas próximas às costas brasileiras, ou ainda, a probabilidade de
que as atividades de guerrilha que se processavam no território nacional
pudessem vir a ter apoio de potências estrangeiras, recebendo-o através do mar.
Internamente, o decreto-lei nº 1098 teve resposta amplamente positiva. Uma
verdadeira “onda ufanista” foi criada a partir da medida expansionista. Lembremo-
nos, portanto, da criação da Transamazônica, do tricampeonato mundial de futebol
e de lemas como: “Brasil, ame-o ou deixe-o”, “Ninguém segura este país”, dentre
outros (CASTRO, 1989).
Previsivelmente, as repercussões externas eram de apoio, principalmente
dos países latino-americanos. De forma contrária, porém não menos previsível,
países como Bélgica, Estados Unidos, França, Japão, Alemanha e União
Soviética manifestaram seu protesto. Desta forma, a expansão territorial
representada pelas duzentas milhas será uma referência a partir desta data pelos
anos que se seguem até a III Convenção (1982), quando o objetivo será limitar a
soberania territorial às doze milhas marítimas:
106
A concepção brasileira de soberania territorial plena sobre toda a
faixa de duzentas milhas marítimas, limitada apenas pelo
reconhecimento do direito de passagem inocente, e a denominação de
“mar territorial” dada a essa extensa área no Decreto-lei nº 1098 são
dificilmente conciliáveis com as disposições da futura Convenção, que
limitam a soberania territorial a uma faixa de doze milhas e
estabelecem, até o limite de duzentas milhas, um regime sui generis,
distinto do de mar territorial e do de alto-mar, no qual uma ampla gama
de direitos do estado costeiro é reconhecida sem prejuízo dos direitos
de navegação de outros Estados (Castro, 1989: 68).
Segundo Castro, com a assinatura da Convenção sobre o Direito do Mar,
o governo brasileiro cede às pressões geradas pelas grandes potências, uma vez
que o projeto é, em geral, omisso e dúbio, principalmente quando se refere aos
usos militares da área entre doze e duzentas milhas. Isto porque nele não há
reconhecimento, mas também não uma negativa, do direito de outros Estados
utilizarem a área para fins militares. Também não reconhece, assim como não
nega, o direito do Estado Costeiro de proteger a segurança desta área. Assim,
como descrito no capítulo “O Domínio do Mar: Conflitos e Distensões...” desta
pesquisa, a Terceira Conferência, culmina com a assinatura, em Montego Bay, na
Jamaica, a 10 de Dezembro de 1982, sendo ratificada pelo Brasil em 22 de
Dezembro de 1988, revogando-se assim, o Decreto-lei nº 1098. Esta lei encontra-
se em vigor ainda nos dias de hoje e o limite do Mar Territorial brasileiro é fixado
em doze milhas marítimas, medidas a partir da linha de base aplicável. A
soberania do Estado costeiro estende-se ao espaço aéreo sobrejacente, bem
como ao seu leito e subsolo, como podemos observar através de um trecho da
Lei nº 8.617/93 (em anexo):
O Mar Territorial brasileiro (arts. 1º a 3º) compreende uma faixa de
doze milhas marítimas de largura (extensão), a partir da linha de
baixa-mar do litoral (continental e insular) brasileiro, indicadas nas
cartas náuticas de grande escala, reconhecidas pelo Brasil. O
método das linhas de base retas, para o traçado da linha de base,
será o adotado nos locais em que a costa apresentar recortes
profundos e reentrâncias, ou em que existir uma franja de ilhas ao
longo da costa ou sua proximidade imediata.
107
Fica determinada a passagem inocente (ou seja, inofensiva) para todos os
navios, de todos os Estados, desde que não seja prejudicial à paz, à ordem ou à
segurança do país, devendo ser contínua e rápida. A passagem inocente
considera o “parar” e o “fundear” desde que isto ocorra decorrendo de um
incidente comum de navegação, ou seja imposto por motivo de força maior ou
por dificuldade grave, ou ainda, tenha por fim prestar auxílio a pessoas, a navios
ou aeronaves em perigo ou em dificuldade grave. Também fica determinado que,
no Mar Territorial brasileiro, todos os navios estrangeiros estão submetidos aos
regulamentos estabelecidos pelo governo brasileiro. Desta forma, todos os
detalhes relacionados à segurança da navegação, conservação dos recursos
vivos do mar, pesca, preservação do meio ambiente do Estado, investigação
marinha, dentre outros, ficam sujeitos ao governo. Além do Mar Territorial são
estabelecidos o limite e a legislação para as outras zonas marítimas - Zona
Contígua, Zona Econômica Exclusiva e Plataforma Continental (MATTOS, 1996).
Como visto no final do capítulo “Geografia Marinha e o Direito do Mar” a
elaboração de uma política marítima legítima engloba fatores diversos e,
especificamente no caso do Brasil, são inúmeros esses fatores:
(...) econômicos (recursos minerais e biológicos, fontes
energéticas); estratégicos (segurança nacional e regional aliada à
conjuntura de negociações globais); científicos (conhecimento
aprofundado do mar e do relevo submarino, assim como de seus
recursos); ecológicos proteção do ambiente marinho); tecnológicos
(ilhas artificiais, oleodutos, batiscafos, cabos submarinos de fibras
óticas, sensoriamento por satélites); axiológicos (metas de paz,
justiça, eqüidade, desenvolvimento); e geográficos (cerca de 8.500
km de linha real litorânea e um certo número de ilhas) (CNIO, 1998:
27).
Em função do grande número de interesses e de suas diversidades, e uma
vez terminada a Convenção, o Governo brasileiro subscreveu-a em dezembro de
1982, baseando-se no artigo 312 da Convenção. Dentre outros itens declarou
exercer direitos de soberania na plataforma continental, “(...) além da distância de
duzentas milhas das linhas de base, até o bordo exterior da plataforma
108
continental, como definido no artigo 76”. Tal subscrição deixa claros os interesses
do país e pode ser interpretada como uma manobra de adaptação à Conferência,
em função das “brechas” que a CNDUM permite. A promulgação de leis por parte
do Estado ocorre como tentativa de adaptação das leis internas às leis “externas”
e assim ocorre com a promulgação da lei nº 8617/93, onde o Brasil compatibiliza
seus limites com a Convenção da ONU, onde tanto a Convenção quanto a lei
falam em exercício de direitos de soberania sobre a plataforma, para exploração
e aproveitamento de seus recursos naturais (assim como na ZEE). Entretanto, no
Mar Territorial, como visto, há a plena soberania. Desta forma, a Lei citada
substitui o Mar Territorial de duzentas milhas por um de doze milhas, dentre
outras medidas.
O Brasil terá ainda, outras decorrências fundamentais, as quais será
dedicada a próxima seção desta pesquisa, tais como: o Projeto LEPLAC (Plano
de Levantamento da Plataforma Continental Brasileira); a Política Marítima
Nacional (PMN); IV Plano Setorial para os Recursos do Mar (PSRM) e o
Programa REVIZEE15.
A importância jurídica, política e estratégica desses documentos
advém da natureza mesma dos temas tratados. Podem ser citados,
inter alia, os seguintes: Mar Territorial; zona contígua; zona
econômica exclusiva; plataforma continental; atividades marítimas;
pesquisa; recursos naturais; paz e segurança; meio ambiente
marinho; pesca e produção pesqueira; investigação científica
marinha; passagem inocente e livre navegação; medidas de
fiscalização; construção de ilhas artificiais exercícios e manobras
militares; e exercício de direitos soberanos e de soberania (Mattos,
1996: 105).
Sobre a relevância destas repercussões este autor, as divide em aspectos
positivos e negativos. Como positivos, define aqueles que são apresentados no
preâmbulo da Convenção: segurança, autodeterminação, não intervenção,
cooperação, responsabilidade por danos e respeito à soberania (op.cit.: 136).
Vemos que as iniciativas de pesquisa são abordadas e apontadas como
15
Antes mesmo de ter entrado em vigor (em 16 de novembro de 1993), as adoções relacionadas já
haviam sido criadas (MATTOS, 1996: 109).
109
iniciativas tomadas pelo próprio Estado. Além desse fato “positivo”, aponta a
criação da ZEE de duzentas milhas (188 milhas, na realidade); a Plataforma
Continental de duzentas milhas (que, como assinalado, poderá ir até as trezentas
e cinqüenta milhas)16; a dilatação das liberdades do alto-mar, a garantia dos
interesses dos estados sem litoral; a Área (fundo do mar internacional) como
patrimônio comum da Humanidade; a normatização sobre os Estados
arquipelágicos e estreitos; e por fim, o estabelecimento de normas específicas
sobre a pesquisa científica marinha, conservação do meio ambiente marinho e
solução pacífica de controvérsias.
No entanto, os aspectos negativos também aparecem, quando as decisões
são tomadas pelo consenso e não pelo voto democrático, traduzindo assim, a
hegemonia dos países centrais em detrimento dos interesses dos países
periféricos. A possibilidade de cessão de cotas de exploração e explotação de
riquezas na ZEE ocasionam pressões internacionais por parte do G-7 (Estados
Unidos, Canadá, Japão, Reino Unido, França, Alemanha e Itália); investigações
científicas marinhas por parte de outros Estados também são permitidas, na ZEE
e na Plataforma Continental, ainda que para isso necessitem da autorização dos
Estados costeiros; a noção que envolve “patrimônio comum da Humanidade” na
Área também sofreu prejuízo e, por fim, o autor discute uma “certa timidez de
posições” por parte da Convenção, em relação a medidas de segurança e
soluções pacíficas, cuja adoção além de não obrigatória, muitas vezes é
impossibilitada, arrastando-se por período em que ocorrem discussões no
Conselho de Segurança da ONU.
Para complementar, a CNIO entende que a integração da ZEE ocorrerá de
forma gradual e lenta mas que a tese das duzentas milhas do Mar Territorial
16
A Comissão Nacional Independente sobre os Oceanos, considera também como vantagens a
ampliação da plataforma continental e o aumento do espaço marítimo do país em conseqüência de
regras aplicáveis às ilhas oceânicas brasileiras e, nesse sentido, salienta a inauguração da Estação
Científica do Arquipélago de São Pedro e São Paulo, a 500 metros da costa do Rio Grande do Sul,
como ações relacionadas ao asseguramento dos direitos frente a CNDUM (CNIO, 1998: 33).
110
manteve na Convenção de 1982 certa “continuidade e coerência”. Além disso, o
Tratado teria dado ao Brasil alguns benefícios:
Ampliação da plataforma continental brasileira; aumento do espaço
marítimo do país em conseqüência de regras aplicáveis às ilhas
oceânicas brasileiras; participação, com os benefícios daí
conseqüentes, no mecanismo operacional de exploração e
explotação dos fundos oceânicos; inserção num sistema global do
regime de todos os espaços oceânicos; e incorporação do país ao
mecanismo de solução de controvérsias internacionais (CNIO,
1998: 32)
Cumpre assinalar os compromissos assumidos pelo Estado brasileiro frente
à Conferência, tais como a elaboração de cartas marítimas e listas de
coordenadas geográficas com a indicação das linhas de base do Mar Territorial e
demarcação dos espaços marítimos brasileiros; a adequação da legislação
brasileira (vista na delimitação marítima); a adoção de medidas necessárias a
melhor gestão dos recursos vivos (REVIZEE) e de recursos minerais (Programa
REMPLAC17 –Programa de Avaliação da Potencialidade Mineral da Plataforma
Continental Jurídica Brasileira) e a conclusão de trabalhos de levantamento, com
vistas ao estabelecimento efetivo do limite exterior da plataforma continental
(programa LEPLAC) (op.cit.: 32).
As decorrências fundamentais citadas e que são apontadas como positivas,
assim como os compromissos assumidos pelo Brasil servem à análise do
próximo capítulo, por representarem a sua evolução na solicitação de seus
direitos.
17
Criado pela CIRM, em dezembro de 1997, para dar continuidade aos levantamentos efetuados
até então nos cerca de 4,2 milhões de km2 de plataforma continental jurídica. Essa ação é
necessária em face do nível de conhecimento adquirido desta região ser insuficiente para uma
avaliação mais precisa dos recursos naturais não vivos e dos processos geológicos atuantes,
dificultando o estabelecimento de políticas governamentais relativas à utilização de seus recursos.
111
Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), de 1982, além
da plataforma continental, visto que depende desse limite, em particular, a
ampliação da ZEE. Nesse ponto, caberá a demonstração de algumas das
possíveis manobras encontradas pelos Estados presentes na Conferência, a fim
de adaptar as leis do Direito Marítimo aos seus interesses. Por fim, analisar o
conceito jurídico de soberania, as abordagens conceituais de Território e relacioná-
los às delimitações do espaço marítimo.
2.1 – A Fronteira Marítima em Expansão e a Declaração Truman
O princípio da liberdade dos mares será endossado no século XVIII, com o
desenvolvimento das colônias no século anterior (XVII):
Com o desenvolvimento das colônias, a partir do século XVII, a
tendência foi a de defender a filosofia da liberdade de uso do mar para
fins estratégicos de mobilidade militar, de garantia de transporte de
mercadorias, da pesca em áreas distantes e do lançamento de
materiais poluentes (MUEHE, 2000:149).
As mudanças significativas ocorridas em âmbito econômico, político e social
no fim do século XVIII trazem também a necessidade de distinção entre o Direito
Público e o Privado, incluindo a área de Direito Marítimo1, uma vez que o século
XIX apresentará um ritmo econômico, influenciado pela evolução da indústria, pelo
volume de produção, assim como pela extensão e variedade de comércio, bem
mais complexo do que os séculos anteriores. Esse panorama geral foi igualmente
importante para as modificações ocorridas em todas as relações internacionais.
Novos princípios de Direito Internacional Público surgiram no Congresso de Viena
(1814/1815), estabelecendo-se, assim, uma nova ordem política na Europa. A
Santa Aliança, com sua política intervencionista, e a libertação das colônias
1
Sobre esse assunto ver o capítulo “A Geografia Marítima Brasileira e a Constituição do Mar
Territorial no Brasil”, em que a questão da distinção entre direito público e privado é mais bem
tratada.
40
espanholas e portuguesas na América, levaram o presidente dos Estados Unidos
da América, James Monroe, a estabelecer, a partir de 2 de dezembro de 1823, a
“Doutrina Monroe” - A América para os americanos – que introduziu uma
declaração política, nunca votada ou transformada em lei, tornando-se o eixo da
política externa americana por décadas. Afirmava que os Estados Unidos não
tinham nenhum interesse sobre colônias de países europeus na América, porém
se os europeus buscassem aumentar os seus domínios na América, esta atitude
colocaria em risco a paz e a segurança do próprio país. Com essa medida
objetivava-se, assim, a não recolonização dos recém-independentes países
americanos (COSTA, 1990).
Os Estados Unidos, ao fim da sua guerra civil (1886), surgem como uma
grande potência imperialista2, necessitada em exportar e cujos fins expansionistas
conferiam desenvolvimento a estratégias objetivando a dominação do mar e do
poder marítimo. Esse último passa a ser visto sob um novo ponto, não mais restrito
ao poder naval ou ao comércio marítimo, mas ligado à possibilidade de ter um
poder realmente nesta área, como afirmava Alfred Thayer Mahan, oficial da
marinha norte-americana e professor da “Naval War College at Newport”. Nesse,
contexto, cria-se a preocupação com o Direito Internacional (op.cit Costa, 1990).
A teoria do Poder Marítimo é desenvolvida por Mahan, considerado por
alguns autores o precursor da geopolítica associada ao poder naval e cujas idéias
acerca da expansão marítima são notórias. Mahan observou que a expansão
política, econômica e cultural constituía a base da grandeza nacional, assim como
um comércio exterior intenso estaria relacionado à acumulação de riquezas e sua
manutenção dependente de uma forte marinha mercante (TOSTA, 1984 e COSTA,
1992):
2
Os Estados Unidos, ao término de sua Guerra Civil, “(...) necessitavam exportar seus capitais
excedentes e produtos manufaturados além de importar matéria-prima essencial ao aumento da
sua atividade industrial, que se desenvolvia rapidamente onde o capital bancário era
especialmente aplicado, e sendo que a Marinha americana só superava a inglesa.” (LIMA, 1997:
48).
41
Concebe os oceanos e mares como um vasto espaço social e político
com características próprias que os distinguem dos espaços terrestres,
mas articulados a estes pelos portos e vias de comunicação interiores.
(...) As articulações com os continentes, até o advento das estradas
terrestres, dependiam quase que exclusivamente das vias navegáveis
interiores (rios, canais, etc.) (...). (...) Como estratégica básica,
aconselha, o país deverá, como medida preliminar, guarnecer suas
costas, dedicando atenção especial aos portos e vias fluviais de
penetração. (ALFRED MAHAN apud COSTA 1992: 71, 73)
Segundo Souza (2003), a conhecida obra do contra-almirante Mahan, “The
Influence Of Sea Power Upon History”, escrita em 1890, pregava, basicamente,
que uma nação marítima cuja proposição é de um grande futuro, deve dominar os
oceanos de forma a exercer influência global. Desta forma, o autor analisa o que
julga ser a influência da obra de Mahan, através das conquistas norte-americanas:
Essa obra teve, como conseqüências imediatas,a conquista do
controle do Caribecom a vitória dos Estados Unidos da América
(EUA) na Guerra Hispano americana de 1898, a construção do
canal do Panamá e a expansão do poder naval norte-americano
para o Pacífico (op.cit.: 4).
Para Lima (1997: 48), no entanto, a abordagem de Mahan não estava restrita
apenas ao poder naval ou ao comércio marítimo, mas também conclamava toda a
população de um país a envolver-se nas atividades marítimas, “(...) decorrendo daí
as possibilidades concretas de constituição de poder de fato nessa área.”3 (Apud in
Costa, 1990: 82). Assim, tendo em vista o envolvimento de todos, a dominação do
mar e do poder marítimo estariam resumidas aos seguintes elementos: produção e
troca dos produtos; navegação (possibilitando a troca); e as colônias, que
forneceriam apoio marítimo necessário à consolidação do domínio sobre os mares.
3
É interessante notar que a idéia conclamada por Mahan, ou seja, o envolvimento da população
de um país nas atividades marítimas, aparece como a base de um projeto ligado à estratégia de
fortalecimento do poder marítimo, o PROMAR, Programa de Mentalidade Marítima, desenvolvido
pela CIRM – Comissão Interministerial para os Recursos Marítimos – que considera importante
uma conscientização marítima por parte da população brasileira. Tal programa, iniciado em 1997,
tem por finalidade “(...) estimular, por meio de ações planejadas, objetivas e continuadas o
desenvolvimento de uma mentalidade marítima na população brasileira, consentânea com os
interesses nacionais” (VIDIGAL, 2005: 29)
42
Desta forma, a política mundial entre o final do século XIX até a primeira
Guerra Mundial caracterizava-se como uma nova etapa de domínio, um novo tipo
de imperialismo capitalista, não mais simplesmente colonial, mas mundial em um
contexto em que as grandes potências estruturavam uma “nova ordem”. Acordos e
tratados foram estabelecidos com a necessidade de uma nova divisão do mundo
colonial, influenciando também a eclosão da 1ª Guerra Mundial, considerada uma
guerra “típica imperialista” (COSTA, 1990). O domínio da navegação mundial era
disputado pela Alemanha e a Inglaterra, essa última aliada aos Estados Unidos. Ao
fim da Primeira Guerra Mundial, tendo sido derrotada a Alemanha, as relações no
Direito Internacional e as regulamentações sobre o uso do mar fizeram surgir
vários acordos, influenciados pela ascensão estadunidense crescente e a “(...) sua
influência no continente latino-americano, no Atlântico e no Pacífico” (LIMA, 1997:
58).
Entre 1939 e 1945, não surgiram novos tratados inerentes ao Direito
Marítimo, mas é assinada a Carta do Atlântico, dando origem à Organização das
Nações Unidas – ONU - que objetivava a manutenção da paz e da segurança no
mundo. A Segunda Guerra Mundial consolidou a hegemonia econômica dos
Estados Unidos da América sobre o mundo capitalista e, em 1947, o presidente
Truman, dos Estados Unidos, estabelece a “Doutrina Truman”, sob a égide da
Guerra Fria, para a defesa de seu território e de seus aliados contra a ameaça
comunista, representada pela URSS. Atribui-se a este governo a formulação do
princípio criador das zonas econômicas de duzentas milhas marítimas, “(...) uma
vez que reconhece que a plataforma continental podia ser considerada uma
extensão da massa terrestre da Nação costeira a ela pertencente.” (CABRAL,
1980: 43-7). Esse reconhecimento revela a pretensão norte-americana de obter
direitos de soberania sobre os recursos minerais ao largo da costa, acompanhada
da reivindicação de reserva de pesca além das três milhas, até então limite
reconhecido e apoiado pelos Estados Unidos. Desta forma, a Declaração estaria
calcada em dois pontos: o primeiro, de natureza econômica, declara que os
recursos naturais da plataforma continental pertenciam aos E.U.A.; e o segundo,
43
por razões de segurança, imporia uma estreita vigilância sobre as atividades nas
costas daquele país, que representava um dos mais fortes aliados das chamadas
potências marítimas. Após a Declaração, ao passar a optar por um reconhecimento
mais amplo em relação às zonas contíguas, altera, assim, o equilíbrio sobre a
situação jurídica das águas territoriais mundiais de até então (GOLD, 1976). A
partir desse momento, fica expressa a estratégia geopolítica norte-americana de
defesa e segurança, apoiada pelo grande poder marítimo desse país. Uma vez que
prega a ampliação dos limites de jurisdição marítimos, a repercussão dessa
medida será fundamental para o restabelecimento dos direitos dos Estados
costeiros, no pós-Guerra. Quebra-se, assim, de maneira formal, ou seja, calcada
em pleitos jurídicos, e mais de três séculos depois, o princípio do Mare Liberum
(CABRAL, 1980: 43-7.).
Como dito, a proclamação da soberania do governo norte-americano sobre
os recursos naturais existentes na plataforma continental, marcaria o processo de
transformação das regras tradicionais do Direito do Mar, uma vez que explicitava
que “(...) as terras submersas, contíguas ao território terrestre e cobertas por não
mais que 100 braças (200 metros) de água, são consideradas Plataforma
Continental” (op.cit: 46). Ainda que a largura do Mar Territorial permanecesse
fixada em três milhas, a Plataforma Continental era considerada prolongamento da
massa terrestre do Estado Ribeirinho, sendo, portanto, a ele pertencente, assim
como os recursos nela contidos. A velada capacidade tecnológica de explorar
petróleo e outros minerais de águas rasas iria provocar uma espécie de efeito
dominó, por desencadear uma conscientização do potencial econômico dos mares.
É o início de uma nova forma de ver o mar, embasada no seu potencial
econômico.
A partir desse momento, em relação ao Direito marítimo, vários acordos
internacionais foram feitos, caracterizados por ficarem circunscritos aos países-
44
sede, com pouca repercussão por envolverem um número limitado de nações4.
Façamos agora uma correlação entre soberania e Território a fim de esclarecer a
relevância do limite “Mar Territorial”, os conflitos observados na delimitação desse
espaço em especial e as proposições de prolongamento da plataforma continental,
como extensão da massa terrestre.
A controvérsia relacionada à questão de fixação deste limite está
relacionada ao fato de estar associado à expressão máxima da soberania de um
Estado sobre o mar adjacente. É essa questão que suscitará os principais
questionamentos, o que se justifica, uma vez que quanto maior a largura desse
limite, maior a propriedade do Estado Costeiro e menor a influência dos outros
Estados. O Mar Territorial guarda as características jurídicas do Território. É o
limite do Estado no mar que mais se aproxima do continente, portanto é
compreensível o interesse das nações conscienciosas ou apenas especuladoras
de suas riquezas marítimas, ou, ainda, cautelosas em relação a sua segurança. A
área adjacente à costa marítima, através de sucessivas reivindicações, tratados e
convenções, é considerada parte integrante do Território, estando, portanto, sujeita
a sua soberania.
O conceito de Território é apropriado tanto pela Geografia quanto pelo Direito,
e sua etimologia é relacionada por alguns autores não à terra mas sim, ao verbo
latino terreo, territo, ou seja, intimidar. Assim, explica-se a associação da soberania
do Estado com a palavra Território, uma vez que o primeiro, por muitas vezes,
exerceu o seu poder cogitando a possibilidade de utilizar a força militar sob suas
ordens (RAFFESTIN, 1993). Intimidar e impor-se através de coerção, seja ao seu
próprio povo, seja aos Estados vizinhos, seria quase inerente à figura do Estado,
em expansão ou não. O Território é a expressão do poder de fato do Estado,
constituindo-se um elemento essencial do mesmo, uma vez que não há Estado
4
Podemos exemplificá-los: Antuérpia, em 1921, sobre questões relacionadas a navios; Londres,
em 1922; Gotemburgo, em 1923, sobre seguro obrigatório para passageiros; Gênova, em 1925 e
Amsterdã, em 1927; além de Antuérpia, em 1930, para ratificação das convenções internacionais
de Bruxelas; Oslo, em 1933 e Paris, em 1937(LIMA, 1997: 59).
45
sem poder soberano, e a soberania é inerente à força necessária à sua
autoconservação (BONAVIDES, 1978).
Desta forma, é possível entender como o conceito de Território é o elo entre a
Geografia e o Direito-político, e encontra na perspectiva geográfica e nas ciências
jurídicas eixos comuns, uma vez que estas últimas determinam a área de
jurisdição de uma autoridade (PENHA, 1998). A análise do binômio Território-
Estado é feita nas ciências jurídicas:
O território ao lado do elemento humano e do poder soberano
integra a própria essência do Estado. Sem território, portanto, o
Estado sucumbe. A base física, contudo, é um elemento
contingente, não essencial do Estado. A sociedade política pode
existir, ainda que temporariamente, sem ele. A base física está para
o Estado como a água para o ser aquático. Aquela não faz parte da
essência deste, o qual, porém, despojado daquele elemento vital,
sucumbe ao cabo de algum tempo (BONAVIDES, 1978).
Assim, o Território surge essencialmente como um instrumento de exercício
do poder, atrelado ao(s) dominador (es) e ao(s) dominado (s). A organização deste
poder sugere a questão de soberania e esta, por sua vez, está associada à figura
do Estado (CHÂTELET, 1997). Becker (1983: 6-8) descreve este último como “(...)
uma entidade jurídica, administrativa e política cuja existência física é definida pelo
território”; esse, por sua vez, segundo a autora, é “(...) a expressão concreta das
unidades políticas no espaço”; “(...) espaço próprio a um Estado; área onde exerce
a sua soberania, e implica em uma noção de limite, pois que o seu desenho é
conseqüência da relação de poder entre os Estados”. Segundo Moraes (1997), a
arte de governar esteve em muitos momentos relacionada à capacidade de
produzir e ordenar o espaço. Além disso, Território pode ser definido como
resultado das práticas sociais e, ao mesmo tempo, a base destas mesmas
práticas. A sua origem é atrelada ao poder econômico e a sua aplicação obedece
ao poder político. Portanto, a sua manutenção implica em um equilíbrio dos atores
sociais (op.cit).
46
Na concepção de Santos (1996), o Estado é basicamente formado pelo
Território, pelo povo e pela soberania. E essa última é a reguladora das relações
entre diferentes Territórios nacionais, organizada de comum acordo entre os
mesmos. É pela imposição da sua soberania que os Estados tentam acordar e
uma boa forma de exemplificar essa preocupação é dada pelo fato de que a
palavra soberania está presente na maior parte das reivindicações sobre o Direito
Marítimo, elaboradas pelo Estado brasileiro frente a outras nações do mundo. A
definição dos limites no mar e o direito de domínio por parte dos países adjacentes
representam uma questão inerente à soberania dos mesmos e, uma vez que o
acesso e o domínio possuem cada vez mais um valor estratégico a quase todos os
Estados, justifica-se a freqüência com que tem sido objeto de conflitos mundiais.
Através da relação do Estado com seus recursos naturais será expressa a sua
hegemonia. No caso específico das “águas”, os poderes do Estado variam de
acordo com a sua localização, como vimos anteriormente. Sendo assim, águas
situadas no interior da linha da costa (rios, bacias hidrográficas e demais) sofrem o
mesmo domínio da terra firme (a mesma jurisdição), mas no caso das águas
situadas fora da orla costeira, a soberania terá intensidade diferente (COELHO,
1998).
A limitação da soberania de um país será objeto de inúmeras discussões e a
sua representação será dada no espaço, como vimos. Segundo Guerra (1994), o
poder nacional pode ser definido como o instrumento de ação utilizado pelo Estado
a fim de atingir seus objetivos. Este pensamento reforça a idéia de que o poder de
uma nação é a expressão da sua soberania. Quando transferimos a questão
relacionada à abrangência do poder nacional segundo as áreas marítimas, vemos
que a soberania, em sua totalidade, ou seja, soberania e não “direitos de
soberania”, só será aplicada à área representada pelo Mar Territorial, daí a
extrema relevância deste limite. A diferença encontrada nessa terminologia poderá
ser explicada por alguns exemplos práticos, como veremos a seguir.
Assim, após o esclarecimento sobre o conceito “Mar Territorial”, passamos a
descrever o processo de instalação das divisões marítimas tendo em vista as
47
principais Convenções, cujas repercussões modelaram o quadro atual das
relações internacionais.
2.2 – As Convenções do Direito do Mar e os Novos Espaços Marítimos
A primeira “grande” Conferência a ter como proposta a codificação das
regras sobre as águas territoriais teve lugar em Haia, em 1930, e foi denominada
Conferência de Codificação de Haia. Tal proposta traduzia uma tentativa de acordo
sobre a aplicação dos princípios da liberdade dos mares e da soberania territorial,
aparentemente opostos, mas compreensivelmente complementares, visto que é
possível a sua coexistência tal com formulada nos dias de hoje. Nesta conferência,
38 países reuniram-se e, ainda que alguns parâmetros tenham sido definidos em
relação ao limite do Mar Territorial, o principal saldo de Haia teria sido “(...) ter
suscitado interesse na obra de codificação”, sem resultados práticos efetivos
(RANGEL, 1970: 61).
Para Mello (1972), esta convocação da Liga das Nações teve como um dos
objetivos principais elaborar um código universal referente à extensão do Mar
Territorial. Aliás, a própria adoção do termo “Mar Territorial” surge nesta
Conferência, a partir da declaração das diferentes acepções do termo “águas
territoriais”. Tal adoção, em contraposição ao simples “águas” se justifica pela “(...)
vantagem de ordem científica (...)”, e pelo fato de que “(...) adotá-lo no projeto
significa dele excluir o estado das águas internas (...)” (RANGEL, 1970: 24).
Também em Haia, surge a noção de Zona Contígua (de doze milhas), distinguindo-
se da noção do Mar Territorial (de três milhas), porém o acordo sobre a extensão
desse último não será obtido ainda dessa vez
(...) Na conferência para codificação do Direito Internacional do
século XX, que tinha, entre outros fins, fazer uma convenção sobre
o Mar Territorial, reunida em Haia, em 1930, sob os auspícios da
Liga das Nações, há uma tendência à criação da zona contígua
para reprimir o contrabando, o que já demonstrava a insuficiência
da largura de três milhas. (Mello, 1972: 122)
48
No período que se segue, a Liga transfere a tarefa de ordenar as leis de
águas territoriais para a Comissão de Direito Internacional (CDI) das Nações
Unidas, que, por sua vez, em 1951, rotula como urgentes as exigências legais do
Mar Territorial, dando origem à Primeira Conferência das Nações Unidas sobre o
Direito do Mar (CNUDM). Segundo Cabral (1980), essa conferência, ocorrida em
Genebra entre 24 de fevereiro e 27 de abril de 1958, contou com a presença de 86
Estados, dos quais 79 eram membros da Organização das Nações Unidas (ONU)5.
Como peculiaridade dessa reunião, além do crescimento do número de
participantes (número esse que se repetirá na conferência que a sucedeu - a
Segunda), observamos que a maioria das nações tinha uma orientação de Estado
Costeiro, e não marítimo, não obstante o número de potências marítimas ainda
suficiente para protestar, caso fossem formuladas legislações ameaçadoras aos
seus objetivos. Por essa razão, crê-se no “ressurgimento do estado costeiro”,
preconizado pela Doutrina Truman, que pôde ser percebido através das
reivindicações feitas, relacionadas às águas interiores, ao Mar Territorial, às zonas
funcionais, à plataforma continental, e ao Alto-Mar (GOLD, 1976: 8; 61). Pela
natureza das solicitações percebe-se a preocupação central e a sua origem,
atrelada aos interesses inerentes aos Estados Costeiros.
A Primeira Conferência concluiu algumas considerações sobre o Mar
Territorial e a Zona Contígua; sobre o Alto Mar; sobre a pesca e conservação dos
recursos vivos aí contidos; e sobre a Plataforma Continental. Porém não conseguiu
fixar a largura do Mar Territorial e nem da Zona Contígua e assim, dada a
relevância desse item, uma nova, a Segunda Conferência das Nações Unidas
sobre o Direito do Mar, reuniu-se, também em Genebra, a 16 de março de 1960,
para examinar tanto a questão da largura do Mar Territorial quanto a dos limites de
pesca.
5
A Organização das nações Unidas – ONU, substituta da Liga das Nações, objetivava
principalmente a manutenção da paz e surgiu através da Carta das Nações Unidas, tendo sido
assinada em São Francisco – Estados Unidos – em 26 de junho de 1945 (LIMA, 1997: 64)
49
A Conferência de 1958 no entanto não conseguiu fixar a largura do
Mar Territorial nem mesmo a zona contígua, o que não impediu
que as convenções entrassem em vigor.(...) (...) Embora superada
pelos avanços tecnológicos que permitiram ao homem explorar o
meio marinho a profundidades além dos 200 metros, a Convenção
de 1958 continuou a ter importância relevante, sendo que algumas
de suas determinações foram acolhidas bem mais tarde, além de
ter servido de base à sentença da Corte Internacional de Justiça no
Caso da Plataforma Continental do Mar do Norte de 1969 que se
referia principalmente ao limite da plataforma continental.(Lima,
1997: 67)
Sobre a II Conferência, em Genebra, a impossibilidade de acordo se prende
aos aspectos econômicos, sobretudo relacionados à pesca. Nesta ocasião os
Estados Costeiros reivindicaram um Mar Territorial mais largo “(...) a fim de
colocarem tais áreas sob seu direito exclusivo, enquanto que outros estados
preferem que tais áreas sejam definidas como Alto-Mar para poderem ter liberdade
de pesca” (MELLO, 1972: 121). Novamente o conflito liberdade X soberania é
traduzido pelas contraditórias reivindicações, formuladas por países marítimos e
costeiros. Em função da natureza complexa das questões, mais uma vez, não
houve êxito, e além disso, gerou-se a possibilidade de criação das medidas
unilaterais. Somente uma terceira conferência resultará em acordos.
La segunda conferencia, realizada en 1960, concluyó en un rotundo
fracaso, dejando a criterio de los Estados el fijar la anchura del mar
territorial y las zonas de pesca, debido a la presión de las grandes
potencias marítimas. (LEMUS, 1991: cap. VIII).
O processo de reformulação do Direito do Mar teve início na 25ª
Assembléia Geral das Nações Unidas, em 1967, a partir da proposta do
Embaixador de Malta6, Arvid Pardo. Foi aprovada e consistiu na consideração de
exclusão do leito do mar e do fundo do oceano “além dos limites da atual
jurisdição nacional” da apropriação; também previa o estabelecimento de um
órgão internacional para regular, supervisionar e controlar todas as atividades no
fundo do oceano além desses limites, ressaltando a possibilidade de apropriação
6
País (arquipélago) europeu situado a sul da Sicília, no centro do Mediterrâneo.
50
dos leitos marinhos por parte dos Estados tecnologicamente avançados. O
conceito de "patrimônio comum da humanidade" volta-se aos recursos minerais,
incluindo hidrocarbonetos. Em 1970, a Assembléia Geral das Nações Unidas
adotou a Declaração de Princípios na qual afirma que o leito dos oceanos e seu
subsolo situado além das jurisdições nacionais, assim como seus recursos
minerais, constituem-se patrimônio comum da humanidade (GOLD, 1976: 15).
(...) Pardo (...) pronunciou longo e hoje histórico discurso
abordando os últimos e importantes avanços verificados, bem como
estudos ainda mais revolucionários, relativos à exploração dos
mares, principalmente dos fundos dos oceanos de onde, ao que
tudo indicava, seria possível a extração de quantidades imensas de
minérios, além da extração de petróleo e gás natural dos sub-solos
marinhos (Lima, 1997: 68).
Após um trabalho preliminar que durou três anos (1967 – 1970), passou-se do
enfoque relativamente restrito da questão do fundo do mar para o campo mais
amplo de preparativos e, no final de 1970, a Assembléia inicia os preparativos para
“(...) um dos processos de negociação internacional mais longos de todos os
tempos” (CASTRO, 1989: 37). Ao fim das duas conferências, um dos resultados
definidos foi o fim do limite de três milhas. Outro importante ponto foi o fato de que
a questão de jurisdição do Estado Costeiro tornava-se cada vez mais complexa.
Até então, a argumentação de amplos Mares Territoriais contra reduzidos Mares
Territoriais traduzia soberania contra liberdade, como vimos. No entanto, em
Genebra, as nações que defendiam um mar reduzido baseavam-se na
necessidade de um livre comércio costeiro e de uma eficiente exploração dos
recursos marítimos, enfatizando o problema que os Estados Costeiros teriam de
enfrentar quando realizassem o policiamento de suas extensas áreas litorâneas
(GOLD, 1976). Sem dúvida, uma antevisão do grande obstáculo encontrado pelo
Brasil, na atualidade, quando propõe a expansão de seus limites marítimos, como
iremos discutir no capítulo “Levantamento dos Recursos do Espaço Marítimo
Brasileiro”.
51
O não-entendimento nas Convenções anteriores relativas aos assuntos do
mar sinalizou a necessidade de um novo ordenamento e, em função deste fato, foi
realizada, em 1973, mais uma Conferência sobre o Direito do Mar.
2.3 - A Convenção de Montego-Bay e os Novos Espaços Marítimos
A III Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, continha
objetivos consideravelmente ambiciosos: além de dar continuidade ao regime para
a Área Internacional do Fundo do Mar (ou simplesmente “a Área”), a Conferência
também deveria “(...) tratar da definição dos limites e do regime jurídico de todos
os diferentes espaços marinhos e da regulamentação dos mais variados tipos de
atividade no mar” (Castro, 1989: 37).
Entre 1971 e 1973 uma Comissão foi instaurada para tratar da
utilização pacífica dos mares e oceanos situados além da jurisdição
nacional; além disso, a Comissão dos Fundos Marinhos passou a
atuar como órgão preparatório para a III Conferência e dela surgiu
uma lista de temas a serem debatidos na futura Conferência, dentre
eles a "solução de controvérsias"7
(SÓRIA apud RANGEL, 2004).
Um detalhe específico incidiu sobre essa conferência: ao contrário das outras
duas anteriores, ou ainda, de todas as reuniões de codificações, nenhum órgão
jurídico ficou encarregado de elaborar um projeto de Convenção. Procedendo
assim, a intenção da Assembléia Geral era de privilegiar os critérios políticos-
econômicos, em detrimento dos jurídicos, e a justificativa era de que até então,
todas as codificações relacionadas ao Direito Marítimo Internacional atendiam aos
interesses e às práticas comerciais das grandes potências marítimas e, desta vez,
os países em desenvolvimento deveriam ter seus interesses considerados,
externando o conflito Soberania – dos países subdesenvolvidos – e Liberdade –
dos Estados Marítimos (LIMA, 1997: 70).
7
A questão das controvérsias remete essencialmente a problemas eventuais ocorridos na Área
(Zona dos Fundos Marinhos).
52
E o princípio da inter-relação e do tratamento conjunto de todos os
problemas do mar transformou-se em regra básica das
negociações e beneficiou, até o fim do processo, os países
costeiros e em desenvolvimento. (Castro, 1989: 36).
Logo, nesta Convenção alguns dos interesses dos países latino-americanos
que já haviam ampliado suas jurisdições marítimas em decisões unilaterais8,
incluindo o Brasil, foram atendidos. É certo também que a tarefa de elaborar uma
proposta que abrangesse todos os temas e questões relativas ao direito do mar,
atribuição inicial da Conferência, mostrou-se uma atividade árdua e prolongada,
como não poderia deixar de ser, paralisando os trabalhos por dois anos – de 1971
a 1972. Nesse período, grande apoio à tese das duzentas milhas foi incorporado
tendo como base, obviamente, os países primordialmente de terceiro mundo. Os
defensores originais das duzentas milhas de soberania, perceberam o valor da
estratégia de ganhar tempo durante os processos de negociações, a fim de que os
potenciais aliados pudessem ser atraídos de forma definitiva para a tese de
ampliação da área de soberania ou jurisdição do Estado costeiro (CASTRO, 1989).
É pertinente que se diga que no período inicial de formação da Conferência,
além dos Estados latino-americanos (alguns), os países que haviam ampliado suas
jurisdições eram alguns países afro-asiáticos, proclamando direitos além das doze
milhas. Considerados potenciais defensores dessa causa eram determinados
países do mundo desenvolvido cujos interesses marítimos se concentravam nas
áreas mais próximas aos seus litorais, como é o caso da Islândia, Noruega,
Canadá, Austrália e Nova Zelândia. Excetuando esses casos, todos os outros
países optavam por manter regimes de até doze milhas, fossem os Estados
marítimos, grandes potências irredutíveis sobre seus direitos no mar, ou a maior
parte dos países do terceiro mundo, ainda, pouco conscientes do valor geopolítico
e econômico do mar adjacente à costa. Somando-se a esses, os países sem
8
Segundo Torres & Ferreira, 2005, os Estados são soberanos para estabelecer o limite exterior de
sua plataforma continental, sendo responsáveis pelas conseqüências proporcionadas por medidas
unilaterais. Em contrapartida, os limites das águas jurisdicionais brasileiras, consagrados em
tratados multilaterais, garantem direitos econômicos
53
litoral, cuja proposta de ampliação não os favoreceria diretamente. Para completar
o panorama, havia ainda o fato de que mesmo dentre os países que já haviam
ampliado suas jurisdições, alguns mantinham posições intermediárias, consistindo
na ampliação dos direitos econômicos na faixa até duzentas milhas, porém sem
afetar totalmente algumas liberdades no alto-mar, na área além das doze milhas
(CASTRO, 1989).
Tamanha diversidade de arranjos permite entender o porquê da
necessidade de se aguardar o tempo necessário para que todos os países
indecisos e possíveis aliados resolvessem suas posições, terminando por optar
pela ampliação da soberania dos Estados Costeiros, como desejavam os
defensores das duzentas milhas. E para que esse tempo fosse criado, os países
que já haviam ampliado suas jurisdições se valeram de estratagemas, o que
assegurou, para contrariedade das grandes potências, um atraso nas negociações.
Uma dessas estratégias, consideradas na introdução apresentada nessa pesquisa,
consistia em tornar único um bloco de decisões e não permitir que os itens
abordados fossem tratados separadamente. Assim, para a negociação da
liberdade de navegação requisitada pelas potências, seria necessário negociar
aspectos de interesse dos países do terceiro mundo (op. cit). A adoção do princípio
do consenso pode estar associada à morosidade com que os trabalhos evoluíram.
A busca pela homogeneidade visava tornar as medidas válidas de fato, para que
não caíssem em desuso. No entanto, segundo Lima (1997), na prática, não haveria
nenhuma resolução obtida por meio de uma votação majoritária de países em
desenvolvimento, sem que houvesse apoio dos países industrializados.
Desse período, que se estendeu até 1975, diversas reuniões marcaram a
Conferência, incluindo uma realizada em 1974 pelos Estados sem litoral e outros
em desvantagens geográficas. Devido ao teor polêmico, a segunda sessão da
Convenção, em Genebra, tentou organizar o debate, sem que houvesse, porém , a
adoção de nenhuma regulamentação efetiva. O Governo Reagan, nos E.U.A.,
declarou sua contrariedade em relação ao texto que vinha sendo posto em
54
negociação pela Convenção. No entanto, os países do “terceiro mundo” decidiram
pela votação das medidas, ao invés da discussão pelo consenso (LIMA, 1997: 72).
Devido ao ritmo dos trabalhos ficou fácil constatar-se que não
haveria a assinatura de uma Convenção em curto espaço de
tempo. Dessa forma, outras dez sessões ocorreram, em duas
etapas, com o deslocamento das delegações de Nova Iorque para
Genebra e muitos gastos financeiros suportados pela ONU e pelos
países participantes (Lima, 1997: 71).
Sucessivas reuniões em Cabo Verde, 1981, no Rio de Janeiro e em Lisboa,
em 1982, culminaram com a codificação do Direito Internacional das Nações
Unidas, tendo em Montego-Bay, capital da Jamaica, a etapa “mais importante”
desta terceira Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (op.cit).
Marcada principalmente pelas motivações políticas e econômicas que sempre
estiveram presentes em todas as fases de negociação anteriores, desde o início da
década de 50, como já mencionado. Essa Convenção também teve como ponto
alto, segundo Muehe (2000), a possibilidade dos países em desenvolvimento, em
especial os do leste da África, participarem da exploração dos recursos minerais
do subsolo marinho. Foi assinada por 119 delegações em 10 de novembro de
1982, passando a vigorar somente um ano depois. O Brasil ratificou a Convenção
em 22 de dezembro de 1988 e a definição de seus limites, de acordo com esta
nova Convenção, ocorreu em 4 de janeiro de 1993.
Especificamente sobre a determinação do limite do Mar Territorial, surgiram
duas correntes divergentes: uma formada pelos Estados Unidos, Grã-Bretanha,
Japão, República Federal da Alemanha, Bélgica e União Soviética, favoráveis a
um Mar Territorial de doze milhas e com reconhecimento de alguns direitos como
pesca além deste limite; a outra corrente contava com a presença do Brasil e era
favorável ao estabelecimento de duzentas milhas para o Mar Territorial. Mas a
maioria dos participantes, com uma opinião intermediária, passou a estabelecer o
que Castro (1989: 40), considera como um dos maiores marcos da Convenção de
82, a Zona Econômica Exclusiva (ZEE). Este autor julga esta última “(...) um
conceito inovador, que veio a se transformar em elemento central de todo o
55
processo recente de negociação sobre o Direito do mar”. No entanto, o que
realmente está por detrás desta Convenção é a diminuição do limite do Mar
Territorial e uma espécie de compensação com a criação da ZEE, pelo fato de ter
havido uma diminuição no limite de duzentas milhas, determinado em medidas de
caráter unilateral.
Tratava-se, em síntese, de reconhecer ao Estado costeiro o direito
a manter um Mar Territorial até o limite de doze milhas e de
estabelecer, entre este limite e o das duzentas milhas, uma zona
na qual exerceria direitos de soberania e jurisdição exclusiva sobre
os recursos vivos e não-vivos do mar, sem prejuízo da liberdade de
navegação de que iriam continuar a gozar, nessa área, os outros
Estados (op. cit: 40).
Segundo Lima (1997), a Zona Econômica Exclusiva, compreendendo o
limite do Mar Territorial estabelecido em doze milhas, era uma manifestação
intermediária e teve aceitação geral dos participantes, tornando-se consenso e
prevalecendo até hoje. Para Castro (1989), de maneira geral, a normação vigente
relativa ao Mar Territorial e às outras zonas marítimas sofreram nenhuma ou
insignificantes alterações.
2.3.1 O Mar Territorial e a Zona Econômica Exclusiva
Segundo Sória apud Rangel (2004), até a efetiva assinatura da Convenção
de Montego-Bay, teriam se realizado árduas nove sessões, ocorridas entre 1974 e
1982, onde se buscava um consenso entre os Estados em relação a um sistema
para a solução de controvérsias no mar, por fim, consagrada na Convenção em
sua parte XV, sob o tema “Solução de Controvérsias”. Também definiu, de forma
precisa, os espaços marítimos, como unidades espaciais de jurisdição dos Estados
costeiros, e como conseqüência, nos dias atuais, mesmo os países não signatários
da Convenção adotam e respeitam os conceitos relacionados às definições e ao
meio ambiente. São estes os espaços consagrados:
56
a. Mar Territorial;
b. Zona Contígua;
c. Plataforma Continental;
d. Águas Interiores;
e. Alto-Mar;
f. Fundos Marinhos.
Em comum, as três primeiras áreas possuem como delimitação a linha de
baixa-mar ao longo da costa, que, no entanto, pode ser substituída por linhas de
base retas9, ligando pontos salientes de um litoral recortado ou precedido de ilhas
e, no caso de países cuja largura da margem continental ultrapassa o limite de
duzentas milhas marítimas, medidas a partir da linha de base, “(...) situação
freqüentemente encontrada em margens continentais passivas10, como a do Brasil,
e que, por esta razão, pretendam reivindicar a ampliação da sua soberania para
além dessa distância” (MUEHE, 2000: 154).
Desta forma, o Mar Territorial recebe a seguinte definição: parte de mar
paralela à costa podendo estender-se até doze milhas náuticas, onde o Estado
costeiro detém, com ressalva do direito de trânsito inocente11 dos navios, poderes
similares aos que exerce em seu território terrestre, sendo este verdadeira parte do
território do Estado que margina, estando sujeito a sua soberania. Esta, por sua
9
As linhas de base são utilizadas como origem do mar territorial de 12 milhas marítimas (m.m.), da
zona contígua de 24 m.m., da zona econômica exclusiva de 200 milhas e, em alguns casos, da
própria plataforma continental jurídica. Podem ser normais ou retas. Quando normais, elas
acompanham a linha de baixa-mar, conforme indicada nas cartas náuticas produzidas pela
Diretoria de Hidrografia e Navegação (DHN) do Ministério da Marinha. Nos locais onde a linha de
costa apresenta recortes profundos ou uma franja de ilhas na sua proximidade imediata, é
permitido o uso das linhas de base retas, mediante a união de pontos apropriados, que, no caso do
litoral brasileiro, constam do Decreto nº 1.290, de 21 de outubro de 1994.
10
Também chamada Costa do tipo Atlântico, ocorre quando as direções estruturais das rochas são
perpendiculares à linha costeira, ao contrário do tipo Pacífico, onde são paralelas. É composta
normalmente por: plataforma continental ampla, talude e sopé continentais (SUGUIO, 1998).
11
Por passagem inocente considera-se o “parar” e o “fundear” desde que isto ocorra decorrendo
de um incidente comum de navegação, ou seja imposto por motivo de força maior ou por
dificuldade grave, ou ainda, tenha por fim prestar auxílio a pessoas, a navios ou aeronaves em
perigo ou em dificuldade grave. Também fica determinado que esta passagem inocente (ou seja,
inofensiva) será considerada para todos os navios, de todos os Estados, desde que não seja
prejudicial à paz, à ordem ou à segurança do país, devendo ser contínua e rápida (MATTOS,
1996).
57
vez, estende-se, além do Mar Territorial, ao espaço aéreo sobrejacente e também
ao seu leito e subsolo (ALBUQUERQUE, 1994). Segundo Lima (1997), tal visão
classifica o Mar Territorial como um bem público interno, ou seja, sob domínio do
Estado12.
Como visto, o estabelecimento do Mar Territorial, como não poderia deixar
de ser, confunde-se com o histórico do Direito Marítimo. No entanto, a jurisdição
imposta a este limite está bem clara e se diferencia sensivelmente das jurisdições
impostas aos demais limites. Sória (2004) cita Alberico Gentili, jurista
internacionalista precursor de Grotius, e considera a existência do Mar Territorial,
numa acepção mais moderna do termo, como parte constitutiva do território do
Estado, do mesmo modo que o território terrestre. “Território marinho”, “zona
marinha adjacente à costa”, na qual o Estado projeta totalmente seu imperium et
iurisdictio, ou modernamente, sua soberania. Sória, considera que é
importantíssima, no direito contemporâneo do mar, a distinção entre soberania e
jurisdição; a única que permite distinguir entre a plena competência e a
qualificação; entre o mar territorial e o que atualmente denominamos mar
patrimonial ou zona econômica.
Propomos no próximo capítulo “A Geografia Marítima Brasileira e a
Constituição do Mar Territorial no Brasil” uma análise da evolução do Mar
Territorial no país, relacionando-o ao contexto político e econômico no qual será
transcorrido, além de um breve estudo da história de sua instituição na América
Latina.
12
A Constituição Federal relaciona os bens que pertencem à União, no art. 20: ‘‘I - os que
atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribuídos; II - as terras devolutas
indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais
de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei; III - os lagos, rios e quaisquer
correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um estado, sirvam de
limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como
os terrenos marginais e as praias fluviais; IV - as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com
outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as áreas
referidas no art. 26, II; V - os recursos naturais de plataforma continental e da zona econômica
exclusiva; VI - o mar territorial; VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos; VIII - os potenciais
de energia hidráulica; IX - os recursos minerais, inclusive os do subsolo; X - as cavidades naturais
subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-históricos; XI - as terras tradicionalmente ocupadas
pelos índios’’.
58
Segundo a divisão jurídica adotada pela Convenção das Nações Unidas do
Direito do Mar (CNUDM), os espaços marítimos são divididos em blocos, e
classificados como adjacentes aos territórios (Mar Territorial e Águas Territoriais)
ou afastadas dos territórios (Alto Mar e Mar Livre). Com relação ao alto-mar,
atualmente verifica-se na Convenção, em seu artigo 86, que são “(...) todas as
partes do mar não incluídas na zona econômica exclusiva, no mar territorial ou nas
águas interiores de um Estado, nem águas arquipelágicas de um arquipélago”.
Segundo Mello (2001), há várias teorias relacionadas ao Alto-Mar, elaboradas no
sentido de impedir que as reivindicações de soberania invocadas pelos Estados
fossem aplicadas a esse espaço, evitando-se assim que estivesse sob vigência de
qualquer regulamentação jurídica.
Segue-se a apresentação dos demais limites marítimos adotados também
pelo governo brasileiro, em 1993, e ainda vigentes na atualidade (figuras 2.1, 2.2 e
2.3).
59
Figura 2.1 - Legislação Vigente de Acordo com a Convenção das
Nações Unidas – Lei nº 8617/93.
Observação: 1 milha marítima = 1852 metros
Fonte: Lima, 1997
60
Figura 2.2 - Limite dos Espaços Marítimos na CNUDM
Fonte: Pimentel e Antunes, 2003.
Figura 2.3 - Perfil Esquemático das Áreas Definidas na Convenção das
Nações Unidas sobre os Direitos do Mar
Fonte: Marinha do Brasil , 2005
A Zona Contígua é a área contígua ao Mar Territorial, podendo
compreender a faixa que se estende das doze às vinte e quatro milhas marítimas,
61
a partir da mesma linha de base que mede a extensão do Mar Territorial, onde o
Estado pode tomar medidas de fiscalização aduaneira, de imigração e sanitárias
para evitar e reprimir as infrações a leis e regulamentos.
Em relação à Plataforma Continental de um Estado Costeiro, a Convenção
de 1982, estabelece sua abrangência no leito e no subsolo das zonas marinhas
que se estendem além do seu Mar Territorial, por todo o seu prolongamento
natural até o limite externo da margem continental ou até a distância de duzentas
milhas marítimas, medidas a partir das linhas de base utilizadas para medir o Mar
Territorial, sempre que o limite externo da margem continental for inferior a essa
distância. Por esse motivo, em função de seu limite máximo ser estabelecido pela
borda exterior da margem continental, essa borda pode ser determinada
ultrapassando o limite das trezentas e cinqüentas milhas, a partir das linhas de
base que servem para medir a largura do Mar Territorial, de acordo com os
critérios da Convenção (MUEHE, 2000).
(...) a plataforma continental de um Estado costeiro compreende o
leito e o subsolo das áreas submarinas que se estendem além do
seu mar territorial, em toda a extensão do prolongamento natural
do seu território terrestre, até ao bordo exterior da margem
continental, ou até uma distância de 200 milhas marítimas das
linhas de base a partir das quais se mede a largura do mar
territorial, nos casos em que o bordo exterior da margem
continental não atinja essa distância. (CNUDM, art. 76).
Portanto, a delimitação da Plataforma Continental pelo Estado Costeiro
exigirá, como requisito preliminar, que o mesmo determine o limite externo de sua
margem continental, segundo critérios específicos. Esses critérios são
referenciados ao chamado “pé do talude continental”, ponto mais próximo ao fim
da inclinação da crosta terrestre, quando a mesma passa de continental a
oceânica (ver figura 1.1, no capítulo “Geografia Marinha e Direito do Mar”, página
15). A extensão da Plataforma Continental desse limite, contudo, sofre algumas
restrições. São elas as trezentas e cinqüenta milhas de extensão a partir das linhas
62
de base ou cem milhas de distância a partir da isóbata13 de dois mil e quinhentos
metros, utilizando-se da profundidade do fundo marinho. O Estado pode optar pelo
que mais lhe convier, o que significa que a Plataforma Continental poderá, até
mesmo, avançar além de trezentas e cinqüenta milhas marítimas, fato que servirá
de base à discussão sobre a “Amazônia Azul brasileira” na conclusão dessa
pesquisa.
Sobre a importância econômica da Plataforma, Odum (1983: 376) relaciona:
“(...) as grandes áreas pesqueiras comerciais do mundo estão quase na sua
totalidade localizadas sobre ou próximas à plataforma continental, principalmente
em regiões de ressurgências14 de águas frias”. Ou seja, o afloramento de águas
marinhas profundas, e, em grande parte, frias, devido ao deslocamento de águas
superficiais para o largo e a compensação desta corrente por uma outra, de água
profunda, em direção à costa. A massa d’água que ruma em direção à costa traz
baixas temperaturas e altas concentrações de nutrientes. Desta forma, ao atingir a
zona eufótica, haverá aumento da atividade biológica, traduzida por alta produção
pesqueira. Excelente exemplo deste fenômeno ocorre em Cabo Frio, no Rio de
Janeiro, com caráter sazonal, mais freqüentemente no verão.
Com relação à definição de plataforma continental, Vidigal (2005: 55),
aborda a consagrada pelo parágrafo 1º do artigo 76 da CNUDM, diferenciando-a
em Plataforma Continental Jurídica e Plataforma Continental Geomorfológica:
13
Isóbata é uma linha imaginária, ou linha em um mapa, que une os pontos da mesma
profundidade em um mar ou oceano.
14
Ressurgência ocorre quando os ventos afastam consistentemente as águas superficiais dos
taludes costeiros escarpados, trazendo à superfície águas frias ricas em nutriente que acumulam
nas profundezas, criando ecossistemas riquíssimos (op. cit.: 376)
63
A plataforma continental é uma área adjacente ao continente, que
15
se estende da linha de costa até a borda do talude , a cerca de
200m de profundidade. Ela tem inclinação suave e largura variável.
Nessa área, há grande atividade erosiva e deposição de
sedimentos, que variam do cascalho biodetrítico à lama, oriundos
principalmente do continente. A Plataforma Continental Jurídica,
distingue-se desta, pois, por definição, envolve plataforma
continental, talude continental e parte da elevação continental. Sua
abrangência depende dos critérios estabelecidos pela Convenção.
Da mesma forma, Souza (1999), esclarece que a plataforma continental
jurídica (PCJ), como define o nome, tem um enfoque jurídico e pouco tem a ver
com o conceito fisiográfico ou geomorfológico de plataforma continental (PCG),
tendo sido, assim como os outros espaços oceânicos, confundida e erroneamente
utilizada:
(...) a PCG é uma área plana, com relevo muito suave e gradiente
sempre inferior a 1:1000. Mundialmente, está limitada a
profundidades menores que -460m, com predominância de
profundidades inferiores a -185m, razão pela qual comumente se
utiliza a isóbata de 200 m como o limite da PCG. A sua largura varia
de poucas milhas a mais de 200 milhas marítimas. Sua borda
externa – ou "quebra da plataforma" – é marcada quando o
gradiente passa, bruscamente, de menos de 1:1000 para maior do
que 1:40. (op.cit: 80).
Pela definição jurídica de plataforma continental, a PCJ de um Estado
costeiro pode englobar as feições fisiográficas conhecidas como plataforma, talude
e elevações continentais16, e, em algumas circunstâncias, inclusive regiões da
planície abissal. O conceito de PCJ não se aplica à massa líquida sobrejacente ao
leito do mar, mas apenas ao leito e ao subsolo desse mar.
Os critérios para a determinação da Plataforma Continental, relacionados à
margem continental, são enunciados pela CNUDM, nos termos do parágrafo
terceiro de seu artigo 76:
15
Talude continental é a escarpa do relevo submarino que mergulha do limite (quebra) da PCG
para os fundos ou abismos oceânicos (planície abissal). Para maiores detalhes consultar o capítulo
“Geografia Marinha e Direito do Mar” desta pesquisa.
16
Elevação continental é a região do relevo submarino relativamente plana e de pequena
declividade que une o talude continental à planície abissal, que corresponde aos chamados fundos
ou abismos oceânicos (SUGUIO, 1998).
64
A margem continental compreende o prolongamento submerso da
massa terrestre do Estado costeiro e é constituída pelo leito e
subsolo da plataforma continental, pelo talude e pela elevação
continental. Não compreende nem os grandes fundos oceânicos,
com as suas cristas oceânicas, nem o seu subsolo.
Souza, (1999: 81) assinala que “(...) a definição jurídica de plataforma
continental (PCJ) é um tanto complexa e possibilita distintas interpretações de seu
enunciado. Nessa definição (CNDUM, artigo 76), o termo Margem Continental é
empregado no sentido fisiográfico ou geomorfológico” o autor aponta a
complexidade na definição jurídica, o que acaba possibilitando diferentes
interpretações do seu enunciado.
A determinação do limite exterior da Plataforma Continental Jurídica de um
Estado costeiro é obtida pela utilização integrada dos critérios de delimitação da
margem continental jurídica (MCJ) – conceito implicitamente embutido no
parágrafo 4º do artigo 76 da CNUDM – com os critérios de restrição da máxima
extensão da PCJ (CNUDM, art. 76). Nos termos desse parágrafo, o Estado
Costeiro deve estabelecer o bordo exterior da MCJ, quando a margem continental
geomorfológica (MCG) se estender além das duzentas milhas marítimas, por
intermédio de uma linha unindo pontos nos quais “(...) i) a espessura das rochas
sedimentares seja pelo menos 1% da distância mais curta entre esse ponto e o pé
do talude continental” ou ii) uma linha unindo “...pontos fixos situados a não mais
de 60 milhas marítimas do pé do talude continental”.
65
Figura 2.4 Critérios para Delimitação
Fonte: Sousa, 1999.
Este autor sinaliza para o fato de que o pé do talude continental é a feição
de referência dos dois critérios de determinação da MCJ e que, ainda de acordo
com o parágrafo 4º, esta feição é definida como: “(...) Salvo prova em contrário, o
pé do talude é o ponto de variação máxima do gradiente na sua base”.
Após a determinação do bordo exterior da Margem Continental Jurídica, em
função de qualquer dos critérios citados (ver figura 2.4), o parágrafo quinto do
artigo 76 estabelece que:
66
Os pontos fixos que constituem a linha dos limites exteriores da
plataforma continental no leito do mar, (...), devem estar situados a
uma distância que não exceda 350 milhas marítimas da linha de
base a partir da qual se mede a largura do mar territorial ou a uma
distância que não exceda 100 milhas marítimas da isóbata de 2500
metros (linha que une profundidades de 2500 metros).
Desta forma, o limite da PCJ além das duzentas milhas marítimas será
traçado “(...) unindo, mediante linhas retas, que não excedam 60 milhas marítimas,
pontos fixos definidos por coordenadas de latitude e longitude” e “(...) Os limites da
plataforma continental estabelecidos pelo Estado costeiro com base nessas
recomendações serão definitivos e obrigatórios.” (CNUDM, artigo 76), devendo o
Estado Costeiro
(...) depositar junto ao Secretário Geral das Nações Unidas mapas
e informações pertinentes, incluindo dados geodésicos, que
descrevam permanentemente os limites exteriores da sua
plataforma continental. O Secretário Geral deve dar a esses
documentos a devida publicidade. (CNUDM, artigo 76, parágrafo
9).
Nos casos em que a Plataforma Continental de um Estado Costeiro assumir
uma extensão de até duzentas milhas marítimas (m.m.), o conceito de Zona
Econômica Exclusiva (ZEE) é mais abrangente e, implicitamente, engloba o
conceito de PCJ. Tal fato servirá de base aos projetos de expansão consistentes
na “Amazônia Azul”, abordados no capítulo “Levantamento dos Recursos do
Espaço Marítimo Brasileiro”, nesta pesquisa. Na PCJ, segundo a CNUDM, o
Estado Costeiro exerce direitos de soberania para fins de exploração e
aproveitamento dos seus recursos naturais e esses direitos são exclusivos, ou
seja, “(...) se o Estado costeiro não explora a plataforma continental ou não
aproveita os recursos naturais da mesma, ninguém pode empreender estas
atividades sem o expresso consentimento desse Estado” (CNUDM, artigo 77).
Quando o Estado tiver intenção de estabelecer o limite exterior da
plataforma continental além das duzentas milhas, nos termos em que a mesma é
definida no artigo 76 da CNUDM, deverá apresentar à Comissão de Limites da
Plataforma Continental, das Nações Unidas, em até dez anos após a entrada em
67
vigor da Convenção no Estado em questão, as características de tal limite,
juntamente com informações científicas e técnicas de apoio (ALBUQUERQUE,
1994). No caso brasileiro, como será apresentado no capítulo “A Geografia
Marítima Brasileira e a Constituição do Mar Territorial no Brasil” desta pesquisa, o
governo, através da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM),
tem no LEPLAC (Plano de Levantamento da Plataforma Continental) o instrumento
para proceder na expansão da delimitação dos limites da plataforma, fator de
extrema importância estratégica, “(...) uma vez que com o estabelecimento da
dimensão da plataforma “jurídica” brasileira, jogará a fronteira leste do Brasil para
300 milhas náuticas da linha da costa, fato de extrema importância geopolítica para
o Atlântico Sul” (MORAES, 1997: 7).
A Zona Econômica Exclusiva (ZEE) ainda que não seja uma zona
submetida à jurisdição territorial, uma vez que se trata de uma jurisdição funcional
(MUEHE, 2000), será uma inovação da III Convenção, como já dissemos. Os
direitos nela se restringem ao aproveitamento de seus recursos naturais vivos ou
não, sem haver prejuízo da liberdade de navegação por parte de outros Estados.
Todos os Estados Costeiros têm direito de jurisdição nesta área que engloba uma
faixa cuja extensão vai das doze às duzentas milhas marítimas, a partir das linhas
de base que medem a largura do Mar Territorial (CASTRO, 1989). Abrange,
portanto, a Zona Contígua e tem, na realidade, 188 milhas marítimas, uma vez que
se inicia no Mar Territorial. Na ZEE o Brasil tem direitos de soberania, e não
exatamente soberania, visando exploração, aproveitamento de recursos,
17
conservação e gestão de recursos naturais, vivos ou não , das águas
sobrejacentes ao leito do mar e seu subsolo, e outras atividades, objetivando a
exploração e o aproveitamento da zona para fins econômicos .
Na ZEE, o Estado costeiro tem jurisdição para regulamentar a investigação
científica marinha e “(...) tem o direito exclusivo de construir e de autorizar e
17
Por recursos naturais entendem-se os minerais e outros não-vivos do solo e do subsolo
marinhos, e também os organismos vivos pertencentes a espécies sedentárias, isto é, aquelas
que, no período da captura, estão imóveis nessa mesma região ou só podem mover-se em
constante contato físico com ela (MUEHE, 2000).
68
regulamentar a construção, operação e utilização de: a) ilhas artificiais; b)
instalações e estruturas (...)” (CNUDM, artigo 60, parágrafo 1) com finalidades
econômicas e/ou para fins de investigação científica. Qualquer investigação
científica na ZEE brasileira – por instituições nacionais e/ou internacionais –
somente poderá ser realizada com o consentimento do Governo brasileiro.
Vidigal (2005: 35), aponta que, no exercício de sua jurisdição, os Estados
costeiros, têm o direito de regulamentar, autorizar e realizar investigação científica
marinha (ICM) na sua Zona Econômica Exclusiva e na sua plataforma continental,
salientando que em ambos os casos é necessário consentimento do Estado
Costeiro. Assim, a investigação científica poderá ser iniciada por “(...) uma
organização internacional competente”, num prazo antecedido por informações,
“(...) previstas em tais casos”. As organizações ou Estados competentes, com
propostas de investigação devem fornecer “(...) uma descrição completa da
natureza e dos objetivos do projeto”. Por sua vez, os Estados Costeiros têm o
direito de exigir a suspensão da investigação, em sua Zona Econômica Exclusiva
ou em sua Plataforma Continental, caso a mesma não esteja em acordo com a
proposta inicial feita ao Estado Costeiro, ou se não forem atendidas as demais
condições previstas no artigo 249 da Convenção.
Os Estados e as organizações internacionais competentes, quando
realizem investigação científica marinha na ZEE ou na plataforma
continental de um Estado costeiro devem cumprir as seguintes
condições: (...) garantir ao Estado costeiro (...) o direito de
participar ou estar representado no projeto de investigação
científica marinha; (...) fornecer (...) relatórios preliminares (...); (...)
comprometer-se a dar acesso ao Estado costeiro a todos os dados
e amostras resultantes do projeto de investigação; (...) salvo acordo
em contrário, retirar as instalações ou o equipamento de
investigação científica uma vez terminada a investigação.
(CNDUM, artigo 249).
Nesse sentido, e com o intuito de fiscalizar as atividades de ICM, os
Estados costeiros, entre eles o Brasil, costumam fazer embarcar especialistas nos
navios de pesquisa estrangeiros (VIDIGAL, 2005: 27).
69
A Convenção garante ao Estado costeiro “(...) direitos de soberania para fins
de exploração e aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais,
vivos ou não vivos das águas sobrejacentes ao leito do mar, do leito do mar e seu
subsolo (...)” (CNUDM, artigo 56). Com o objetivo de promover a utilização ótima
dos recursos vivos da ZEE, o Estado costeiro fixará as capturas permissíveis
desses recursos, “(...) tendo em vista os melhores dados científicos de que
disponha (...), (...) o Estado costeiro e as organizações competentes sub-regionais,
regionais ou mundiais, cooperarão, conforme o caso, para tal fim” (CNDUM, artigo
61). O artigo 246 prevê que os Estados costeiros devem dar o seu consentimento
a outros Estados ou organizações internacionais competentes para que executem
projetos de investigação científica marinha na sua Zona Econômica e na sua
Plataforma, exclusivamente com fins pacíficos e com o propósito de aumentar o
conhecimento científico do meio marinho, em benefício de toda humanidade. Tal
dever não se repete no Mar Territorial, onde os Estados costeiros têm o direito
exclusivo (e não dever) de regulamentar, autorizar e realizar a investigação. As
condições em que essa investigação poderá vir a ser realizada serão
estabelecidas pelo Estado costeiro, ao passo que na ZEE e na Plataforma, estão
em conformidade com as disposições pertinentes da Convenção (CNDUM, artigos
245 e 246). A imposição no caso dessas últimas áreas (ZEE e Plataforma) será
muito mais percebida naqueles Estados onde a capacidade de investigação e
exploração seja menor (em função da tecnologia pouco desenvolvida) e pode nos
levar a considerar possíveis intervenções na política econômica do Estado costeiro
a ser investigado, assim como, ingerências nos levantamentos dos dados sobre
seus recursos, tendo como conseqüência, a ameaça da sua soberania.
“Quando o Estado costeiro não tiver capacidade para efetuar a totalidade da
captura permissível deve dar a outros Estados acesso ao excedente desta captura,
mediante acordos ou outros ajustes entre as partes (...)” (CNUDM, artigo 62). Ou
seja, a partir das análises conclusivas fornecidas pelos inventários dos recursos é
feita uma projeção de quanto é possível se capturar e, a partir daí, o Estado em
questão avalia a sua própria capacidade de captação. Caso essa capacidade
70
esteja abaixo do limite estipulado, as concessões deveram ser feitas. Decorre
desse fato a necessidade de investimento em tecnologia de exploração dos
recursos marítimos, e, nos Estados onde tais investimentos são ínfimos, a
submissão econômica e tecnológica.
É prevista, ainda, a transferência de tecnologia marinha entre os Estados,
“(...) diretamente ou por intermédio das organizações internacionais competentes”,
“(...) segundo modalidades e condições eqüitativas e razoáveis”, e “(...) na base do
benefício mútuo”, ou seja, “(...) mediante acordos bilaterais e multilaterais”
(CNDUM, artigo 242). Uma vez que tais acordos são francamente baseados em
aspectos econômicos, empiricamente, leva-se à discussão a possibilidade de
haver condições de igualdade entre os Estados, tendo em vista a natureza desta III
Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, enfática no sentido de
privilegiar as relações comerciais em pé de igualdade entre os países.
Enfim, após verificarmos comparativamente a aplicação de “soberania” e
“direitos de soberania” no Mar Territorial e na Zona Econômica Exclusiva, o que
nos permitirá entender porque o conceito de Território se aplica perfeitamente ao
Mar Territorial, podemos sintetizar a discussão sob o aspecto do Direito Marítimo
Contemporâneo, novamente através de Sória (2004:4), ao citar Alberico Gentili,:
“(...) vê no mar territorial a soberania e jurisdição do Estado ribeirinho, enquanto
que além do mar territorial há somente a jurisdição, como na caça dos piratas, do
direito de revista nos barcos mercantis por parte dos navios de guerra”. Tal
observação parece ser perfeitamente aplicável nos dias de hoje, a fim de
esclarecer a diferença entre soberania e jurisdição; termos amplamente utilizados
nesta pesquisa. O primeiro, como citado anteriormente, define plena competência
e o segundo qualificação sujeita a critérios; entre o Mar Territorial, onde a
soberania é garantida, independentemente da capacidade de captação de
recursos apresentada pelos Estados, e a Zona Econômica Exclusiva, onde há
diversos itens a serem julgados, dependentes de avaliações, para que os direitos
sejam concedidos ao Estado.
71
Vejamos agora a determinação nas chamadas “Águas Interiores”, “Alto-Mar”
e Fundos Marinhos. Nas “Águas Interiores” ou “Águas Marítimas Interiores” de um
Estado Costeiro a soberania é plenamente exercida, sendo limitada às “águas
interiores às linhas de base retas (origem da medição do Mar Territorial), as águas
dos rios, lagos, lagoas e canais do território nacional”. Assim, no caso particular
brasileiro, e apenas como três breves exemplos, as águas do rio Amazonas, do rio
São Francisco e da lagoa dos Patos são consideradas águas interiores (VIDIGAL,
2005).
O Alto Mar é o espaço marítimo caracterizado por compreender todas as
partes do mar não incluídas na Zona Econômica Exclusiva, no Mar Territorial ou
nas águas interiores de um Estado, nem nas águas arquipelágicas18 de um Estado
arquipélago. Foi reafirmado o princípio da liberdade de navegação para os navios
de todos os Estados, tenham ou não litoral, sendo inaceitável, nos termos da
Convenção, que este ou aquele Estado pretenda submeter qualquer parte do Alto-
Mar à sua soberania. Há ainda a legislação específica para o regime das ilhas: O
Mar Territorial, a Zona Contígua, a Zona Econômica Exclusiva e a Plataforma
Continental de uma ilha serão determinados de conformidade com as disposições
da Convenção, aplicáveis a outras formações terrestres.
18
São as águas encerradas pelas linhas de base arquipelágicas; segundo a Convenção, um Estado
arquipélago é constituído inteiramente por um ou vários arquipélagos. Um exemplo típico, e maior
do mundo, é o Estado arquipélago da Indonésia, composto por 17 508 ilhas, seis mil das quais
inabitadas, situado na região equatorial, entre o oceano Índico e o oceano Pacífico. As águas
arquipelágicas são delimitadas pelas linhas de base arquipelágicas, a partir das quais deve ser
medido o Mar Territorial de um Estado arquipélago (VIDIGAL, 2005)
72
Nos Fundos Marinhos (ou ÁREA) foram estabelecidos regimes jurídicos
distintos, assim como para o Alto-Mar, situados além das jurisdições nacionais.
Enquanto que para o Alto-Mar foi estipulado o regime de liberdade, uma mudança
fundamental ocorreu com relação aos Fundos Marinhos. Estes, embora situados
além das áreas de jurisdição nacional, não mais são livres, pois foram
considerados patrimônio comum da humanidade, ou seja, res communis19.
Existindo, inclusive, uma Câmara de Controvérsias dos Fundos Marinhos, em
pleno funcionamento no Tribunal Internacional sobre Direito do Mar, instituída com
a Convenção em seu Anexo VI, responsável por dirimir quaisquer lides ocorridas
neste local (LIMA, 1997: 75).
Por fim, com a aprovação da Convenção em 1982, foram criados três órgãos
para vigiar seu cumprimento, encontrando-se em pleno funcionamento, são eles: a
Autoridade Internacional para os Fundos Marinhos, sediada em Kingston, Jamaica;
o Tribunal Internacional sobre Direito do Mar, sediado em Hamburgo, Alemanha; e
a Comissão dos Limites da Plataforma Continental, que está instalada na Sede das
Nações Unidas em Nova Iorque.
Ocorre ainda uma outra particularidade na III Conferência, inerente ao que
podemos entender como uma das medidas controversas, relacionada à Área e que
repercute até os dias atuais. No período em que entrava em vigor, novembro de
1994, Canadá, Estados Unidos da América (EUA), Federação Russa, França,
Holanda, Itália, Japão, Noruega, Reino Unido e Suécia não haviam ratificado a
Convenção, possivelmente em função das disposições da Parte XI da Convenção,
a qual trata da exploração e do aproveitamento dos recursos minerais da Área. A
fim de que as imposições por parte desses países pudessem ser solucionadas, foi
implementado, em 1996, o Acordo de Implementação da Parte XI da Convenção.
19
Esta teoria afirma que o alto-mar seria de propriedade da sociedade internacional, isto é, seria de
propriedade de todos os Estados. Atualmente a concepção de res communis é explicada da
seguinte forma: o alto-mar é um condomínio, uma vez que os proprietários em condomínio têm
direito de polícia em relação uns com os outros. Em outras palavras, poderia afirmar-se que as
coisas comuns a todos não poderiam pertencer a um em particular. (SÓRIA, 2004).
73
O advento desse acordo permitiu que, à exceção dos EUA, todos
os demais países industrializados ratificassem a Convenção. Não
obstante o reconhecido peso político dos EUA, podemos afirmar
que a Convenção atingiu o patamar do reconhecimento
internacional, tornando-se, sem dúvida, importante instrumento, no
contexto da utilização pacífica dos oceanos. Ademais, o Governo
norte-americano tem dado sinais recentes no sentido de que talvez
venha a ratificá-la em breve. (VIDIGAL, 2005: 19).
Por fim, sobre os aspectos gerais dessa Terceira Conferência, há ainda
algumas peculiaridades que nos exemplificam como alguns dispositivos são
capazes de permitir leituras ambíguas do Direito Marítimo instituído, com
interpretações adaptáveis a determinadas situações. Trata-se do problema
sugerido na introdução dessa pesquisa, acerca da utilização de manobras durante
a elaboração das leis e que inclui outros exemplos já citados. Assim, no caso
específico do Mar Territorial, alguns países, dentre eles o Brasil, insistiram em
incluir na III Conferência um dispositivo que condicionaria a passagem de navios
de guerra ao recebimento de notificação prévia e à concessão de autorização. No
entanto, as outras áreas (Plataforma Continental, Zona Contígua e Zona
Econômica Exclusiva) têm em suas jurisdições “brechas” ou “falhas” que permitem,
em função de “manobras políticas” ou “jogo de interesses”, a apropriação dos
recursos naturais por parte de outros Estados. Isso pode ser claramente
exemplificado: a lei brasileira nº 8.617/93, ao dispor sobre a ZEE (Zona Econômica
Exclusiva), cita a expressão “consentimento prévio” à investigação científica
marinha por outros Estados, quando deveria citar “consentimento prévio e por
escrito” do governo brasileiro. Outro exemplo: ainda na ZEE, em relação à
realização de manobras e exercícios militares por outros Estados, a mesma lei
define que poderá ocorrer com o consentimento do governo brasileiro, eliminando
os termos “prévio” e “expresso”. Estes pequenos mas importantes detalhes
exemplificam a fragilidade com que a jurisdição aborda tópicos de extrema
relevância e de caráter fundamental à manutenção da soberania nacional.
Uma vez que os limites marítimos estejam definidos em acordo com a
CNDUM (Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar), caberá ao
74
Governo dos Estados provar a eficácia da gestão de seus próprios recursos, sem a
ameaça de desperdício, ou que o levantamento sobre os mesmos será completo.
Como cada área conta com uma jurisdição, essa diferença que será acompanhada
de responsabilidades já que o poder do Estado será questionado, em função da
sua capacidade de administrar, explorar e pesquisar os seus recursos. Para cada
limite, um poder e um compromisso:
Se, de um lado, a explotação dos recursos minerais do solo e
subsolo de toda a plataforma continental jurídica é garantida aos
Estados costeiros, tal não ocorre com recursos vivos que, mesmo
na ZEE, estão sujeitos à explotação por outros países no caso de
os estoques, de determinadas espécies, serem comprovadamente
superiores à capacidade de explotação pelo Estado costeiro
(MUEHE, 2000: 157).
Como já é possível deduzir, quanto maior o investimento em pesquisas
científicas ligadas às ciências marinhas, e nos órgãos responsáveis pelo
patrulhamento destes recursos, maior será o domínio do Estado sobre suas
reservas, e, assim, concluímos as dificuldades pelas quais países periféricos terão
em se impor.
Uma vez que verificamos como a soberania é exercida, em função das
jurisdições, passamos agora a analisar a constituição dos limites marítimos no
Brasil.
75
exarcebação, as questões diretamente relacionadas ao Território, como espaço1 e
posição geográfica.
1.1 – Características Fisiográficas do Espaço Marítimo: os Oceanos e Mares
O espaço oceânico mundial abrange uma superfície de 361 milhões de
quilômetros quadrados ou 71% da superfície terrestre2 (ANDRADE, 1975:106). O
hemisfério Norte é constituído por 60,7% de mar e o hemisfério Sul é constituído
por 80,9%. A profundidade média dos oceanos é de aproximadamente 3 733
metros, sendo o ponto mais profundo a 11 022 metros. Contém a cadeia oceânica
mais comprida do mundo, cuja extensão aproximada é de sessenta e quatro mil
quilômetros, com largura média superior a dois mil quilômetros. Dá a volta ao
globo terrestre: estende-se do Oceano Ártico ao Atlântico, passando pelo Índico e
pelo Pacífico e sobre ela pode-se dizer que é quatro vezes mais extensa que os
Andes, as Montanhas Rochosas e o Himalaia juntos (CNIO, 1999: 164). Este
espaço oceânico, segundo divisão estabelecida por Gross (1995), subdivide-se
como apresentado a seguir:
1
Espaço: característica física de um território; posição: variável segundo os processos históricos
2
Todos os continentes e ilhas juntos formam uma superfície de 149 000 000 km2
11
Tabela 1: OS PRINCIPAIS OCEANOS
Tamanhos aproximados das três bacias hidrográficas oceânicas
Área (milhões de km2 )
Oceano Pacífico 180
Oceano Atlântico 107
Oceano Índico 74
Profundidade Média (metros)
Oceano Pacífico 3940
Oceano Atlântico 3310
Oceano Índico 3840
Fonte: Gross, M.G., 1995.
Com relação à definição dos limites, o Oceano Pacífico tem a leste o
continente americano e a oeste o continente asiático e a Oceania. Ao norte, este
oceano liga-se com o Ártico pelo estreito de Bering e é cercado por um cinturão de
ilhas chamadas Aleutas. Ao sul, o Pacífico encontra, na altura do paralelo
sessenta graus, as gélidas terras antárticas.
O Oceano Atlântico limita-se a leste com os continentes europeu e africano,
e a oeste com a América. Ao norte, limita-se com o Círculo Polar Ártico. De forma
triangular, o Oceano Índico limita-se ao norte com o subcontinente indiano, a
noroeste com a Península Arábica, a Cornucópia Africana (Somália e Etiópia) e
Golfo Pérsico. E a nordeste limita-se com o sudeste asiático e arquipélago
indonésio. A leste com a Austrália, a oeste com o continente africano e ao sul, a
Antártida.
Em relação aos mares, De Martonne (1968), os define como bacias
oceânicas de dimensões limitadas e mais ou menos isoladas. Há várias
classificações e dentre elas, destaca-se a que os divide em mares abertos ou
costeiros, mares interiores ou continentais e mares fechados.
Desta forma, os mares abertos ou costeiros são definidos por Suguio (1998:
493), como “Região oceânica além da plataforma continental (...)”, situam-se ao
longo dos litorais, comunicam-se largamente como os oceanos e apresentam
algumas variedades, entre as quais, os mares-mancha, os mares-golfo e os mares
12
formados por grinaldas insulares. Os primeiros têm a forma de verdadeiros
corredores entre duas ilhas ou entre uma ilha e um continente, como, por
exemplo, o mar da Mancha e o mar de Kara, ambos na Eurásia. Os segundos
lembram o contorno de grandes golfos tais como o de Biscaia, na Europa, e o do
México na América. Os últimos apresentam suas áreas limitadas por um cordão
de ilhas oceânicas; é o caso dos de Berning, do Japão, da China, no Extremo
Oriente, e o das Antilhas na América.
Os mares interiores, “(...) em grande parte circundado (s) por continente ou
de águas rasas (...)” (SUGUIO, 1998: 493),conforme a profundidade e a largura
dos estreitos que os ligam aos oceanos, recebem grande influência dos
continentes, o que provoca sérias diferenças quanto à salinidade e à temperatura,
ao contrário dos mares abertos, cujas salinidades são constantes Assim, quando
estão localizados em climas quentes onde há intensa evaporação, como o
Vermelho, são excessivamente salgados, ao passo que, se situados em zonas de
clima frio onde a evaporação é pouco intensa, como o Báltico, tornam-se quase
doces. Ainda se nota, nos mesmos, a insignificância das marés e, às vezes, até a
variação de nível, de acordo com as estações do ano.
Os mares fechados são verdadeiros lagos. Só recebem tal nome devido à
grande extensão que possuem, como o Cáspio e o de Aral, ou em conseqüência
do excesso de salinidade como o mar Morto. Nota-se que eles vão perdendo cada
vez mais os caracteres oceânicos. A separação total da massa oceânica traz
como conseqüência a variação sazonal de nível e a salinidade torna-se exagerada
se há evaporação, como no mar Morto, ou quase nula, se ao lado de uma fraca
evaporação desembocam no mar grandes rios, como acontece com o Cáspio, que
recebe o Volga, e o Aral que recebe o Syr Daria e o Amu Daria.
Com relação ao fundo do mar, a única diferença importante que se observa
entre o relevo das terras firmes e o submarino é acarretada pelo fato de que este
último se encontra sob a hidrosfera. Nas terras firmes sentem-se os efeitos
destruidores dos agentes de erosão (vento, chuva, geleira, água corrente, etc.)
promovendo o desgaste do modelado geomorfológico, enquanto no submarino, há
uma maior tendência para a uniformidade, em função da acumulação de
13
sedimentos. Mas, tanto num como noutro, aparecem as mesmas saliências e as
mesmas reentrâncias com perfis muito semelhantes, variando apenas quanto à
nomenclatura. As cordilheiras, os planaltos, as planícies, os vales e os cumes tão
comuns no relevo continental, correspondem às cristas, aos platôs, aos bancos,
às fossas e às covas existentes sob a camada líquida. A partir dessas informações
são eliminadas as considerações anteriores, vigentes até a década de sessenta,
que julgavam os fundos dos mares, planos inclinados no sentido do afastamento
das costas (VIDIGAL, 2005).
1.1.1- O Mapeamento dos Fundos Oceânicos e o Relevo Submarino
Como mencionado, as características do relevo continental e submarino
são semelhantes, embora neste último, devido à predominância do trabalho de
modelagem da água, haja uma maior suavidade nos contornos. Segundo Vidigal
(2005), a topografia submarina só começou a ser conhecida a partir do final do
século XIX, com as pesquisas oceanográficas do HMS Challenger. Após o término
da Segunda Guerra, tornou-se sistemático o mapeamento do fundo marinho,
devido ao uso de ecobatímetros3 e de métodos de posicionamento mais precisos.
A partir desse mapeamento, foram definidas três províncias fisiográficas principais:
as margens continentais, as bacias do fundo oceânico e a cordilheira
mesoceânica. A margem continental representa a transição entre os continentes e
as bacias oceânicas e ocupa 20% da área total dos oceanos.
3
Aparelhos que emitem um sinal sonoro em direção ao solo marinho. Este sinal é refletido pelo
solo e capitado novamente pelo aparelho. A fração de tempo que o som leva entre o momento de
sua emissão e o da recepção vai determinar a profundidade entre a superfície da água e o leito do
canal (www.defesanet.com.br).
14
De um modo geral, o relevo submarino pode ser dividido em dois aspectos
diferentes: a plataforma continental e a zona (ou planície) abissal. Dá-se o nome
de plataforma continental ao fundo raso do mar, em declive suave, desde a linha
de permanente emersão até a costa de duzentos metros de profundidade 4. Trata-
se de uma espécie de suporte sobre o qual assenta o continente; é uma área
adjacente a este último, que se estende da linha de costa até a borda do talude.
Ela tem inclinação suave e largura variável. Nessa área, há grande atividade
erosiva e deposição de sedimentos, que variam do cascalho biodetrítico à lama,
oriundos principalmente do continente. Sua largura apresenta-se maior à medida
que as costas próximas se apresentem baixas e planas. No litoral norte-ocidental
da Europa essa plataforma aparece tão larga que, caso ocorresse um movimento
negativo de cem metros do nível do Atlântico, o mar Báltico transformar-se-ia
numa série de lagos e o Arquipélago Britânico passaria a ser uma península. Ao
norte da Sibéria ela alcança de trezentos a 640 quilômetros de extensão.
As questões que envolvem os critérios de definição da plataforma
continental sofrem inúmeras variações acompanhando os estudos sobre os seus
potenciais econômicos, suscitando as propostas apresentadas ao longo das
convenções. As nações tencionam adaptar esses critérios às presumíveis fontes
de recursos existentes em seus mares adjacentes, utilizando-se de informações
geológicas e geofísicas recolhidas de seus inventários que, desta forma, tornam-
se essenciais a sua delimitação.
Desta maneira e, como já assinalado, sobre a plataforma continental se
acumulam os depósitos sedimentares chamados terrígenos, arrastados das terras
firmes e ricas de matéria orgânica, onde predominam as areias, os cascalhos e as
lamas. É zona própria ao desenvolvimento de extraordinária fauna de bentos e
plânctons e por isso mesmo proporcionam rendosas pescarias. A Geografia
Econômica analisa a profunda interação entre os povos que se dedicam à
atividade pesqueiras e os litorais de plataformas largas por eles habitados.
4
A plataforma Continental pode ser dividida em: externa – “Porção externa da plataforma
continental (continental shelf), que normalmente inicia-se com cerca de 30 metros de profundidade
chegando até a 100/200 metros (... )” e plataforma interna – “Porção interna da plataforma
continental , que se inicia ao nível da maré baixa (low tide) e estende-se até cerca de 30 metros de
profundidade (...).” (SUGUIO, 1998:611-12)
15
Quando termina o pedestal dos continentes, as profundidades despencam
através de um plano quase vertical chamado talude continental, até atingir cotas
batimétricas de três mil metros. Essa escarpa marca o verdadeiro limite das terras
emersas, pois a plataforma marginal recebendo as mais variadas influências das
costas próximas, é como se fosse um prolongamento submarino dos continentes.
O talude continental possui aspecto de um “degrau” e corresponde a uma faixa
relativamente estreita, cuja profundidade varia bruscamente de duzentos a mil e
quinhentos metros, aproximadamente. A porção mais rasa do talude, em geral a
duzentos metros de profundidade, é denominada quebra da plataforma
continental. Essa região é freqüentemente entrecortada por canais, por onde
passam as correntes carregadas de sedimentos oriundos do continente e da
plataforma continental, os quais serão depositados nas áreas mais profundas
(VIDIGAL, 2005).
FIGURA 1.1: FISIOGRAFIA DO FUNDO DO MAR
Fonte: Projeto REMAC
A região dos fundos oceânicos médios que se apresenta em seguida
corresponde aos fundos marinhos entre três mil e seis mil metros de profundidade.
O declive torna-se novamente fraco e suave, interrompido ocasionalmente por
16
saliências que formam lombadas, cristas, bancos, agulhas etc. Os depósitos
pelágicos que aí se encontram caracterizam-se pela abundância de detritos,
calcário e silicosos, provenientes de organismos vivos, havendo também vastas
áreas cobertas de argilas vermelhas resultantes da decomposição de sedimentos
vulcânicos. A elevação continental localiza-se entre o talude continental e as
bacias oceânicas (planícies abissais). Sua profundidade característica é de mil e
quinhentos a três mil e quinhentos metros, e é formada pela acumulação de
sedimentos vindos do continente e da plataforma continental, que escoam pelos
canais existentes no talude continental.
As bacias do fundo oceânico são áreas relativamente planas, situadas entre
as margens continentais e as cristas oceânicas, em profundidades entre três mil e
seis mil metros. Ou ainda: “Porção deprimida de forma mais ou menos circular,
situada entre as cadeias submarinas, apresentando espessuras variáveis de
sedimentos acumulados”. Tais sedimentos são abundantes e muito finos. Sua
ocorrência é de 14, 19 e 12 bacias oceânicas distribuídas respectivamente pelos
oceanos Pacífico, Atlântico e Índico (SUGUIO, 1998: 78).
As profundidades superiores a seis mil metros formam as regiões abissais
muito extensas sob os oceanos e raras ou inexistentes sob os mares. Tais fundos
apresentam-se como atapetados por um depósito muito uniforme de argilas
vermelhas e povoados por uma fauna dotada de características peculiares
adaptadas ao meio escuro, frio e sob alta pressão, proveniente do peso das águas
oceânicas. As fossas submarinas são seus pontos mais profundos. A mais
profunda é a fossa das Marianas, no Pacífico, com 11 034 m de profundidade (DE
MARTONNE, 1968).
Em relação ao relevo oceânico, a sua principal característica é a presença
das cordilheiras meso-oceânicas, cuja origem vulcânica, é resultado dos
movimentos geológicos que separaram o imenso continente denominado
17
Pangea5. As cordilheiras oceânicas são cadeias montanhosas que rodeiam o
globo
(...) o maior sistema montanhoso da Terra, que se estende por 80
mil quilômetros, com mais de 1 500 km de largura , em alguns
locais. Geralmente se elevam em torno de três quilômetros sobre
o assoalho submarino adjacente” (PENHA, M. 1998: 72).
A cordilheira mesoceânica, também conhecida como dorsal mesoceânica, é
um sistema de cordilheiras que ocupa cerca de 33% da superfície dos oceanos,
com uma extensão aproximada de sessenta e quatro mil quilômetros e em
profundidades médias de dois mil e quinhentos metros. É quatro vezes mais
extensa que os Andes, as Montanhas Rochosas e o Himalaia juntos (CMIO,
1999). O relevo, bastante irregular, permite identificar duas feições distintas: o eixo
e a crista, com largura variando de vinte e cinco a trezentos e vinte quilômetros,
podendo chegar a mil quilômetros.
A crista da Cordilheira Meso-oceânica é caracterizada pela presença de
ilhas e arquipélagos. Nestas ilhas as atividades vulcânicas são permanentes.
Como exemplos citam-se: a Islândia e os Açores, Ascensão e Tristão da Cunha,
no Atlântico; ilhas do Pacífico, parte do arquipélago da Indonésia, ilhas japonesas,
Kurilas e Aleutas.
No Atlântico, o Sistema de cordilheiras se estende de Norte a Sul
(percorrendo toda a sua extensão desse oceano), desde o Ártico passando pela
Islândia, Açores até as Ilhas de Ascensão, Santa Helena, Tristão da Cunha e Ilha
de Bouvet, no Atlântico Sul. A partir daí toma duas direções: a Leste, dirige-se
para o Oceano Índico rumo à África Oriental e ao Golfo Pérsico; e a Sudeste se
junta ao sistema do Pacífico Sul via sul da Austrália e da Nova Zelândia,
margeando o continente antártico. A oeste dirige-se para o Pacífico, ao encontro
da linha de fratura do Pacífico Sul, rumo às Ilhas Galápagos e à costa californiana,
do lado americano, e ao complexo do Japão e sudeste asiático, terminando junto à
região ártica. Segundo Penha M., (1998: 72) “(...) essa cadeia montanhosa é a
5
Pangea: segundo a Teoria de Wegener há cerca de 225 milhões de anos, o planeta Terra era
constituído por um único continente – denominado Pangea e um único oceano – denominado
Pantalassa ou Tétis. Segundo o autor, o oceano, há cerca de 180 milhões anos iniciou-se, no
Pangea, um processo de fratura interna que acabaria por originar os atuais continentes e mares.
18
mais impressionante feição da superfície do planeta que seria vista do espaço,
caso não existissem os oceanos (...).”
Outra forma do relevo oceânico são as depressões oceânicas. Estas se
posicionam, em geral, de forma convexa em relação à bacia oceânica e são
observadas com mais freqüências no Pacífico. São exemplos os arcos das
Aleutas, Japão, Marianas, Peru e Chile, todos eles com uma profundidade
superior oscilando entre três e quatro quilômetros ao assoalho adjacente. Os
arcos das Marianas, por exemplo, chega a mais de onze mil metros da linha do
continente.
1.1.2 - Zonas Oceânicas e Recursos Bióticos
Quanto à distribuição de espécies vivas existentes nos oceanos, existem
polêmicas a este respeito. Um inventário de 1993 concluiu que existiriam 178 mil
espécies, porém outros estudos sugerem que só nos fundos marinhos, até há
pouco tempo considerados desprovidos de vida, existem cerca de dez milhões de
espécies a mais do que nos continentes. Entretanto, esse dado é controverso e
tem sido contestado por inúmeros cientistas (CNIO, 1999: 169).
A base da cadeia alimentar marinha é constituída pelo plâncton. Em termos
gerais a distribuição e a abundância dos plânctons dependem de um conjunto de
variáveis: luz, temperatura e nutrientes existentes na água. A produção de
plâncton é pequena nas regiões tropicais, mas é geralmente mais elevada nas
regiões costeiras tornando-as assim, as áreas mais produtivas de todo o oceano.
Podemos caracterizar a distribuição das espécies segundo o relevo marinho:
na Zona Epipelágica, cuja extensão vai da superfície até uma profundidade de
cerca de cem metros e cujo limite interior marca o limite de penetração da luz
suficiente para a fotossíntese, quase todos os recursos pesqueiros do mundo são
encontrados. Exemplos: caranguejo, coral, golfinho, leão-marinho, água viva,
peixe-espada, tartaruga marinha, barracuda, tubarão-azul, lulas e atuns.
Na Zona Mesopelágica – cuja extensa vai até o limite de penetração da luz,
cerca de mil metros, muitas criaturas que aí vivem, fazem migrações verticais de
19
água. Os alimentos são transportados por estes animais migratórios ou descem
da superfície sob a forma de detritos. É habitada por cerca de quinhentas
espécies como: estrela do mar, lagosta, raia, anêmona, esponja, polvo, baleia-
azul e cachalote. Em contrapartida, a Zona Batipelágica, que se estende a mais
de mil metros de profundidade, é uma área não iluminada, sem fitoplâncton, na
qual, pouco mais de cem espécies adaptaram-se às condições de alta pressão e
baixa temperatura inerentes às águas profundas. As principais fontes de alimento
são os detritos do fundo, resultantes da “chuva” de partículas que cai das
camadas superiores. Como exemplo dessas espécies temos o tamboril, a
enopéia, o peixe-galo, peixe-víbora e peixe-tripé.
Ao nos aproximarmos das Zonas Abissais – situadas além dos dois mil metros
de profundidade, observamos que a vida torna-se cada vez mais rara, à medida
que atingimos até cerca de cem metros do leito do mar, onde diminui
consideravelmente (CNIO, 1999: 171).
Figura 1.2 As Zonas Biológicas Marinhas
Fonte: CMIO, 1999
20
1.1.3 - Fundos Marinhos e os Recursos Minerais
Além dos recursos bióticos, a descoberta de fontes de combustíveis e
minerais deu-se em função dos recentes progressos científicos, que permitiram a
aquisição da capacidade de explorar os oceanos em profundidades cada vez
maiores. No caso das jazidas marítimas, estas se encontram relativamente
próximas à costa. A presença de vulcões submarinos deve ter ajudado na
concentração mineral do Oceano Pacífico, pois os minérios apresentam
proporções altas (acima dos padrões terrestres) de zinco, cobre e prata. Os
principais recursos minerais existentes no subfundo dos oceanos são o petróleo, o
gás natural, os hidratos de gás, os evaporitos, o enxofre e o carvão. No entanto, o
fundo dos mares oferece outras opções. Existem depósitos de nódulos metálicos,
contendo principalmente manganês6, espalhados pelo fundo dos oceanos, que
prometem ser a grande fonte de vários metais no futuro. Os minerais marinhos
com valor econômico podem ser classificados em dois tipos: petróleo, incluindo
tanto o óleo como o gás, e minerais não-hidrocarbonetos e substâncias minerais
em diversas formas:
O petróleo, ao contrário da maioria dos outros minerais extraídos do mar é
de origem orgânica. Sua formação começa com o acúmulo de restos orgânicos de
plantas e animais, depositados com outros sedimentos como areia, depositados
com outros sedimentos como areia, limo e argila carreados dos continentes. Com
o aumento da profundidade, uma parte da matéria orgânica é transformada
através de processos químicos em hidrocarbonetos, incluindo óleo e gás.
Costuma-se datar o início da história do petróleo em 1859, quando as perfurações
conduzidas pelo norte-americano Edwin Drake alcançaram seus primeiros êxitos
na Pensilvânia. Entretanto, apenas em 1946 iniciou-se a exploração intensiva nas
áreas ao largo da costa (LUCENA, 2001).
Os nódulos de Manganês limitam-se, em geral, ao assoalho oceânico
profundo, sendo encontrados em águas de mais de quatrocentos metros de
profundidade. Há exceções como na costa sudeste dos E.U.A. onde existem
6
Sobre esse assunto, voltaremos a falar no capítulo “Levantamento dos Recursos do espaço
Marítimo Brasileiro”.
21
nódulos de manganês em águas com profundidade inferior a trezentos metros.
Em geral, são encontrados nos oceanos Atlântico, Índico e Pacífico, abrangendo
uma área de dez milhões de quilômetros quadrados.
De todos os minerais presentes no leito rochoso sob o assoalho marítimo,
apenas três - carvão, ferro e enxofre - são explorados economicamente. O carvão
e o ferro são obtidos exclusivamente com base em terra firme. O carvão é
explorado nas costas do Canadá, Reino Unido, Chile, Japão, Taiwan e Turquia. O
minério de ferro é produzido nas costas da Finlândia e Canadá. O enxofre é
extraído em forma fundida por meio de sondagens. É explorado apenas na costa
americana do Golfo do México (VETTER, 1976:128-139).
Em relação à distribuição desses minerais pelos oceanos, o Atlântico
concentra metais preciosos, minerais pesados (zircão, ferro e titânio), calcário de
conchas, manganês (Atlântico Sul), fósforo, cálcio, diamantes (sul da África). O
oceano Pacífico, alumínio, metais preciosos, calcário de conchas, fósforo, cálcio,
manganês e minerais pesados. O oceano Índico, próximo à ilha de Madagascar,
concentra alumínio, fósforo, cálcio, manganês, metais pesados, diamante (FOLHA
DE SÃO PAULO, 17/05/1998: 8). Na superfície do fundo marinho, os principais
recursos minerais são os granulados terrígenos ou carbonáticos e os minerais
pesados, que ocorrem preferencialmente nas plataformas continentais. Os
depósitos de fosforitos, muito utilizados pela indústria de fertilizantes e para a
correção de solos, formam-se a profundidades de até mil metros, enquanto os
nódulos e crostas polimetálicas de manganês e ferro ocorrem preferencialmente
nas bacias oceânicas. Os depósitos hidrotermais, ricos em sulfetos de ferro, cobre
e zinco, óxidos e silicatos de ferro e manganês, são encontrados em regiões onde
há atividade vulcânica, como os limites entre placas tectônicas e a cordilheira
mesoceânica
1.1.4 - Correntes Marinhas e o Clima
As influências determinadas pelas correntes e pelo clima conferem ao mar
uma interação com o ambiente global, pois há uma estreita relação entre a
22
atmosfera e os oceanos, já que o comportamento de um influencia o do outro.
Para muitos analistas, o oceano é considerado a força motriz do sistema climático,
em virtude de sua imensa capacidade de armazenagem de calor, cujo ritmo pode
ser assim descrito: armazena energia quando a oferta é abundante, durante o
verão, e libera-a durante a noite ou no inverno.
A inter-relação entre oceanos e clima pode ser observada considerando
três variáveis: o sistema de ventos; o ciclo hidrológico terrestre e as correntes
marítimas. Os ventos são gerados pela variação da pressão atmosférica, que, por
sua vez, tem origem nas diferenças de temperatura. Como a atmosfera e o
oceano estão em contato, os ventos geram, por atrito, na superfície do mar, as
principais correntes superficiais marinhas, embora as causas destas sejam
controversas, como será descrito adiante. Sendo assim, as correntes são
movimentos de translação permanentes ou acidentais de uma parte das águas
marinhas com direção e sentido determinados, perfeitamente integrados à massa
oceânica. O fluxo das correntes deve ter velocidade superior a doze milhas
marítimas por dia, e são os movimentos mais importantes que as águas do mar
apresentam. Elas podem ser comparadas a rios de água salgada, com
temperatura diferente da massa de água oceânica por onde passam (OLIVEIRA,
2001).
As causas destas correntes são controversas. Para alguns autores elas se
originam como resultado do movimento de rotação da Terra. Para outros, elas são
influências do desequilíbrio de corrente das variações de temperatura e densidade
das águas. Ou seja, uma explicação seria a de que circulam em outra velocidade
em função da diferença de temperatura e salinidade, que modificam sua
densidade. Essa diferença de densidade entre as águas que formam as correntes
e as que circundam no oceano faria com que elas tivessem velocidade própria e
seguissem sempre uma direção regular e relativamente precisa.
O vento é, basicamente, o principal forçante do campo de
correntes oceânicas superficiais. Mudanças em direção, velocidade
e extensão das correntes oceânicas são conseqüências diretas de
mudanças no campo de vento. Quanto maior a velocidade do
vento, maior a força de fricção que atua na superfície do mar.
(OLIVEIRA, 2001: 29).
23
O movimento e a direção das correntes depende dos ventos regulares,
destacando-se os alíseos, do movimento de rotação da Terra e do contorno dos
continentes. No Atlântico, por exemplo, em torno do Equador, movimentam-se as
correntes equatoriais, conduzindo águas quentes no sentido inverso da rotação da
Terra (Figura 3).
A parte Equatorial se origina próxima ao Arquipélago de Cabo Verde e
alcança as Antilhas. A Sul Equatorial começa no Golfo da Guiné, atravessa o
Oceano e divide-se em dois eixos ao se defrontar com a costa nordestina do
Brasil: a Corrente Brasileira que se estende para o sul até o Uruguai, e o outro, a
corrente da Guiana que se dirige até o Mar da Antilhas, aonde vai se reunir com a
corrente Norte Equatorial.
A partir do encontro destas duas correntes, tem início a corrente do Golfo: a
Gulf Stream que atravessa o Atlântico com rumo leste/nordeste atingindo as
costas da Noruega e Islândia no Pólo Norte. No sentido oposto a estas correntes
quentes do Atlântico temos, as correntes frias provenientes das regiões polares
que podem se estender até os trópicos. São denominadas de Falkland e Bengala
(Malvinas) ao sul e Labrador ao norte.
No Oceano Pacífico por sua vez, a circulação das águas segue o mesmo
eixo do Equador para os pólos e vice-versa. As mais célebres correntes quentes
são a Kuro-Shio no hemisfério setentrional e a corrente da Austrália no hemisfério
meridional. As frias são Kurila ao norte e a Humboldt ao sul. No Oceano Índico de
configuração e posição geográficas muito diferentes, predominam as correntes de
Monções, caracterizadas pela direção e temperatura dos ventos que lhes dão
origem.
24
Figura 1.3 - Principais Correntes Oceânicas
Fonte: Miguens, 1995
Os oceanos formaram-se gradualmente pela separação da água e gás das
rochas silicáticas. Nos primórdios da era geológica, a água existia sob a forma de
vapor d’água na atmosfera, mas à medida que a Terra esfriou, à cerca de 3,8
bilhões de anos, esse vapor d’água precipitou-se, formando os rios e enchendo
bacias de baixas altitudes que assim possibilitaram a criação dos oceanos. Como
assinalado anteriormente, o oceano tem sido considerado a força motriz do
sistema climático, em razão da sua enorme capacidade de armazenagem de
calor. Além de armazenar energia quando a oferta é abundante, durante o dia ou
no verão, liberando-a no inverno ou à noite, transportam água aquecida do
equador para os pólos e devolvem água fria ao equador por meio das correntes de
superfície e das correntes profundas, em períodos que podem ser de anos,
décadas ou até séculos. Tal movimento representa uma fonte de transferência de
calor tão grande como a da atmosfera e tem profundos impactos sobre o clima,
tanto em âmbito regional quanto global (CNIO, 1999: 168).
Um dos fenômenos mais representativos da relação entre os oceanos e o
clima é que se verifica nas costas da América do Sul banhada pelo Pacífico. Nesta
25
região, em intervalos de dois a sete anos, ocorre um aumento anormal da
temperatura na superfície do mar. Esta ocorrência de águas quentes foi
identificada há mais ou menos cem anos por pescadores peruanos que deram a
este fenômeno, a denominação de El Niño em alusão ao período em que se
iniciava, próximo ao Natal. As águas da Corrente do Peru convergem com as da
Contracorrente Equatorial que, no inverno no Hemisfério Norte, dirigem-se mais
para o Sul, ao largo das costas do Equador. Algumas vezes, El Niño avança em
direção ao Sul mais do que é comum, fazendo com que suas águas quentes
cheguem até 12° de Latitude Sul, influindo prejudicialmente na meteorologia dessa
região, ao produzir precipitações que são até cem vezes maiores que o normal e
ao causar uma grande mortandade entre os peixes que povoam a costa ocidental
da América do Sul (MIGUENS, 1995).
Por motivos ainda não conhecidos, nos anos em que ocorre o El Niño os
ventos alísios ficam mais fracos chegando até, em algumas áreas da faixa tropical,
a inverterem o sentido ao soprarem em direção inversa ao sentido habitual que, no
caso do Pacífico é a Oeste. Com a inversão as águas, não tendo mais
sustentação a Oeste do Pacífico equatorial, movimentam-se em direção a América
do Sul em forma de ondas, elevando a mar no lado leste, em cerca temperatura
do de 8o C. Devido ao aquecimento das águas costeiras da América do Sul, chove
mais no continente provocando freqüentes enchentes. Em contrapartida, a seca
assola a porção sul-ocidental do Pacífico, provocando inúmeros incêndios na
Austrália e Indonésia.
1.1.4.1 - Correntes da Plataforma Continental Brasileira
Segundo Vidigal, 2005, duas correntes fluem ao longo do talude continental
na maior parte da costa brasileira: a Corrente do Brasil (CB) nas partes leste,
sudeste e sul e a Corrente Norte do Brasil (CNB) nas regiões nordeste e norte,
cuja origem é a Corrente Sul Equatorial, quando essa se bifurca ao se aproximar
do Brasil (entre 5° e 10°S). O “Glossário de termos técnicos e siglas de
programas, projetos e instituições” elaborado para o REVIZEE, define a Corrente
26
do Brasil como uma corrente oceânica quente e salina, que se desloca para o sul,
ao longo da costa leste do Brasil. Em direção ao sul, ao longo da costa,e nas
proximidades de 30º S, encontra a Corrente das Falkland/Malvinas e então,
ambas seguem para leste e cruzam o oceano passando à denominação de
“Corrente do Atlântico Sul” (figuras 1.3 e 1.4). A Corrente Norte do Brasil (ou
Corrente das Guianas), que flui ao longo da costa setentrional do país, na altura
da foz do Rio Amazonas, sofre uma descontinuidade e uma parte dela, reforçada
pelas águas do rio, forma a Corrente das Guianas, braço noroeste da Corrente
Norte do Brasil. Na Plataforma Continental do Amazonas, entre o estuário do Rio
Pará e a fronteira com a Guiana Francesa, tanto a quantidade de material
despejado, tais como água e partículas, quanto a de energia, representada pelas
marés, ondas e ventos são significativas. Tal fenômeno tem influência sobre a
distribuição dos recursos vivos da região, permitindo que a plataforma continental
interna se torne recoberta por depósitos lamosos, favorecendo as operações de
pesca com arrasto, fato que será novamente abordado no capítulo IV sobre as
riquezas brasileiras.
27
Figura 1.4 Correntes do Brasil
Fonte: www.unisanta.br
De maneira geral, a importância prática do estudo das correntes marinhas reside
no fato de que nelas se encontram alimentos necessários à vida marinha, pois são
ricas em microorganismos (plâncton) e servem de base para a alimentação dos
peixes. Assim, as correntes constituem lugares favoráveis ao desenvolvimento de
grandes cardumes e, conseqüentemente, à atividade pesqueira. Sobre esses
recursos, denominados bióticos, e também sobre os abióticos, trataremos no
capitulo “Levantamento dos Recursos do Espaço Marítimo Brasileiro”.
Por fim, nas discussões de apropriação jurídica, por exemplo, a questão
envolvendo a largura de uma corrente marinha já serviu de base à reivindicação
de ampliação de limites, tal como ocorreu no Chile e no Peru, em 1947 que
alegaram ser de “(...) 200 milhas a extensão da corrente marítima responsável
pela riqueza ictiológica do mar adjacente à costa ocidental da América do Sul”
28
(Castro, 1989: 12), justificando, assim,a ampliação das suas jurisdições sobre as
águas.
1.2– Evolução do Direito Marítimo Internacional
Após a caracterização dos espaços marítimos, passamos ao processo de
estabelecimento do Direito Marítimo, criado como uma forma de regulamentar a
navegação e a exploração oceânica. Tal narrativa se faz necessária à
compreensão do contexto histórico que engendrou as sucessivas ações efetuadas
pelos Estados a fim de dominar tais espaços, seja através da regulamentação da
navegação ou da exploração dos seus recursos Tencionamos associar a criação
de leis e tratados a uma tentativa de reduzir possíveis embates originados pela
apropriação das áreas supracitadas, e também avaliamos a efetivação prática das
jurisdições, cuidadosamente elaboradas para cada porção especifica dos oceanos
e mares, diferenciados entre si.
Em diversos momentos da história, a série de conflitos deflagrada pela
teoria da liberdade dos mares em contrapartida à restrição do mesmo gerou a
necessidade de regulamentar as atividades neles exercidas tais como: transporte,
pesca, captura e exploração de riquezas. Através de uma legislação reconhecida
pelas diversas sociedades e seus respectivos Estados, de maneira geral, sempre
se objetivou minimizar as diferenças, geográficas e sócio-econômicas, encontradas
entre os mesmos. Associada à urgência de regulamentação das atividades surge a
evolução da oceanografia. Vidigal (2005: 35), menciona o considerável progresso
dessa ciência a partir da Segunda Guerra Mundial “(...) que propiciou o
desenvolvimento de vários equipamentos, aperfeiçoados para a pesquisa
oceanográfica”.
É por esse motivo que as leis ambicionam atuar como “uniformizadoras de
atividades sociais”, “geradoras de obrigações” ou simplesmente,
“regulamentadoras de atos” (LIMA, 1997). O Direito Marítimo, formado por várias
leis, tratados, e regulamentações da navegação sobre o mar, tem por objetivo
agrupar interesses e prevenir possíveis conflitos surgidos das atividades ligadas ao
29
mar ou ainda, segundo Castro Jr. (2002), numa visão generalizadora, podemos
definir Direito Marítimo como o conjunto de normas que regula toda atividade
relacionada com a navegação marítima, lacustre e fluvial, ou seja, que inclui, o
conjunto de regras jurídicas relativas à navegação aquaviária, englobando-se os
transportes marítimos, fluviais e lacustres7.
Diversos autores atribuem ao povo fenício o estímulo para o surgimento de
normas e regulamentação das atividades relacionadas à navegação, uma vez que
habitavam uma estreita faixa de terra entre o mar Mediterrâneo e as montanhas do
Líbano e também utilizavam o comércio marítimo. Porém, é quase unanimidade
dentre os pesquisadores consultados que, num primeiro momento, a
regulamentação sobre essas atividades objetivava apenas à navegação marítima,
não enfocando a exploração de recursos naturais.
Segundo Gold (1976), surge em Rodes, “(...) plena civilização mediterrânea
(...)” e como decorrência de um intenso comércio marítimo, um bem-sucedido
código de direito do mar, o mais completo da antiguidade, influenciando todo o
mundo atual:
É de consenso geral que grande parte do moderno direito marítimo
privado internacional, isto é, o direito da marinha mercante, origina-se
deste código, uma vez que seus princípios eram aceitos tanto pelos
gregos quanto pelos romanos, formando o direito romano a base do
moderno direito marítimo (op. cit.: 5)
De acordo com esse mesmo autor, um importante fator desse código é o
reconhecimento do direito de todas as nações ao livre uso do mar para o comércio
legal. No entanto, a realidade política daquela época era que Roma mantinha o
controle virtual do Mediterrâneo e, sendo assim, qualquer código acabava por ser
anulado. Para Lima (1997), as Leis de Rodes foram o mais importante monumento
entre os povos antigos, mas sua existência não teria vigorado posteriormente, pelo
fato de Roma manter o controle, praticando muito ativamente comércio marítimo,
7
Assim, o Direito Marítimo abrange o conjunto de normas que regulam a navegação, o comércio
marítimo, os contratos de transportes de mercadorias, e pessoas, por via marítima, fluvial e
lacustre, os direitos, deveres e obrigações do armador, dos capitães e demais interessados nos
serviços de navegação privada, bem como a situação dos navios a seu serviço (CASTRO JR.,
2004).
30
porém sem ocupar-se das regras seguidas pelos navegantes orientais. Com o
colapso do Império Romano até meados do século XV a maior parte do Direito
Marítimo deixou de existir, só sobrevivendo as leis consideradas mais adequadas8.
As exceções ocorriam em algumas áreas: em Jerusalém, em Aquitânia e na
Espanha, por exemplo. Nestas áreas, as transações comerciais exigiam o
estabelecimento de códigos marítimos mutuamente aceitáveis. De uma maneira
geral, no entanto, estes códigos eram pouco significativos e o que predominava
era “(...) o caos nos oceanos então conhecidos pelo homem” (LIMA, 1997: 5).
Por quase dois mil anos as leis marítimas foram esquecidas. Para que
ocorresse uma ressurreição, um fator concorreu: o despertar da Europa, saída da
Idade Média, prestes a recuperar o comércio no Mediterrâneo. É, então, na Idade
Média que se encontra o maior desenvolvimento do comércio marítimo,
estimulando o aparecimento de normas reguladoras sobre o domínio das águas
(op. cit., 1997). Neste período o comércio dos mares esteve monopolizado pela
liga hanseática9 – associações de mercadores (guildas na Itália e hansas na
Alemanha) - o que perdurou durante o século XIII. Neste momento, surgem as
cidades de Veneza, Marselha, Barcelona, Gênova e Valência na disputa pelos
mares. Lima (1997), referencia Amalfi, como a primeira cidade da Idade Média a
desenvolver um comércio marítimo em larga escala e a realizar uma legislação
marítima. Para Rangel (1970), a existência de piratas e sarracenos obrigaria as
cidades italianas a se imporem e, como conseqüência, passarem a cobrar tributos
dos navios que rodeavam seus distritos marítimos. Desta forma, Veneza e
Gênova, necessitavam justificar os poderes que passavam a exercer. Segundo
Mello (1972), é também, e principalmente. nas cidades italianas do Mediterrâneo
que a noção de Mar Territorial ganha lógica. No século XIII alguns Tratados
traziam em seu conteúdo esclarecimentos sobre o mar submetido ao Estado “(...)
que a circunscrição ou o território de uma cidade marítima compreendia também
uma certa extensão do mar” (op.cit.: 54).
8
Havia certas situações em que as transações comerciais exigiam o estabelecimento de códigos
mutuamente aceitáveis: Jerusalém, durante as Cruzadas; o comércio costeiro do Atlântico, em
1160, regulado pela rainha Eleonora da Aquitânia e o Livro Negro da Marinha, provavelmente do
reinado de Eduardo III, regulando as relações marítimas da Inglaterra. (GOLD, 1976: 5)
9
Associação de cidades mercantis (guildas na Itália e hansas na Alemanha).
31
Além disso, o avanço que ocorria, destinado a estabelecer um domínio dos
oceanos, provocou uma onda de reivindicações: não só as cidades já citadas,
assim como outros Estados seguiam o exemplo: a Noruega, a Dinamarca, a
Suécia e a Inglaterra.
A ascendência comercial de Marselha, Barcelona, Valência,
Gênova e Veneza foi imediatamente seguida de reivindicações
territoriais de vastas áreas do oceano. Esse novo avanço,
destinado a estabelecer o verdadeiro domínio dos oceanos, gerou
a seu redor um círculo surpreendentemente moderno. A Veneza
medieval reivindica todo o Mar Adriático. A República de Gênova
reivindicava não só todo o Mar da Ligúria, como também o Golfo
dos Leões. Em outras partes, outros estados seguiam o exemplo: a
Dinamarca e a Suécia reclamavam o Mar Báltico; a Noruega,
seguida pela Dinamarca, decidiu que partes do Mar do Norte
estavam sob a sua soberania, e a Inglaterra estendia amplos
cinturões de água em torno das Ilhas Britânicas, que incluíam o
Oceano Atlântico, desde o Cabo Norte até o Finisterra. (GOLD,
1976: 6)
Este expansionismo territorial culmina quando, em 1493, o Papa Alexandre
VI dividiu o mundo entre as duas superpotências ibéricas, Espanha e Portugal.
Segundo Gold (1976), a forma como a jurisdição era aplicada pelos Estados era
bastante variável, mas em geral, o objetivo “(...) era excluir os piratas, proibir a
navegação ou impor taxas a navios estrangeiros; proibir ou regular a pesca;
impedir batalhas navais em sua área (...)”.
Assim, após a primeira metade do século XVI outros países emergem como
potências efetivas, tais como a Holanda e a Inglaterra. A primeira é o berço do
mais importante tratado sobre o direito marítimo: Mare Liberum (o Mar Livre),
objetivando estabelecer os direitos e a liberdade do comércio holandês nas Índias
Orientais contra a interferência portuguesa. Na primeira década do século XVII, a
Companhia das Índias Orientais, holandesa, contrata Hugo Grotius, jurista, para
defender uma embarcação que atravessava o Estreito de Malaca contra o
aprisionamento português. Os portugueses se valiam do argumento que o mar, tal
como a terra, estaria sujeito ao domínio exclusivo dos Estados soberanos, e
tinham o apoio da Espanha, Dinamarca, do Império Otomano, além das cidades-
estados Gênova e Veneza. Os holandeses, em contrapartida, argumentavam que
32
o mar não pertencia a ninguém, não podendo, portanto, ser objeto de
reivindicações territoriais (CNIO, 1999). Assim, Grotius, no famoso tratado editado
em 1609, apoiava a teoria elisabetana cuja essência era de que os mares
pertenciam a todas as nações e não estavam sujeitos à apropriação unilateral por
uma nação específica10, defendendo a posição holandesa.
(...) no século XVI ocorria a polêmica do “Mare Liberum”, obra que
foi escrita para defender a liberdade dos mares para a navegação e
o comércio, bem como obter a liberdade de pesca nos mares
próximos dos Estados. Grotius justifica o princípio da liberdade dos
mares, baseando-se na afirmativa de que os portugueses não
tinham direito ao domínio sobre o mar das índias, nem por título de
ocupação, nem por título de doação pontifícia, nem por título de
doação, prescrição ou costume. Foi escrito em Portugal, publicado
contra a Espanha e utilizada contra a Grã-bretanha, pelos
holandeses. (Lima, 1999: 35)
Os holandeses conseguem obter vitória na disputa jurídica, mas grande
controvérsia foi gerada, e em 1635, John Selden, da Inglaterra, lança a obra Mare
Clausum (O Mar Fechado), em oposição a Grotius, onde replica que os Estados
costeiros tinham o direito de se apropriar de extensas áreas marítimas. Esse
princípio estava em perfeita comunhão com o fato de que o período elisabetano de
descoberta e seu uso do conceito da liberdade dos mares cediam lugar à
preocupação da Inglaterra com relação à idéia de expansionismo, expressa
amplamente no período das descobertas. A colonização de novos territórios, e a
tentativa de limitar a pesca pelos holandeses no Mar Norte, levaram Selden a
defender a apropriação dos mares adjacentes feita pela Inglaterra. “(...) O mar é
comum a todos, mas suscetível de apropriação privada (...)” (LIMA, 1997: 35).
(...) o seu uso do conceito de liberdade dos mares cederam lugar à
preocupação de James I com a pesca britânica em oposição ao
poder marítimo superior da Holanda. Mas o período das
descobertas resultara num acréscimo de novos territórios e a visão
de novas oportunidades afastava tudo quanto pudesse interferir
nessa espécie de expansionismo – o poder marítimo dos grandes
Estados marítimos. (Gold, 1976: 7).
10
“(..) dado que não é possível apanhar o mar, tal como o ar, ele não pode ser submetido à posse
de qualquer nação em particular”. Hugo Grotius In: CNIO, 1999: 34....
33
No entanto, posteriormente, esta teoria será vencida pelo Mare Liberum, à
medida que os Estados reconheceram suas diversas vantagens, até ser
geralmente aceita em fins do século XVII, “(...) constituindo a pedra angular da
ordem pública nos oceanos até os nossos dias” (CNIO, 1999: 34). Como vemos,
nesse final do século XVII a questão do domínio dos mares em favor da tese de
Grotius é solucionada por motivo de ordem jurídica e política mas, ao mesmo
tempo em que declinava a polêmica sobre a liberdade dos oceanos, adquiria
consistência a noção de Mar Territorial e evitava-se o equívoco de vinculá-la (a
noção) aos princípios do Mare Clausum (MELLO, 1972: 50).
Na Europa Ocidental, em espaços marítimos relativamente restritos,
onde navegadores de diversos países se concentravam, a noção de
Mar Territorial encontrou terreno para aparecer e se consolidar (...)
fator positivo foi a luta contra os piratas. (Mello, 1972: 50).
Com efeito, para Gold, os séculos XVII e XVIII continham tão fortemente a
necessidade de expansão que a liberdade dos mares beneficiaria a todos, o que
tornaria facilmente aceitável a teoria do Mare Liberum. Tal teoria continua sendo
considerada até os dias de hoje uma das mais convincentes defesas do princípio
da liberdade dos mares e sua utilidade na época foi inquestionável, uma vez que
navegar e conquistar nos séculos XVII e XVIII era obrigatório no mundo em
expansão, transformando o “mar livre” útil a todos (PENHA, 1998). O princípio da
liberdade dos mares traduzia um sentimento geral da época, uma vez que seria
muito mais lucrativa uma política de liberdade universal dos oceanos e, por este
motivo, os Estados poderosos abriam mão daquilo que já não precisavam mais.
Como exemplo, desde o início do século XIX, a Grã-Bretanha11, principal Estado
marítimo, defendeu veementemente a liberdade que antes, mais precisamente no
século XVI, não lhe parecia conveniente. Tal reação foi seguida pela maioria das
nações marítimas, justificando o predomínio do poder marítimo sobre o poder
costeiro durante o século e meio seguinte, quando então veremos ressurgir o
Estado costeiro (COSTA, 1992, MUEHE, 2000).
11 A Grã-Bretanha surge em 1707, a partir da constituição do Reino Unido, Inglaterra, Escócia,
País de Gales e Irlanda do Norte.
34
Com o desenvolvimento das colônias, a partir do século XVII, a
tendência foi a de defender a filosofia da liberdade de uso do mar
para fins estratégicos de mobilidade militar, de garantia do
transporte de mercadorias, da pesca em áreas distantes e do
lançamento de materiais poluentes.
(Muehe, 2000: 149)
Como fator responsável pelo período de expansão marítima e exploração
colonial, do século XVI, Lima (1997), aponta a acumulação do capital pela
burguesia, como responsável pela organização desse processo de expansão. O
surgimento de leis reguladoras do uso do mar como via de transporte,
fundamentadas pelo mercantilismo em função da exploração colonial, no século
XVII, resultam desse processo de acumulação. As mudanças ocorridas em relação
à organização da vida social nos séculos XVIII e XIX, tendo em vista a ascensão
da burguesia, cujo controle deu-se sobre os meios de produção, os de transporte e
comércio, trazem distinções nas regulamentações no campo do Direito Marítimo. A
influência dessas transformações impressas no panorama social, político e
econômico foram fundamentais também para esse ramo do Direito que, por sua
vez, regulamentava-se ao mesmo tempo pelo Direito Privado, com base no
comércio, e pelo Direito Público, com base nas relações entre os Estados. A
distinção entre o “público” e o “privado” será característica marcante desse novo
padrão jurídico.
Os fatores históricos do final do século XIX desempenharam, sem
dúvida, importantíssimo papel para a existência (...) relativamente
ao Direito Internacional (Público e Privado), derivado da
complexidade e diversidade de relações emergentes entre os
Estados. (Lima, 1997: 55)
E ainda:
O panorama social, político e econômico do século XIX foi
determinante para as modificações ocorridas no Direito
Internacional. Com a divisão, no final do século passado, do Direito
Internacional entre Público e Privado, os campos de influência de
cada um destes sobre o Direito Marítimo torna-se distinto, porém
interdependente. (Op. cit.: 20)
35
Em relação ao Mar Territorial, para Mello, (1972), a sua delimitação só
começou a surgir de modo preciso no século XVIII, uma vez que, até então, os
critérios eram os mais variáveis possíveis: alcance da vista, linha mediana, etc.
Em 1703, Cornelius van Bynkersholk, na sua obra “Dissertação
sobre o Domínio dos Mares”, estabeleceu que o Estado estenderia
seu domínio sobre o mar até onde alcançasse as forças das armas.
Em 1782, Ferdinando Galiani, em um livro intitulado “Dos Deveres
dos Príncipes Neutros em Relação aos Príncipes Beligerantes e
Destes em Relação aos Neutros” levando em consideração a força
das armas fixou a largura do Mar Territorial em três milhas. (op.cit.
:121-5)
No século XIX a largura é definitivamente consagrada em três milhas de
largura, medida aceita, sem muitas contestações até meados do século XX e
assim, no início desse século foi estabelecida uma zona limitada a três milhas pela
maioria dos Estados da época, inclusive a Grã-Bretanha, os Estados Unidos, a
Alemanha, a França e outras – muitas - potências marítimas. O limite original de
três milhas surgiu da regra do “tiro de canhão”, atribuindo ao Estado costeiro as
áreas marítimas que pudessem estar realmente sob a proteção de baterias
costeiras. Em 1818 o Tratado de Grand, entre EUA e a Inglaterra, foi o primeiro a
adotar o limite de 3 milhas para delimitar a zona de pesca e uma zona de
segurança marítima (MATTOS, 1996).
Um ponto de vista contrário a este, estabelecia que o cinturão costeiro só
estaria sujeito a certos direitos limitados e bem definidos do Estado costeiro.
(GOLD, 1976). Ainda que a maioria das nações tenha aceitado no início do século
XX o limite das três milhas para o Mar Territorial, pouco tempo depois a situação
começa a se modificar, quando muitos Estados costeiros passam a reivindicar
distâncias de até doze milhas. Além disso, alguns exigiam uma jurisdição absoluta
nessas novas áreas, enquanto outros uma jurisdição limitada. Os novos
reivindicadores constituíam uma mistura de Estados costeiros que haviam alterado
sua política marítima em favor da extensão da soberania, e de estados costeiros
que, por não serem exatamente marítimos, contestavam os direitos ilimitados dos
estados marítimos. Essa atitude será um dos motivos pelos quais a Liga das
36
nações, convocará a Conferência de Haia, de 1930, como veremos a seguir no
próximo capítulo.
Como vimos até então, durante um significativo período que perdurou até o
século XIX, o Direito Marinho sofreu influência de um ideal de liberdade dos
mares, que não pôde ser sustentado, em função das mudanças nas relações
sociais, como conseqüência das novas técnicas aplicadas ao meio marinho. Tal
fato pode ainda servir de base à dedução lógica de que mesmo nos dias atuais,
muito da legislação poderá sofrer alterações, uma vez que está sujeita às relações
sociais geradas nas mais diversas atividades econômicas surgidas e/ou em
transição, e que, por sua vez, são submetidas às descobertas tecnológicas em
pleno desenvolvimento. Á medida que informações sobre as potencialidades do
meio marinho surgem, novos usos e interesses são relacionados e novas ações
são atribuídas, exigindo um acompanhamento das jurisdições. Segundo Lima,
1997, as regras jurídicas de maneira geral, surgem de costumes e práticas
encontradas no interior de uma sociedade num determinado tempo, porém não
são perenes, justo que a evolução do homem gera novas atividades e novas
formas de exercê-las, provocando constantes adaptações; situação que se aplica
perfeitamente ao Direito do Mar.
Assim, deduzimos ser a política externa fator de extrema influência no
Direito Marítimo e a relacionamos prontamente à política interna dos Estados, uma
vez que ambas são condicionantes entre si. Na análise da política externa de um
Estado estará contida a política interna, e o reflexo será percebido na política
internacional, ou seja, no relacionamento desse mesmo Estado com outras nações.
O que significa dizer que as prerrogativas são criadas tanto internamente quanto
externamente. No primeiro caso, dentro de cada Estado, a resposta a essas
prerrogativas será percebida na política externa e na criação das leis internacionais
e, externamente, quando as prerrogativas de outros Estados serão a base para a
execução das normas, que uma vez formuladas, serão repassadas aos demais
Estados, através das convenções. Trata-se da seguinte análise: um apelo interno,
gerado pela sociedade é intermediado pela diplomacia e assegurado pelas normas
do Direito.
37
A afirmação de que “no relacionamento entre nações, o progresso
da civilização pode ser visto como um movimento da força para a
diplomacia e da diplomacia para a lei” adquire hoje uma formação
preliminar, pois o movimento não se detém no direito, mas segue
no encalço das instituições. Por outro lado, o movimento recua das
instituições para as normas, do direito para a diplomacia e da
diplomacia para a força. Por isso, é notória a influência de
elementos da política internacional resultante das diversas políticas
externas. E tanto quanto a internacional condiciona a política
externa, esta condiciona a política interna. (CNIO, 1998: 25).
Por estarem naturalmente ligados, sem divisões facilmente perceptíveis, os
mares aparentam-se indivisíveis e, portanto, as questões a eles relacionadas não
poderiam deixar de ser polêmicas. A começar pelo fato, operacional, de ser
complexo limitar os espaços marítimos, dada a sua contigüidade, é possível
entender a difícil tarefa, atribuída ao Direito Marítimo, de elaborar leis capazes de
suprir os interesses múltiplos de diferentes Estados. Segundo a Convenção das
Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM, 1985: 4): “(...) os problemas do
espaço oceânico são estreitamente relacionados entre si e devem ser
considerados como um todo”. Assim, pode-se compreender a diversidade dos
temas abordados e a dificuldade em esgotar as questões centrais das Convenções
que serão apresentadas no próximo capítulo, onde as modificações inerentes ao
Direito Marítimo serão avaliadas até a sua apresentação atual, configurada através
das Conferências das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.
38
À confecção dos gráficos e das tabelas e ao apoio operacional e espiritual,
do meu marido, Maurício Mendes.
Às leituras exaustivas do meu irmão Marcelo Matos, meu “co-orientador”
não - oficial.
À revisão ortográfica de minha irmã Adriana Ribeiro Figueiredo.
Aos amigos eternos, antigos e novos: Cristiane Gomes, pela ajuda com
algumas traduções e Fernanda Pousa, Ana Paula Porto, Bianka Thompson,
Rosângela Ferrano, Sandro Campos, Marli Marins e Dina Queiroz. Além de Vítor
Stuart, Herberth Santos e Alexandre Brandão, do mestrado da ENCE, sempre
prontos a ouvir sobre o andamento da pesquisa e a ajudar no que fosse preciso.
A minha amada mãe, Sueli Ribeiro, pelo estímulo e dedicação, e também
pelo orgulho e pela torcida, “típicos de mãe”.
Ao meu querido filho, Arthur, pela compreensão tão pouco comum e pela
sabedoria de perguntar sobre tudo.
v
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________________________
Profº. Drº. Eli Alves Penha (Orientador)
Profº. Drº. André Roberto Martin
Almirante Armando Amorim Ferreira Vidigal
Profª. Drª. Lavínia Davis Rangel Pessanha
ii
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